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Os impactos da reforma tributária nas holdings: Guia prático

Artigo aborda conceitos, tipos e vantagens das holdings e analisa os impactos da reforma tributária, destacando ajustes necessários para manter eficiência patrimonial e fiscal.

domingo, 17 de agosto de 2025

Atualizado em 15 de agosto de 2025 10:45

1. Holdings: Conceito, tipos e papel no planejamento patrimonial e sucessório

Holding é a pessoa jurídica constituída com o propósito principal de concentrar a titularidade de participações societárias ou bens de pessoas físicas ou jurídicas, servindo como instrumento de organização, administração e proteção patrimonial. No contexto empresarial e familiar brasileiro, a holding tornou-se uma ferramenta amplamente utilizada para centralizar ativos sob uma única estrutura jurídica, o que facilita a governança e viabiliza o planejamento sucessório de forma mais eficiente e segura.

Do ponto de vista da finalidade e da atividade desenvolvida, as holdings podem assumir diferentes perfis. A holding pura é aquela cuja atividade exclusiva consiste na participação no capital de outras sociedades, sem exercer atividade operacional própria. Já a holding mista, além de deter participações societárias, exerce também atividade econômica direta, comercial ou prestadora de serviços. Há ainda a holding patrimonial, cuja finalidade principal é a gestão de bens e direitos de natureza imobiliária ou mobiliária, normalmente pertencentes a uma pessoa física ou grupo familiar. Quando essa estrutura é voltada especificamente à organização de bens familiares com vistas à sucessão, denomina-se holding familiar.

O uso de holdings no planejamento sucessório tornou-se especialmente atrativo diante das vantagens jurídicas e tributárias que elas oferecem. A estrutura mais comum envolve a integralização de bens imóveis no capital social da holding, seguida da doação das quotas sociais aos herdeiros, com cláusulas restritivas (como inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade) e com reserva de usufruto aos instituidores. Essa estratégia permite que o patrimônio permaneça sob controle da geração mais velha, ao mesmo tempo em que antecipa, de forma estruturada, a sucessão para os filhos ou demais beneficiários.

Do ponto de vista tributário, essa modelagem pode resultar na redução da carga do ITCMD, pois o imposto incide sobre o valor das quotas doadas e não diretamente sobre o valor venal dos imóveis. Dessa forma, as holdings familiares são válidas quando têm propósito negocial real, mas são questionáveis quando servem apenas para elisão fiscal artificial.

2. Tributação atual das holdings: Como funciona hoje

A constituição e operação de holdings familiares e patrimoniais envolve diversos tributos, desde a integralização de bens até a gestão cotidiana do patrimônio. Embora o modelo traga vantagens em termos de organização e sucessão, ele não elimina a carga tributária.

Um dos principais tributos incidentes na constituição da holding é o ITBI, cobrado na transferência de imóveis para a pessoa jurídica, embora exista previsão de imunidade, quando o valor do imóvel ultrapassa o valor do capital social a ser integralizado, conforme o Tema 796 do STF.

Outro imposto relevante é o ITCMD, incidente sobre a doação de quotas ou sua transmissão por falecimento. É comum que os sócios fundadores doem quotas da holding aos herdeiros com cláusulas restritivas e reserva de usufruto. A alíquota e a base de cálculo variam conforme a legislação de cada estado.

A depender do valor atribuído aos bens integralizados, pode haver ganho de capital na pessoa física, tributado pelo Imposto de Renda (IRPF) com alíquotas entre 15% e 22,5%. Por isso, muitas vezes se opta pela transferência pelo valor histórico, para evitar a tributação.

Na fase operacional, caso a holding aufira receitas - como aluguéis - estará sujeita ao IRPJ e à CSLL, com alíquotas de 15% (mais 10% sobre lucro excedente) e 9%, respectivamente. O regime de apuração pode ser Lucro Presumido ou Lucro Real, conforme a atividade e o porte da empresa.

Além disso, incidem PIS e Cofins sobre a receita bruta, com alíquotas que variam entre 3,65% e 9,25%, dependendo do regime adotado. Receitas de dividendos, por sua vez, são isentas na sistemática atual.

Por fim, imóveis urbanos ou rurais mantidos na holding geram a obrigação do pagamento de IPTU ou ITR, tributos de natureza patrimonial cobrados anualmente.

Apesar da aparente complexidade, quando bem estruturada, a holding familiar pode representar uma solução eficiente para centralização de bens e antecipação da sucessão, desde que o planejamento observe as exigências fiscais e legais vigentes.

3. Reforma Tributária: impactos nas holdings familiares e patrimoniais

A Emenda Constitucional nº 132/2023, regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025, instituiu o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), unificando tributos sobre o consumo e promovendo ampla reformulação do sistema tributário nacional. As mudanças não afetam diretamente a tributação do lucro das holdings (IRPJ e CSLL), mas trazem impactos relevantes para suas operações, especialmente quando envolvem a administração e exploração de bens imóveis próprios.

No regime atual, holdings patrimoniais que obtêm receitas de locação, cessão ou arrendamento de imóveis costumam adotar o Lucro Presumido com tributação cumulativa, submetendo-se ao PIS e à Cofins com alíquotas reduzidas (0,65% e 3%, respectivamente). Com a entrada em vigor do novo modelo, essas atividades passam a ser alcançadas pelo IBS e pela CBS, cuja alíquota efetiva poderá variar de 8% a 15% sobre a receita bruta, elevando significativamente a carga tributária incidente sobre tais receitas.

Para mitigar esse impacto, a LC 214/2025 instituiu um regime especial de transição, válido entre 2026 e 2033, que permite a aplicação de alíquota reduzida de 3,65% (IBS + CBS) às holdings que formalizarem contratos de exploração imobiliária por prazo determinado. Para a validade do benefício, é exigida a formalização do contrato com firma reconhecida, assinatura eletrônica válida ou a comprovação do pagamento da locação até o último dia do mês subsequente ao do primeiro mês do contrato. Os contratos devem ser celebrados até 31 de dezembro de 2025, no caso de imóveis comerciais, e até 31 de dezembro de 2028, para imóveis residenciais.

A formalização tempestiva desses contratos, preferencialmente por meio de instrumentos novos, e não simples aditivos, é recomendada para evitar discussões com o fisco quanto à validade e à anterioridade da obrigação. Empresas que deixarem de aderir ao regime especial enfrentarão uma tributação significativamente superior sobre suas receitas imobiliárias a partir de 2026.

Outro ponto relevante diz respeito à não incidência do IBS e da CBS sobre receitas financeiras. A LC 214/2025 expressamente exclui da base de cálculo desses tributos os valores recebidos a título de lucros, dividendos, juros sobre capital próprio e operações com participações societárias. Isso assegura a neutralidade fiscal das operações estruturais das holdings - como a compra e venda de participações ou a distribuição de dividendos entre controladas e controladora - mantendo intactos os principais pilares da sua eficiência tributária sob o regime atual.

Já as subsidiárias operacionais das holdings devem atentar-se à aplicação do novo regime não cumulativo, que permite a apropriação integral de créditos de IBS e CBS. A depender do setor de atuação, esse modelo poderá representar uma redução da carga tributária efetiva sobre bens e serviços, além de simplificar o cumprimento de obrigações acessórias.

A reforma, portanto, impacta diretamente a estratégia fiscal das holdings patrimoniais, especialmente aquelas que dependem de receitas imobiliárias. Aquelas que atuam exclusivamente como gestoras de participações societárias continuam beneficiadas pelas regras atuais de tributação direta - especialmente pela isenção do IRPJ e da CSLL sobre dividendos recebidos, conforme previsto na Lei nº 9.249/1995 -, contudo há uma proposta legislativa em tramitação, PL 1.087/2025 que pretende alterar essa situação para dividendos superiores a R$ 50 mil por empresa.

Nesse cenário, o planejamento antecipado é essencial. A adesão tempestiva ao regime de transição, a formalização adequada dos contratos e a revisão contábil e jurídica das estruturas já existentes são medidas indispensáveis para garantir segurança jurídica e evitar um aumento abrupto da carga tributária. Mais do que nunca, é necessário que holdings familiares contem com assessoria societária e tributária especializada para adaptar suas estruturas às novas exigências legais e aproveitar, de forma estratégica, os regimes de exceção oferecidos pela nova legislação

Conclusão

A reforma tributária representa um marco na reorganização fiscal brasileira e exige das holdings familiares e patrimoniais uma reavaliação das suas estruturas e contratos. Embora a tributação sobre imóveis tenha se tornado mais onerosa, o regime especial de transição previsto na LC 214/25 abre espaço para manutenção da eficiência tributária, desde que as exigências legais sejam cumpridas com antecedência.

A seguir, apresenta-se um quadro comparativo entre o regime atual e o pós-reforma:

Aspecto

Regime atual

Pós-reforma

Tributação sobre locação de imóveis

PIS (0,65%) + Cofins (3%) - Total: 3,65%

IBS + CBS com alíquota entre 8% e 15% sobre a receita bruta

Possibilidade de Regime Especial

Não aplicável

Alíquota reduzida de 3,65% até 2033, se contratos forem formalizados até 31/12/25 (comerciais) e 31/12/28 (residenciais)

Tributação sobre dividendos recebidos

Isenção total pelo IRPJ/CSLL (Lei nº 9.249/95)

Mantida a isenção - sem incidência de IBS/CBS

Tributação sobre venda de participações societárias

IRPJ e CSLL sobre ganho de capital

IBS/CBS não incidem sobre essas operações 

Apropriação de créditos tributários

Não aplicável no Lucro Presumido com PIS/Cofins cumulativos

Permitida no novo regime não cumulativo (IBS/CBS)

Formalização de contratos para redução de carga

Sem exigência formal específica

Necessidade de contrato com firma reconhecida ou assinatura eletrônica válida, com pagamento até o mês subsequente

Planejamento sucessório via holding

Estratégia consolidada, com economia fiscal indireta (ITCMD, inventário, governança)

Mantido como instrumento de sucessão familiar, exige atenção redobrada à tributação imobiliária

Rafaela Montanari Aguiar Rey Lima

VIP Rafaela Montanari Aguiar Rey Lima

Advogada, formada em Direito pelo UniCEUB, pós-graduada pela Residência Jurídica do Programa de Carreiras da OAB/DF e, atualmente, cursando MBA em Blockchain e Criptoativos pela Trevisan.

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