Impactos na assistência social pela resolução CNAS/MDS 182/25
A resolução CNAS/MDS 182/25 propõe um novo olhar regulatório sobre assessoramento, defesa e garantia de direitos no âmbito da assistência social, assim como novos desafios para os atores sociais.
segunda-feira, 8 de setembro de 2025
Atualizado às 09:17
Conforme estampado no preâmbulo de sua Constituição (CF/88), o Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, é destinado a "assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social".
Alinhado com o preâmbulo, os objetivos de nossa República previstos na Constituição trazem um notório viés social ao prever metas tais como a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Então, na constante busca desses objetivos republicanos é que a CF/88, por exemplo, consagrou em seu art. 203 a assistência social, que é um direito fundamental da pessoa humana como já pacificado pelo STF (v.g. STF - ARE: 674.358 SC).
A assistência social pode ser conceituada como conjunto de ações e atividades desenvolvidas nas áreas públicas e privadas, com o objetivo de suprir, sanar ou prevenir, deficiências e necessidades de indivíduos ou grupos quanto à sobrevivência, convivência e autonomia. E, justamente por trás da essência da terminologia "assistência social" e a busca de sua efetividade, tem-se a ideia que, historicamente, o Estado fez com que as várias políticas e principalmente a assistência social transitassem sempre no campo da solidariedade, filantropia e benemerência, princípios que nem sempre representaram direitos sociais, mas apenas benevolência paliativa1.
Neste sentido, conforme já se pronunciou o STJ2, a interpretação da expressão "ações sociais" não pode ser ampla ao ponto de incluir hipóteses não apontadas pelo legislador, haja vista que, se assim procedesse qualquer atuação governamental em favor da coletividade seria possível de enquadramento nesse conceito".
Daí que a lei 8.742/93, a "LOAS", promoveu a organização da assistência social, direito fundamental contido na CF/88.
Entretanto, apesar da LOAS ser a "bússola" para a implementação das políticas públicas relacionadas à assistência social pelos seus atores e stakeholders, ainda carecia a normatização de uma verticalização quanto às formas de atuação, trazendo os detalhamentos necessários de forma que não seja "qualquer atuação" pela coletividade enquadrada com tal conceito.
E neste contexto a norma de assessoramento vem passando por transformações, exemplo disto é a resolução CNAS/MDS 182/25, em vigor desde 14/2/25, revogando a então conhecida resolução 27/11 CNAS, para em seu preâmbulo dispor que "Caracteriza, estabelece diretrizes, parâmetros e critérios para serviços, programas e projetos de assessoramento, defesa e garantia de direitos, ofertados de forma isolada ou cumulativa, no âmbito do Sistema Único de Assistência Social, por entidades e organizações da sociedade civil de assistência social".
Talvez tão importante quanto o que (objeto da resolução), seria pensarmos quando e como a recente normativa "atraca no porto" da assistência social em nosso país, pois a resolução 182/25 chega em um notório momento de demanda pelo aperfeiçoamento do SUAS - Sistema Único de Assistência Social, previsto na lei orgânica de assistência social (lei 8.742/93) e cujo aprimoramento do SUAS é tema central de debate a exemplo de recente Conferência Nacional de Assistência Social cuja pauta era: "Reconstrução do SUAS: O SUAS que temos e o SUAS que queremos"3.
Dado o cenário acima de mobilização como umas das principais forças embrionárias desta atual regulamentação e passando ao seu conteúdo, a atual resolução do CNAS/MDS traz um considerável alargamento do objeto regulamentado pois enquanto resolução 27/11 CNAS "caracterizava as ações de assessoramento e defesa e garantia de direitos", a atual resolução não apenas cuida da caracterização das ações de assessoramento, defesa e garantia de direitos, mas também estabelece diretrizes, parâmetros e critérios para serviços, programas e projetos relacionado a tais ações.
Estruturalmente, a resolução 182/25 possui quatro capítulos:
No Capítulo I, "Definições e Caracterização das Entidades e Organizações da Sociedade Civil de Assessoramento, Defesa e Garantia De Direitos", em síntese, tem-se o conceito das diferentes modalidades e seguindo o núcleo já trazido pela LOAS, mas com uma ampliação conceitual sobretudo na distinção do atendimento e assessoramento para a defesa e garantia de direitos conforme arts. 3º e 4º da resolução.
No Capítulo II da referida resolução 182/25 denominado de "Princípios e Diretrizes", há uma inovação em relação à resolução revogada (CNAS 27/11) com a vinda dos princípios e diretrizes.
No art. 5º estão os princípios para os programas e projetos de assessoramento, defesa e garantia de direitos, de forma isolada ou cumulativa, no âmbito do SUAS.
Já no art. 7º vem a previsão de direitos socioassistenciais consagrados no âmbito da política pública de assistência social, sendo ressaltado pela norma que a efetivação dos direitos socioassistenciais deve ser garantida pelo cofinanciamento dos entes, a nível Federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, para a operação integral, profissional, contínua e sistêmica da rede socioassistencial.
Já no Capítulo III "Regras Gerais", a normativa traz regras sobre a execução (art. 8), o público destinatário da norma e que compõe o SUAS (art. 9º), e as aquisições das partes envolvidas que inclusive influi na análise de preponderância nas atividades finalísticas da assistência social.
E no CAPÍTULO IV "Dos Serviços, Programas e Projetos de Assessoramento, Defesa e Garantia de Direitos" há o art. 12 apresentando maior detalhamento sobre o conteúdo dos serviços, programas e projetos de assessoramento, enquanto o art. 13 faz igual detalhamento na defesa e garantia de direitos.
Aqui neste capítulo vale destacar a importante inovação trazida no art. 9º quando prevê que em relação aos serviços, programas e projetos destinados aos diferentes públicos que compõem o SUAS, sejam priorizadas "pessoas e famílias negras, indígenas, mulheres, pessoas com deficiência, LGBTQIAPN+, pessoas idosas, jovens, crianças e adolescentes, pessoas em situação de rua, migrantes, refugiados, apátridas, quilombolas, ribeirinhos, ciganos, catadoras (es) de materiais recicláveis, famílias da agricultura familiar, órfãs (ãos) da pandemia de Covid-19, pessoas vítimas de violência, população de floresta, campo e água, entre outros públicos vulnerabilizados decorrentes de marcadores de diversidades."
Em relação a este ponto, inclusive, vale deixar registrada uma importante reflexão de que a priorização de determinados públicos não acarretar na exclusão de outros não arrolados pela resolução, ante ao princípio da universalidade do atendimento prevista na CF/88 (art. 194), vez que apenas como exemplo não foi inserido neste rol do art. 9º as mulheres vítimas de violência doméstica enquanto público a ser priorizado, tal como o fez o decreto 11.430/23 o qual regulamenta a lei de licitações.
Assim, o norte de interpretação a ser dado para este dispositivo de priorização de públicos é de que deve ser feito um tratamento de desigualdade na exata medida da desigualdade e necessidade de uma política pública para o reequilíbrio. Nas palavras e lições do Ilustre Hugo Nigro Mazzilli, "o que a lei deve fazer é dar compensações racionais para as pessoas que tenham um discrímen natural, ou seja, deve tratar desigualmente os desiguais - apenas os que são efetivamente desiguais".4
Ponto importante também na resolução 182/25 e que é um acréscimo em relação à normativa anterior, é a menção (art. 10) às aquisições dos indivíduos, famílias, grupos, coletivos, fóruns, movimentos sociais e comunidades, alvo dos serviços, programas e projetos, trazidas em um rol exemplificativo e que, em síntese, "contribuam para o acesso e a garantia da cidadania, articulando os direitos socioassistenciais com os direitos humanos, sociais e socioambientais e fortalecendo a integralidade e a interconexão entre esses pilares para promover justiça social e sustentabilidade".
O art. 11 da atual resolução trata igualmente de aquisições, mas estas em relação a gestores, trabalhadores, conselheiros e organizações da sociedade civil vinculadas ao SUAS.
Uma outra inovação da atual resolução em relação a sua antecessora (resolução CNAS 27/11) é encontrada em seu art. 14 traz considerações de relevo acerca das atividades de assessoria e consultoria direcionadas aos principais atores do conteúdo da resolução, a exemplo do governo e das OSC, e que assim como as ações de intermediação de mão de obra, distinguem dos programas e projetos de assessoramento, defesa e garantia de direitos no âmbito do SUAS e, portanto, não devem ser reconhecidas como parte integrante da política de assistência social.
Também há importante recomendação, no art. 16, para determinadas atuações de assessoramento (técnico, administrativo e financeiro), em que para além dela, deve estar comprovada a atuação efetiva no processo de mobilização e conscientização pelos direitos socioambientais e socioassistenciais, estímulo à autonomia, protagonismo e participação no controle social.
Nota-se, também, que há previsão no capítulo de regras gerais acerca de temas pontuais como a definição de atividade preponderante em entidades que possuem geração de recursos, como a necessidade de inscrição no CNEAS por entidades que atuem na habitação e reabilitação de pessoas com deficiência e por entidades que atuem na promoção e integração ao mundo do trabalho.
Por fim, já nas disposições finais, a menção expressa que a norma já está em vigor e as entidades e organizações da sociedade civil de assistência social atuantes no assessoramento, defesa e garantia de direitos, inscritas nos CMAS e CAS-DF, que não atendam aos termos desta resolução terão sua inscrição mantida até 30/4/26, apresentando novo plano de ação que atenda a esta resolução.
Em conclusão, a resolução CNAS/MDS 182/25 significa um importante marco normativo no terceiro setor a ser observado com atenção pelos operadores e pelas entidades, em especial, atuantes na área de assistência social. Mas tão importante quanto as (importantes) inovações trazidas por tal norma é a consciência de momento em que nasce, por quem e para quem. Desta forma, teremos também a consciência e ímpeto para sua observância, tal como eventuais correções e aperfeiçoamentos futuros, que é o papel da sociedade civil organizada.
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1 (MESTRINER, 2012, p. 42)
2( AgRg no REsp 1.439.326/)
3 "Reconstrução do SUAS: O SUAS que temos e o SUAS que queremos"
4 https://www.mazzilli.com.br/pages/artigos/defesagrupos.pdf


