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Riscos penais em Contratos: Como proteger sua empresa

Gestores corporativos respondem penalmente pelo domínio de atos ilícitos e o compliance protege reputação, evitando prisões e perdas bilionárias.

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Atualizado em 3 de setembro de 2025 13:38

O que está em jogo

No mundo corporativo brasileiro, onde contratos milionários entre empresas e entes públicos ditam o ritmo da economia, uma sombra paira sobre os gestores: a responsabilidade penal por atos ilícitos que podem destruir carreiras, reputações e impérios inteiros. Imagine um executivo no topo de uma construtora gigante, como o gestor da Odebrecht, condenado a quase duas décadas de prisão por orquestrar fraudes em contratos da Petrobras, um esquema que envolveu propinas bilionárias e manipulou o destino de uma nação. Ou pense nas Lojas Americanas, abaladas em 2023 por fraudes contábeis de R$ 25,3 bilhões, com operações fictícias que configuraram insider trading e associação criminosa, levando a investigações que expuseram gestores a riscos penais devastadores.

Esses não são meros escândalos; são alertas urgentes sobre a teoria do domínio do fato, um conceito jurídico que transforma líderes em responsáveis diretos por crimes sob seu controle, mesmo sem sujar as mãos pessoalmente.

A teoria do domínio do fato e sua aplicação

Este artigo destrincha essa teoria de forma técnica, mas acessível, com exemplos veementes que provam sua aplicação implacável, demonstrando por que ignorá-la é um erro fatal, e como proteger sua empresa com governança ética que não só cumpre a lei, mas constrói legados inabaláveis.

A responsabilidade penal de gestores em contratos empresariais e públicos radica nos pilares do Direito Penal brasileiro, guiados pela Constituição Federal de 1988, que em seu art. 5º, inciso XLV, consagra o princípio da personalidade da pena: ninguém responde por crime alheio, mas o nexo causal entre conduta e delito deve ser irrefutável.

Cumpre destacar a teoria do domínio do fato, desenvolvida pelo jurista alemão Claus Roxin e adotada no Brasil por doutrinadores como Cezar Roberto Bitencourt e Damásio E. de Jesus.  Em apertada síntese: não basta ser chefe; você é responsabilizado se detém o "domínio" (o poder decisório) sobre o ato criminoso, controlando sua execução como um maestro invisível. Isso exige prova de dolo (intenção direta ou eventual, assumindo riscos) ou culpa (negligência, imprudência), conforme o art. 13, §2º, do CP, que impõe responsabilidade por omissão quando há dever de agir como "garantidor".

Casos emblemáticos no Brasil

Na pratica, na Operação Lava Jato, Marcelo Odebrecht não assinou cheques de propina pessoalmente, mas seu domínio sobre decisões da empresa permitiu pagamentos de R$ 108 milhões e US$ 35 milhões a diretores da Petrobras, fraudando licitações. A sentença de 2016, na ação penal 5021365-31.2015.4.04.7000, pela 13ª Vara Federal de Curitiba, condenou-o há 19 anos e 4 meses por corrupção ativa (delito previsto no art. 333, CP), lavagem de dinheiro (lei 9.613/1998) e associação criminosa (lei 12.850/13).

Ainda a respeito, mesmo anulada em 2024 pelo STF devido a irregularidades processuais (petição 12.357), a decisão inicial ilustra o rigor: provas de delações e documentos mostraram seu controle absoluto, transformando uma posição hierárquica em culpa inequívoca.

Indo avante, semelhante veemência encontra-se no Escândalo Sanguessugas de 2006, onde gestores superfaturaram ambulâncias em licitações fraudulentas, levando a condenações por peculato e fraudes (confirmadas pelo STJ em 2019), comprovando que omissão dolosa (falha intencional na fiscalização) equivale a ação criminosa.

Vale trazer à luz o exemplo as Lojas Americanas onde fraudes e verbas fictícias manipularam resultados financeiros, configurando crimes contra a ordem econômica (lei 8.137/1990) e formação de cartel.

Note que, neste caso, gestores foram expostos porque detinham domínio sobre operações que ocultavam rombos bilionários, violando a lei anticorrupção (12.846/13), que vincula empresas a condutas de seus líderes.

Em junho de 2024, a PF - Polícia Federal deflagrou a Operação Disclosure, que resultou na emissão de mandados de prisão de ex-executivos como Miguel Gutierrez e Anna Saicali, com congelamento de R$ 500 milhões em bens, por manipulações contábeis ligadas a pagamentos de fornecedores via empréstimos bancários, reforçando acusações de lavagem de dinheiro e manipulação de mercado.

No contexto de contratos públicos, regidos pela lei 14.133/21, riscos se amplificam: corrupção ativa em licitações, peculato em desvios de verbas, crimes ambientais (lei 9.605/1998) em projetos negligentes, ou até responsabilidade subsidiária por dívidas trabalhistas em terceirizações (súmula 331 do TST e ADC 16 do STF).

Imagine uma empresa terceirizada em saúde pública, como na operação de 2022 no Rio de Janeiro, onde cooperativas fraudaram contratos, levando gestores a responderem por organização criminosa, tudo porque falharam em fiscalizar, permitindo desvios que um domínio responsável teria impedido.

Mais recentemente, em julho de 2025, o STJ (REsp 2.209.077) reafirmou a responsabilidade solidária de grupos corporativos na Operação Integração, envolvendo corrupção em concessões públicas, expondo pais, subsidiárias e afiliadas a danos mesmo sem participação direta, sob a lei anticorrupção.

Outro caso alarmante de 2025: o MPF denunciou 19 indivíduos por organização criminosa, lavagem de dinheiro e gestão temerária em esquema que desviou R$ 280 milhões do fundo de pensão Petros, via transações imobiliárias fraudulentas e contas offshore, destacando a necessidade de due diligence em operações financeiras.

O preço da omissão

Essa teoria não é abstrata; é de suma importância porque transcende punições individuais, afetando a sustentabilidade nacional. Fraudes como essas custam bilhões ao erário, erodem confiança no mercado e destroem empregos.

O STJ, em decisões como o HC 598.051/SP de 2020, rejeita imputações automáticas por cargo, exigindo provas concretas de dolo específico, mas quando provado, as consequências são avassaladoras: prisões, multas milionárias, interdições de funções e danos reputacionais irreversíveis.

Autores como Eduardo Saad-Diniz, em "Brasil vs. Golias", e William Laufer enfatizam: compliance não é luxo, é escudo. Empresas que ignoram isso arriscam tudo; as que abraçam, prosperam.

Exemplo de boas práticas

Em contrapartida, empresas que adotaram programas robustos de integridade conseguiram comprovar diligência e evitar responsabilização de gestores. Em 2023, por exemplo, o CADE arquivou investigação contra uma multinacional do setor farmacêutico justamente porque seu compliance detectou e reportou irregularidades antes que causassem danos maiores. Esse caso mostra que a prevenção não é apenas discurso, mas diferencial competitivo.

Como blindar sua empresa

Proteger-se exige compromisso total, destarte, implemente programas de integridade com auditorias internas, canais de denúncia anônimos e due diligence rigorosa em fornecedores, alinhados à lei anticorrupção.

E mais:

  • capacite gestores com treinamentos sobre leis penais e de mercado, enfatizando que omissão é crime;
  • monitore contratos terceirizados com equipes dedicadas, documentando cada passo para rastreabilidade;
  • promova transparência e responsabilidade social, integrando práticas ambientais e trabalhistas que evitem violações;
  • na terceirização, evite negligências que gerem solidariedade por dívidas, fiscalize como se sua liberdade dependesse disso, porque depende.

Checklist de proteção penal em contratos

  • Revisar cláusulas críticas de contratos com fornecedores e terceirizados.
  • Implantar due diligence contínua em parceiros comerciais.
  • Garantir treinamentos periódicos de gestores e equipes sobre riscos penais.
  • Fortalecer canais de denúncia e auditorias independentes.
  • Documentar todas as decisões e fiscalizações realizadas.

Conclusão

Entenda: gestores que dominam não só negócios, mas a lei, constroem impérios duradouros, enquanto os negligentes caem. Em tempos modernos, empresas que almejam prosperar devem priorizar transparência e conformidade para evitar crises reputacionais e judiciais.

Investir em compliance não é custo: é seguro de liberdade, reputação e perenidade. O futuro das empresas brasileiras dependerá menos de discursos e mais da capacidade real de blindar suas operações.

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Referências

Constituição Federal de 1988, art. 5º, XLV.

Código Penal Brasileiro, arts. 13, §2º; 312; 316; 317; 333; 62, I.

Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos).

Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção).

Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais).

Súmula 331, TST; ADC 16, STF. STJ, HC 598.051/SP (2020).

Saad-Diniz, Eduardo. Brasil vs. Golias: os 30 anos da responsabilidade penal da pessoa jurídica e as novas tendências em compliance.

Bitencourt, Cezar Roberto; Jesus, Damásio E. de. Doutrina sobre Teoria do Domínio do Fato.

Sentença Ação Penal nº 5021365-31.2015.4.04.7000, 13ª Vara Federal de Curitiba, 2016.

Decisão STF, Petição 12.357, 2024.

Dione Assis

Dione Assis

Advogada, fundadora da Black Sisters in Law e mentora em estratégias jurídicas e de posicionamento no mercado.

Valéria Oliveira

Valéria Oliveira

Advogada especialista em Direito Penal e Processual Penal, com atuação em Tribunal do Júri e mestranda em Criminologia Forense pela UCES de Buenos Aires/ AR.

Cintia Dourado Francisco

Cintia Dourado Francisco

Sócia-proprietária da Dourado Advocacia, com especialização em Direito Criminal e pós-graduanda em Compliance pela Faculdade Iguaçu.

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