MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Skimpflation e a ética empresarial

Skimpflation e a ética empresarial

O artigo analisa a skimpflation, prática de reduzir qualidade sem baixar preços, destacando seus riscos jurídicos, éticos e reputacionais, e defendendo transparência e compliance.

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Atualizado às 09:04

Nos últimos anos, os consumidores brasileiros enfrentaram uma série de desafios econômicos, como inflação elevada e o aumento do custo de vida. No entanto, um fenômeno menos discutido, porém igualmente preocupante, vem ganhando espaço: a skimpflation. O termo, originado da combinação das palavras skimp (economizar de forma excessiva) e inflation (inflação), descreve a prática de empresas reduzirem a qualidade ou a eficiência de produtos e serviços sem alterar, ou até mesmo aumentando, seus preços. Diferentemente da shrinkflation (redução do tamanho da embalagem com o preço mantido), a skimpflation é mais sutil, pois o produto ou serviço aparenta ser o mesmo, mas sua durabilidade, desempenho ou atendimento são prejudicados.

No Brasil, o CDC já prevê, em seu art. 66, que é vedado ao fornecedor "diminuir, por qualquer meio, a quantidade ou qualidade de produtos ou serviços, sem justa causa e sem comunicação prévia ao consumidor". Apesar disso, muitas empresas adotam a skimpflation como estratégia, apostando que os consumidores não perceberão as mudanças. Essa prática, além de antiética, pode configurar violação legal, sujeitando as empresas a sanções e danos reputacionais.

Exemplos cotidianos de skimpflation são abundantes. No setor de streaming, algumas plataformas reduzem a qualidade de vídeo ou limitam o número de telas simultâneas sem aviso prévio, mantendo o mesmo valor de assinatura. No ramo de fast-food, é possível observar a diminuição do recheio em sanduíches ou a substituição de ingredientes por alternativas mais baratas, sem redução proporcional no preço. Outro caso emblemático é o atendimento ao cliente: muitas empresas substituem atendentes humanos por chatbots pouco eficientes, dificultando a resolução de problemas. Até mesmo produtos eletrônicos, como smartphones e eletrodomésticos, têm sido afetados, com componentes de menor durabilidade em comparação a versões anteriores, sem que haja ajuste nos valores cobrados.

A skimpflation tornou-se um problema ainda mais relevante em períodos de inflação alta, como o vivido pelo Brasil nos últimos anos. Diante do aumento de custos, muitas empresas buscaram alternativas para manter suas margens de lucro sem repassar integralmente os impactos aos consumidores. Algumas, no entanto, optaram por cortes ocultos, comprometendo a qualidade de seus produtos e serviços. No setor alimentício, por exemplo, há relatos de fabricantes que substituem ingredientes tradicionais por versões mais baratas e inferiores, como óleos vegetais de menor qualidade, sem informar os clientes. Da mesma forma, instituições financeiras têm reduzido benefícios em programas de fidelidade e aumentado taxas sem justificativa clara.

Embora a skimpflation possa trazer alívio financeiro imediato para as empresas, seus efeitos a longo prazo são danosos. A confiança do consumidor é um ativo intangível essencial e práticas que a minam podem resultar em perda de clientes, ações judiciais e danos à reputação da marca. Como destacado no art. 4º, inciso III, do CDC, a boa-fé e a lealdade devem ser a base das relações de consumo. Empresas que adotam transparência, comunicando mudanças ou justificando ajustes de forma clara, tendem a preservar a fidelidade de seus clientes mesmo em cenários desafiadores.

A skimpflation também reflete questões mais amplas relacionadas à ética empresarial e ao compliance. Em outros países, como os Estados Unidos, o fenômeno já é discutido como um dos fatores que distorcem a percepção real da inflação, conforme apontado pela NPR - National Public Radio1. Na Europa, reguladores têm agido para coibir práticas semelhantes, especialmente em setores como telecomunicações e serviços financeiros, onde a redução não comunicada de benefícios é frequentemente questionada.

Diante desse cenário, a solução mais ética e sustentável para as empresas não está em reduzir a qualidade às escondidas, mas em buscar eficiência operacional, melhorar parcerias com fornecedores ou repensar modelos de negócios. Iniciativas como a otimização de processos e a inovação em custos podem gerar economias sem enganar o consumidor. Além disso, a adoção de políticas robustas de compliance e transparência fortalece a relação com o mercado e evita riscos regulatórios.

Em um ambiente de negócios cada vez mais competitivo e regulado, a skimpflation pode até parecer uma saída fácil, mas seus impactos negativos superam quaisquer ganhos de curto prazo. Empresas que desejam prosperar no longo prazo devem priorizar a integridade, alinhando suas estratégias não apenas à legislação, como o CDC no Brasil ou as diretrizes de proteção ao consumidor da União Europeia, mas, também, a princípios éticos que garantam sustentabilidade e confiança no mercado.

_____________

1 https://www.npr.org/sections/money/2021/10/26/1048892388/meet-skimpflation-a-reason-inflation-is-worse-than-the-government-says-it-is

Juliana Ferreira

VIP Juliana Ferreira

Advogada com experiência na condução de demandas cíveis, Direito Imobiliário, Consultoria, Compliance, atuação estratégica conciliatória, análise contratual e condução de grandes negociações.

Gabriela Alves Guimarães

Gabriela Alves Guimarães

Advogada especialista em GRC e proteção de dados. Sócia da Fourethics Consultoria, com certificações internacionais (SCCE, LSE) e dual MBA (FGV/Ohio). Professora, palestrante e autora em GRC, ESG.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca