A tecnologia não é vilã. A ignorância digital, sim.
O suposto vazamento de chats do ChatGPT expõe falta de letramento digital; usuários ativaram recurso público sem entender riscos.
quarta-feira, 27 de agosto de 2025
Atualizado em 26 de agosto de 2025 14:49
A recente polêmica envolvendo o suposto "vazamento" de milhares de conversas entre usuários e o ChatGPT - que acabaram sendo exibidas e indexadas no Google - rapidamente fomentou debates acalorados sobre privacidade na era da inteligência artificial. O pânico instaurado deu lugar a manchetes apressadas que logo sugeriam um novo escândalo da OpenAI e repercutiu em novos pedidos por mais regulação. Ocorre que, na verdade, pasmem: não houve vazamento no sentido técnico do termo, mas, sim, a ativação mal interpretada (ou completamente ignorada) de uma funcionalidade voluntária, que tornava públicos os links de chats compartilhados, indexáveis por mecanismos de busca.
A vilã, ao menos neste caso, não foi a tecnologia. Longe disso. Foi a ausência de letramento digital da nossa sociedade.
As conversas publicamente disponibilizadas continham inúmeros dados sensíveis: desde informações pessoais, segredos comerciais e até mesmo conselhos médicos confidenciais. Os números exatos ainda não foram confirmados, mas relatos estimam entre 4.500 a 100 mil conversas divulgadas.
O recurso que originou a polêmica - "Make this chat discoverable" - foi lançado pela OpenAI como um experimento para permitir que conversas úteis fossem compartilhadas pelos usuários e passíveis de serem encontradas nos mecanismos de busca. No entanto, era absolutamente opcional: para ativar o recurso, o usuário precisava selecionar a opção de compartilhar um link do chat.
Sem este opt-in, nada ia parar no Google.
No entanto, o que vimos na prática foi que milhares de pessoas ativaram o recurso sem perceber, ou entender, as implicações - talvez por pressa, curiosidade, ou simples desconhecimento. Após o incidente polêmico, a OpenAI optou por desativar a funcionalidade em 1º de agosto de 2025, em decorrência do risco de "exposições acidentais".
Me parece óbvio, mas o óbvio também precisa ser dito: a tecnologia avança em velocidade supersônica, enquanto o letramento da população engatinha. Se levarmos em consideração que o ChatGPT, em sua versão inicial de lançamento, em novembro de 2022, levou apenas 5 dias para alcançar 1 milhão de usuários e, em apenas dois meses, chegou aos 100 milhões, foi o crescimento mais rápido já registrado por um aplicativo de consumo.
Em termos comparativos, o próprio Instagram, queridinho entre a população e, inclusive, instrumento de trabalho para muitos, atingiu a marca de 1 milhão de usuários com 2 meses e meio do seu lançamento, enquanto Spotify demorou 5 meses, Facebook 10 meses e Netflix 3 anos e meio para atingirem a mesma marca.
Hoje, já na versão GPT-4 e às vésperas do lançamento do GPT-5, a IA generativa já faz parte do quotidiano de grande parte da população brasileira (e global), não mais se limitando apenas a responder perguntas, mas também "criando" conteúdos, prevendo comportamentos, negociando autonomamente através dos agentes e, inclusive, através de funcionalidade recentemente lançada, servindo de experiência de aprendizagem no modo Estudo (ChatGPT Edu).
Mas, ao mesmo tempo, quantos usuários entendem conceitos básicos como "indexação por crawlers" ou "compartilhamento público"? A verdade é que há quase uma confiança cega depositada nestes assistentes de IA - e, paralelamente, uma ausência de noção básica sobre como eles funcionam, o que registram e o que podem, ou não, fazer com nossos dados.
Esse episódio apenas retrata que, muitas vezes, não é a IA que erra; são os humanos que a operam sem o "manual" e o "GPS" necessários. O exemplo talvez fique mais claro se pensarmos na analogia da CNH: sem as aulas, o tempo de aprendizagem teórico e prático e a aprovação nos testes, não adquirimos a habilitação necessária para conduzir veículos.
Este com certeza não será um episódio isolado tampouco o último. Lembram da carta aberta de 2023, assinada por Elon Musk e Yuval Harari pedindo pausa no desenvolvimento de IAs avançadas para priorizar governança? Dois anos se passaram e o alerta persiste: sem educação, um clique vira crise.
A revolução tecnológica exige, também, uma revolução educacional. Letramento digital, ética de uso, transparência e conhecimento das funcionalidades e boas práticas precisar ser pautas diárias e prioritárias em empresas, escolas, universidades, conselhos de administração e ambientes de políticas públicas. Não basta "aceitar os termos de uso" (ainda mais quando sabemos que ninguém lê as famosas "letras miúdas") - é preciso compreendê-los. E mais: é preciso saber o que ainda não sabemos.
A polêmica do "vazamento" serve de aprendizado: a responsabilidade é, e sempre deverá ser, compartilhada. Os usuários não podem mais se dar ao luxo de operar no piloto automático, afinal, para sermos aprovados no exame de habilitação todos nós fazemos a prova no veículo com câmbio manual, não é?
A solução no fim das contas? Não demonizar a tecnologia, mas investir em letramento digital massivo.
Tamires Freitas
Sócia do Andrade Maia Advogados. Especialista em Processo Civil, Direito Civil, Empresarial e Digital e mestranda em Direito e Negócios Internacionais.



