STJ - Decisão benéfica à advocacia criminal em casos de estupro
Decisão do STJ reafirma princípios constitucionais ao declarar a extinção de punibilidade por erro na aplicação de lei penal mais gravosa em casos de estupro.
terça-feira, 2 de setembro de 2025
Atualizado às 15:08
Contexto fático
O STJ tomou uma decisão que reafirma um dos pilares fundamentais do direito penal brasileiro: o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa. Em julgamento proferido pelo ministro Messod Azulay Neto, decisão publicada no dia 27 de agosto de 2025, a Corte Superior reformou acórdão do TJ/SP que havia aplicado de forma retroativa uma lei penal mais prejudicial ao réu, violando garantias constitucionais básicas.
O caso, que tramitou sob o número REsp 1.926.208/SP, envolve fatos ocorridos em 10 de fevereiro de 2013, quando o réu M. V. R. foi acusado inicialmente de estupro. Em primeira instância, houve condenação pelo crime mais grave, mas o TJ/SP, em sede de embargos infringentes, desclassificou a conduta para importunação sexual, aplicando o art. 215-A do CP
O problema da aplicação retroativa
A questão central do caso reside em um erro temporal na aplicação da lei penal. O art. 215-A do CP, que tipifica o crime de importunação sexual, foi criado apenas em 2018 pela lei 13.718, ou seja, cinco anos e sete meses após os fatos narrados no processo. Na época da conduta (2013), a legislação vigente para casos similares era o art. 61 da LCP - Lei de Contravenções Penais, que tipificava a "importunação ofensiva ao pudor" como contravenção penal.
A diferença entre as duas tipificações não é meramente técnica. Enquanto a contravenção penal do art. 61 da LCP previa sanções mais brandas, o crime de importunação sexual do art. 215-A estabelece penas mais severas, configurando-se como lei penal mais gravosa.
A defesa e o ministério público
Curiosamente, tanto a defesa quanto o Ministério Público estadual reconheceram o equívoco na aplicação da lei. A defesa argumentou que a decisão de inadmissibilidade do recurso especial estava equivocada, sustentando que a matéria havia sido amplamente debatida nos autos e que a tese central era justamente a desclassificação da conduta para a contravenção penal que estava em vigor na época dos fatos.
O Ministério Público do Estado de São Paulo, em suas contrarrazões, chegou a reconhecer que as razões do recurso especial eram "parcialmente procedentes", afirmando que, uma vez consolidado que não houve violência ou grave ameaça na conduta, a infração penal vigente em 2013 era efetivamente a contravenção do art. 61 da LCP. O órgão ministerial estadual concluiu que o caso exigia a aplicação ultrativa do art. 61 da LCP, por ser a lei mais benéfica.
A decisão do STJ
O ministro Messod Azulay Neto foi categórico em sua decisão. Após conhecer do agravo interposto contra a inadmissão do recurso especial, o relator analisou o mérito da questão e identificou clara violação aos princípios constitucionais da legalidade e da irretroatividade da lei penal mais gravosa.
"A aplicação retroativa de uma lei penal mais prejudicial é vedada pela Constituição Federal e pelo CP, que determinam que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu", destacou o ministro em sua fundamentação.
A decisão impugnada, ao aplicar uma lei posterior mais gravosa, violou diretamente o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa e o Princípio da legalidade, previstos no art. 1º do CP e na Constituição Federal.
Consequências práticas
A reforma da decisão teve consequências práticas imediatas para o réu. O STJ determinou a reclassificação da conduta para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (art. 61 do decreto-lei 3.688/41). No entanto, considerando que a contravenção penal já se encontrava prescrita pelo decurso do tempo, o ministro declarou a extinção da punibilidade do recorrente.
Esta decisão representa uma vitória não apenas para o réu específico, mas para todo o sistema de garantias penais brasileiro, bem como para a advocacia defensiva, que tanto tem encontrado dificuldade para atuar nesse tema. A aplicação correta dos princípios da legalidade e da irretroatividade da lei penal mais gravosa é fundamental para a manutenção do Estado de Direito e para a proteção dos cidadãos contra o arbítrio estatal.
Implicações jurídicas mais amplas
O caso ilustra a importância da correta aplicação temporal das leis penais e serve como precedente para situações similares. A decisão reforça que os tribunais devem ser rigorosos na observância dos princípios constitucionais, especialmente quando se trata de direitos fundamentais como a liberdade individual.
A decisão também demonstra a importância do sistema recursal brasileiro, que permite a correção de equívocos cometidos em instâncias inferiores. O STJ, como tribunal da cidadania, cumpriu seu papel de guardião da legislação federal e dos princípios constitucionais.
O julgamento foi publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 27 de agosto de 2025, e representa mais um exemplo da jurisprudência consolidada do STJ em matéria de aplicação temporal da lei penal, reafirmando que a proteção dos direitos fundamentais deve sempre prevalecer sobre eventuais ímpetos punitivistas que desrespeitem as garantias constitucionais.
Tabela de Casos Relevantes - Estupro de Vulnerável no STJ
|
Caso / Referência |
Tese da Defesa |
Decisão do STJ |
Link para consulta |
|
Súmula 593 / Tema 918 - REsp 1.480.881/PI |
Consentimento da vítima e relação amorosa |
Condenação mantida |
Análise jurídica da Súmula 593 e Tema 9181 |
|
STJ - 5ª turma (2024) |
Relação entre homem de 20 anos e menina de 12 anos com gravidez |
Estupro afastado (por maioria) |
Decisão excepcional da 5ª Turma2 |
|
STJ - 6ª turma (2024) |
Ausência de provas materiais e peculiaridades do caso |
Absolvição mantida |
Decisão sobre impossibilidade de reanálise de provas3 |
|
Jurisprudência Geral STJ |
Diversas teses defensivas (erro de proibição, ausência de dolo, etc.) |
Predominância de condenações |
Consulta ampla no Jusbrasil4 |
_______
1 https://cj.estrategia.com/portal/stj-nova-interpretacao-estupro-vulneravel/
2 https://www.migalhas.com.br/quentes/403318/stj-afasta-estupro-em-relacao-de-menina-de-12-anos-com-homem-de-20
3 https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/04092024-Impossibilidade-de-rever-provas-e-peculiaridades-do-caso-levam-STJ-a-afastar-estupro-contra-menor-de-14-anos.aspx
4 https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=STJ+e+Estupro+de+Vulner%C3%A1veis


