O retrocesso da reforma tributária: A polêmica do IBS e CBS na base do ICMS
A pretensão dos entes estaduais e municipais de inclusão do IBS e da CBS na base do ICMS ameaça princípios constitucionais, gera insegurança e pode anular a promessa da reforma tributária.
terça-feira, 2 de setembro de 2025
Atualizado às 09:40
A reforma e sua promessa
A EC 132/23 representou um marco na história tributária brasileira ao redesenhar a tributação sobre o consumo.
Seu objetivo era claro substituir cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por apenas três - a CBS (Federal), o IBS (compartilhado entre estados e municípios) e o Imposto Seletivo, assegurando um sistema mais simples, transparente e neutro.
Entretanto, um detalhe aparentemente técnico deixou uma brecha capaz de corroer os próprios pilares da reforma: a omissão quanto à vedação expressa de incluir o IBS e a CBS na base de cálculo do ICMS e do ISS durante o período de transição (2026-2032).
A origem da controvérsia: O silêncio normativo
A proposta original da PEC 45/19 era cristalina: o IBS e a CBS não poderiam compor a base de cálculo do ICMS e do ISS. Contudo, essa previsão foi suprimida no texto final da EC.
Esse "silêncio" abriu margem para uma leitura oportunista por parte de Estados e municípios, que agora defendem que, na ausência de proibição expressa, prevalece a regra geral do chamado "cálculo por dentro".
Organizações como a FNP - Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos e o Comsefaz sustentam que excluir o IBS e a CBS das bases tradicionais implicaria perdas irreversíveis de arrecadação, chegando a 16,2% em 2032 no caso do ISS.
O argumento falacioso
O argumento dos Fiscos é um típico argumento falacioso, em que a conclusão não decorre logicamente da premissa. O fato de a Constituição ter proibido a inclusão de IBS e CBS em suas próprias bases e em tributos Federais não conduz logicamente à conclusão de que devam integrar o ICMS ou o ISS.
A ausência de uma vedação explícita não equivale a uma autorização. Pelo contrário: a interpretação sistemática deve considerar os princípios constitucionais que inspiraram a reforma - simplicidade, transparência, justiça tributária, não cumulatividade e neutralidade.
O contrasensso jurídico: Violação dos princípios constitucionais
A defesa da inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo do ICMS é um retrocesso jurídico, pois:
- Viola a não cumulatividade: Cria efeito cascata ao tributar imposto sobre imposto.
- Quebra a neutralidade: Distorce preços, afeta a concorrência e desequilibra o mercado.
- Fere a transparência: Mascara a carga tributária efetiva, promovendo um "ilusionismo fiscal".
- Contraria a jurisprudência do STF: Assim como no RE 574.706 ("tese do século"), que excluiu o ICMS da base do PIS/Cofins por não constituir receita do contribuinte, também o IBS e a CBS não podem compor a base de outro imposto, pois não integram o faturamento.
Consequências: Judicialização iminente
A manutenção dessa interpretação pelos Fiscos abriria caminho para uma nova "tese do século", com judicialização em massa e um contencioso bilionário. Ou seja, o efeito seria justamente o oposto ao pretendido pela reforma: mais insegurança jurídica e mais litigiosidade.
Nesse ponto, temos uma preocupação ainda mais alarmante. Recentemente, na sessão de plenário do STF do dia 14/8/25, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o STF errou ao excluir o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins.1
Seria um sinal? As realidades são diferentes e as alíquotas também, mas nunca se sabe. O próprio ministro sinalizou em sua fala que ainda era tempo de rever o posicionamento em 'outras causas em andamento'...
A busca por solução legislativa
Para conter esse risco, tramita na Câmara dos Deputados o PLP 16/25, que busca deixar expresso que o IBS e a CBS não integram a base de cálculo do ICMS, ISS e IPI durante o período de transição. Sua aprovação é considerada essencial para:
- Preservar a integridade da reforma;
- Garantir segurança jurídica;
- Impedir aumento disfarçado da carga tributária.
Conclusão: Um retrocesso inaceitável
Permitir que IBS e CBS componham a base do ICMS seria ressuscitar as piores práticas do sistema anterior. A inclusão configura um absurdo lógico e jurídico que viola princípios constitucionais e ameaça a credibilidade da reforma tributária.
Se a reforma nasceu para eliminar o efeito cascata e o imposto sobre imposto, não se pode admitir que, no período de transição, essa distorção seja tolerada.
Trata-se de uma batalha decisiva para que a promessa de um sistema tributário simples, justo e transparente não morra antes de nascer.
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