Ação Caremark: Conselhos de Administração podem ser responsabilizados por omissão na supervisão de dados?
Executivos da Meta respondem a ação de US$ 8 bilhões por omissão de supervisão de dados, ilustrando aplicação da doutrina Caremark.
quinta-feira, 14 de agosto de 2025
Atualizado em 13 de agosto de 2025 11:19
Mark Zuckerberg e outros dez executivos da Meta respondem a processo de US$ 8 bilhões por negligência na supervisão da prática de coleta de dados no Facebook. O caso trouxe à tona o tema da Ação Caremark. Com denominação pouco conhecida da população em geral, ela é baseada na doutrina Caremark, de acordo com a qual os conselheiros de administração das empresas podem ser responsabilizados quando deixam de implementar sistemas de controle e supervisão adequados ou ignoram sinais claros de irregularidades, deixando de agir para corrigi-las ou investigá-las.
Na verdade, doutrina Caremark é um conceito fundamental presente no Direito norte-americano, que se originou no ano de 1996, a partir de um caso envolvendo a empresa de saúde Caremark International. Esta foi alvo de uma investigação federal depois que seus acionistas moveram ação judicial contra o conselho de administração sob alegação de violação de dever de diligência por parte de integrantes da diretoria.
Na prática, o que a doutrina estabelece é o "dever de supervisão" do conselho de administração das organizações . Os membros do conselho são responsáveis pela implementação e pelo monitoramento ativo do sistema interno de controle e compliance, com a intenção de evitar práticas que violem a legislação vigente e que resultem em grandes prejuízos financeiros e de imagem.
Em caso de falha de monitoramento consciente ou negligência do dever de supervisão, o conselho de administração pode vir a ser responsabilizado diretamente pelos danos sofridos pela companhia. Assim, os integrantes do conselho e diretores da empresa são responsabilizados por omissão e não por más decisões.
Provar que o conselho agiu com má-fé ou de forma intencional não é uma tarefa fácil. A acusação precisa ser comprovada de forma bastante consistente e a falha apresentada deve ter nível elevado, não sendo suficiente a existência de um simples dano ou prejuízo. A Ação Caremark só pode ser aplicada quando o erro não foi cometido a partir de uma decisão ruim, mas sim por total ausência de supervisão.
No que diz respeito ao ônus da prova de má-fé ou abandono de dever, não é suficiente demonstrar que o conselho de administração deveria ter feito algo. É preciso comprovar que houve falha no estabelecimento de sistema de controle de risco e que sinais de alerta foram ignorados de forma consciente.
Na legislação brasileira, o termo Ação Caremark não é uma figura jurídica formalmente prevista. Porém, existe um conceito subjacente, definido como dever de diligência e de supervisão. Em seu art. 153, a lei das sociedades por ações (lei 6.404/76) diz que "o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios". Essa previsão legal aplica-se aos diretores. Ao conselho de administração cabe acompanhar e ficar atento para interceder com correções de rotas estratégicas, quando necessário.
Desta forma, no Brasil ainda não há legislação que regulamente de forma clara a abrangência da responsabilização dos integrantes do conselho de administração. Nada impede, porém, que os estatutos das empresas e os regimentos internos dos conselhos estabeleçam suas regras quanto a isso. Em meu entendimento, ainda que estatutos e regimentos infernos não façam previsão expressa, a responsabilização pode o ocorrer a depender do caso. Caberá ao Poder Judiciário ou à Câmara Arbitral a análise do caso e das provas envolvidas.
Izabela Rücker Curi
Advogada e sócia fundadora do escritório Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica e da Smart Law, uma startup focada em soluções jurídicas personalizadas para o cliente corporativo, que mesclam inteligência humana e artificial. É board member certificada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa IBGC-São Paulo, mediadora ad hoc e consultora da Global Chambers na região Sul. É mestre em Direito pela PUC-SP e negociadora especializada pela Harvard Law School.



