MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Dilema da hotelaria: Personalização extrema versus privacidade do hóspede

Dilema da hotelaria: Personalização extrema versus privacidade do hóspede

Mayara Filippin Leone

Hotelaria usa IA e dados para personalizar experiências, mas deve equilibrar inovação e privacidade, respeitando a LGPD e os direitos dos hóspedes.

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Atualizado em 21 de agosto de 2025 15:36

O setor hoteleiro vem atravessando uma revolução tecnológica, impulsionada por inteligência artificial, big data e automação. Hoje, é possível oferecer experiências altamente personalizadas aos hóspedes, como ajustes automáticos da temperatura do quarto, playlists sob medida e travesseiros específicos. No entanto, essa evolução traz um dilema central: até que ponto a coleta e o uso de dados pessoais podem ser feitos sem violar a LGPD?

Segundo especialistas, a LGPD permite o tratamento de dados pessoais apenas quando há uma base legal válida, que pode ser o consentimento explícito do hóspede, a necessidade de execução de um contrato, ou o legítimo interesse do hotel, desde que não prejudique os direitos do cliente. A coleta e o uso dessas informações devem ainda respeitar princípios como finalidade, necessidade, transparência e segurança. Isso significa, na prática, que utilizar o histórico de reservas para sugerir serviços similares é permitido, desde que previamente informado e aceito pelo hóspede. Já rastrear preferências sem consentimento, inclusive por meio de tecnologias invasivas, é considerado violação de privacidade.

A linha entre personalização legítima e prática invasiva está ligada à expectativa do hóspede e ao cumprimento das exigências legais. O uso de dados torna-se invasivo quando o hóspede não tem ciência do tratamento, não é informado sobre a finalidade, ou não pode controlar a utilização de suas informações. Por exemplo, oferecer itens do frigobar com base em pedidos anteriores, autorizado pelo cliente, é legítimo; porém, utilizar informações de parceiros comerciais ou redes sociais sem consentimento caracteriza prática invasiva.

O uso de algoritmos e IA - inteligência artificial também exige cautela.

Sistemas de decisão automatizada devem ser transparentes, auditáveis e revisáveis por humanos, especialmente se impactarem significativamente os interesses do titular. Hotéis devem informar, desde a reserva, quais dados serão coletados, com que finalidade e por quanto tempo serão armazenados. Além disso, revisões periódicas são essenciais para evitar decisões baseadas em dados desatualizados ou inferências sobre aspectos sensíveis sem autorização.

No contexto hoteleiro, o consentimento para tratamento de dados deve ser livre, informado, específico, inequívoco e revogável a qualquer momento.

Ou seja, o hóspede precisa ter autonomia real para aceitar ou recusar o uso de suas informações e deve ser claramente informado sobre seus direitos e sobre como exercê-los.

Para garantir conformidade com a LGPD, hotéis devem revisar suas políticas internas e adotar boas práticas de governança de dados. Isso inclui a criação de políticas de privacidade transparentes, registros detalhados das operações de tratamento, nomeação de um DPO - Data Protection Officer e treinamentos periódicos da equipe. Avaliações de impacto de proteção de dados também são recomendadas quando tecnologias de IA forem utilizadas.

O descumprimento da LGPD expõe hotéis a sanções administrativas, que podem chegar a 2% do faturamento da empresa, limitadas a R$ 50 milhões, além de bloqueio ou eliminação de dados. Judicialmente, há risco de ações civis por danos materiais e morais, sem contar o impacto reputacional, que pode abalar a confiança dos clientes.

Em um cenário em que a experiência personalizada é um diferencial competitivo, a hotelaria precisa encontrar o equilíbrio entre inovação e respeito à privacidade, garantindo que a tecnologia seja aliada, e não inimiga, da confiança e satisfação do cliente.

Mayara Filippin Leone

Mayara Filippin Leone

Advogada no escritório TNP Advogados.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca