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A geopolítica dos data centers de IA: Riscos e oportunidades para o Brasil

Os EUA concentram 40% das estruturas de data centers especializados em IA. Onde o Brasil está nessa corrida?

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Atualizado às 10:13

Um estudo recente realizado pela Universidade de Oxford revelou que apenas 32 países no mundo possuem data centers especializados em IA - Inteligência Artificial. 

À primeira vista, o número pode soar expressivo, mas o dado revela uma assimetria profunda: os Estados Unidos concentram cerca de 40% dessas estruturas, seguidos pela China com 30%, enquanto a Europa e a América Latina aparecem em posições muito discretas na corrida pela infraestrutura digital.

O tema transcende a esfera tecnológica: estamos diante de uma questão estratégica que envolve soberania econômica, segurança jurídica e competitividade global.

No caso do Brasil, a ausência de infraestrutura própria voltada para o processamento massivo de IA pode nos relegar à posição de meros consumidores de tecnologia, reforçando uma dependência que, historicamente, já marcou outros setores essenciais, como a indústria de semicondutores e a produção de equipamentos de telecomunicações.

Mais do que uma preocupação acadêmica, essa realidade precisa estar no radar de advogados, gestores de escritórios e bancas jurídicas. Afinal, a geopolítica da IA moldará não apenas o futuro dos negócios, mas também o funcionamento da Justiça, a privacidade dos cidadãos e a autonomia regulatória de cada país.

A concentração tecnológica e seus impactos

A centralização da infraestrutura de IA em poucos países cria um fenômeno semelhante ao que Adam Smith já apontava na economia clássica: quando um bem essencial é monopolizado por poucos, os demais se tornam dependentes.

No caso atual, esse "bem essencial" não é o petróleo, nem os minérios raros, mas a capacidade computacional necessária para treinar e operar sistemas de inteligência artificial.

É justamente essa capacidade que determina quais países podem liderar a inovação tecnológica, ditar os padrões globais e usufruir dos ganhos econômicos. Os países que não dispõem dessa infraestrutura precisam recorrer a provedores estrangeiros, assumindo custos mais altos e abrindo mão do controle sobre dados sensíveis.

No Brasil, por exemplo, escritórios de advocacia e departamentos jurídicos que utilizam soluções avançadas de IA frequentemente dependem de servidores localizados no exterior. Isso implica não apenas em valores adicionais de contratação, mas também em desafios regulatórios relacionados à LGPD, uma vez que a transferência internacional de informações jurídicas sensíveis precisa observar rígidos requisitos de compliance.

A dependência e seus riscos

A dependência tecnológica é multifacetada. Ela não se traduz apenas em custos, mas também em vulnerabilidades estratégicas. Em um cenário de tensões geopolíticas, nada impede que o acesso a determinadas tecnologias seja restringido ou encarecido para países que não possuem autonomia.

Basta observar os exemplos recentes da chamada "guerra dos chips", em que Estados Unidos e China disputam o controle sobre semicondutores avançados. Se algo semelhante ocorrer no campo da inteligência artificial, países sem data centers próprios estarão sujeitos a decisões tomadas fora de suas fronteiras.

Para a advocacia e para empresas brasileiras, isso pode significar:

  1. Insegurança regulatória: dificuldade em garantir que dados jurídicos estejam protegidos sob a legislação nacional;
  2. Aumento de custos operacionais: dependência de provedores estrangeiros eleva as barreiras de entrada no mercado de tecnologia;
  3. Perda de competitividade: startups e empresas nacionais ficam em desvantagem em relação a concorrentes de países que detêm infraestrutura própria;
  4. Risco de exclusão digital: em um futuro próximo, quem não tiver acesso a recursos de IA de ponta poderá ser alijado dos mercados mais dinâmicos.

O Brasil na periferia da revolução digital

A realidade é que o Brasil ainda se encontra na periferia da revolução digital. Temos profissionais altamente qualificados, universidades com centros de pesquisa respeitáveis e um ecossistema de startups criativo. 

Entretanto, sem infraestrutura de alto desempenho, grande parte dessas iniciativas fica limitada ao campo experimental ou depende de apoio externo.

É um cenário que remete à análise de Karl Marx sobre a dependência tecnológica das nações periféricas em relação ao centro do capitalismo. 

Ao mesmo tempo, podemos reinterpretar essa crítica sob uma ótica contemporânea: não basta ter capital humano, é preciso garantir meios materiais de produção de tecnologia. No caso da IA, isso significa ter data centers, chips de alto desempenho e políticas públicas de incentivo.

Se não avançarmos nesse sentido, continuaremos a ocupar o papel de "importadores de inovação", financiando o desenvolvimento de outros países enquanto arcamos com os ônus de sermos usuários finais.

A urgência de uma soberania digital

É nesse contexto que surge o conceito de soberania digital: a capacidade de um país decidir sobre sua infraestrutura tecnológica, proteger os dados de sua população e fomentar sua própria indústria digital.

Para alcançar esse objetivo é necessário um esforço conjunto entre Estado e iniciativa privada. Políticas públicas precisam criar incentivos para a instalação de data centers especializados em IA, seja por meio de benefícios fiscais ou pela formação de parcerias estratégicas internacionais que garantam transferência de tecnologia.

Ao mesmo tempo, empresas brasileiras precisam enxergar a infraestrutura digital como um investimento estratégico de longo prazo. Não se trata apenas de reduzir custos operacionais, mas de posicionar o país como protagonista no cenário global de inovação.

No campo jurídico, essa discussão se torna ainda mais urgente. Advogados, tribunais e órgãos públicos trabalham diariamente com volumes massivos de dados sensíveis. Sem infraestrutura própria, o risco de vazamentos, espionagem e litígios internacionais cresce de forma exponencial.

O papel da advocacia na discussão

Muitos podem pensar que o debate sobre data centers especializados em IA é restrito a engenheiros e economistas. No entanto, a advocacia tem papel central nesse processo.

Primeiro, porque cabe aos juristas refletir sobre os impactos regulatórios e éticos dessa concentração tecnológica. Quem controla a infraestrutura, controla também os fluxos de informação e, consequentemente, as relações de poder no século XXI.

Segundo, porque escritórios e departamentos jurídicos que incorporam a IA em seus processos precisam estar cientes das limitações estruturais do Brasil para avaliar riscos e oportunidades de forma realista.

E, terceiro, porque a advocacia pode e deve ser protagonista na defesa da soberania digital, pressionando por marcos regulatórios que incentivem a instalação de infraestrutura nacional e garantam que a proteção de dados jurídicos não dependa de decisões tomadas em outros países.

A fronteira entre Direito e tecnologia

Nesse debate, empresas buscam se posicionar como uma ponte entre Direito e tecnologia, oferecendo soluções em inteligência artificial voltadas para a gestão de escritórios. Mas, ao mesmo tempo, há plena consciência de que inovação jurídica não se sustenta apenas em softwares inteligentes: ela exige uma base sólida de processamento e armazenamento de dados.

Ao chamar atenção para a concentração global dos data centers de IA, é reforçado a necessidade de o Brasil investir em infraestrutura própria. Não se trata de uma defesa corporativa, mas de um posicionamento estratégico para todo o setor jurídico. Afinal, sem soberania digital, qualquer avanço será sempre parcial, limitado e dependente.

Estamos diante de um dilema. Ou o Brasil assume de forma clara a necessidade de investir em infraestrutura para inteligência artificial, ou continuará preso a uma posição periférica, sem autonomia tecnológica, pagando caro para acessar soluções desenvolvidas em outros países.

Para a advocacia, essa escolha não é abstrata: ela impacta diretamente os custos de operação dos escritórios, a proteção de dados dos clientes, a segurança regulatória das operações e a competitividade dos negócios jurídicos no cenário global.

O estudo que revela que apenas 32 países possuem data centers especializados em IA é mais do que uma estatística: é um alerta. Se não reagirmos agora, corremos o risco de perder não apenas a corrida tecnológica, mas também a capacidade de definir nosso próprio futuro digital.

É hora de transformar a reflexão em ação. A advocacia, o empresariado e o Estado precisam unir forças para que o Brasil deixe de ser apenas consumidor e se torne produtor de tecnologia. Só assim poderemos garantir uma verdadeira soberania digital, capaz de proteger nossa autonomia, estimular nossa economia e fortalecer o nosso Direito em um mundo cada vez mais governado por algoritmos.

Eduardo Koetz

VIP Eduardo Koetz

Eduardo Koetz é advogado, sócio-fundador da Koetz Advocacia e CEO do software jurídico ADVBOX . Especialista em tecnologia e gestão, ele também se destaca como palestrante em eventos jurídicos.

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