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Inteligência artificial e a (re)configuração do mercado jurídico brasileiro

Dados, comparações internacionais e cenários do mercado jurídico para os próximos 5 anos.

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Atualizado em 8 de setembro de 2025 13:55

1) Ponto de partida: Quantos somos e como trabalhamos hoje

O Brasil tem uma das maiores populações de advogados do planeta. Estimativas recentes da OAB indicam cerca de 1,37-1,45 milhão de inscritos ativos, cifra amplamente divulgada pela própria ordem e pela imprensa jurídica.

Em 2024, a OAB e a FGV Justiça publicaram o 1º estudo demográfico da advocacia com 20.885 respondentes. Três achados são decisivos para entender a dinâmica de oferta de serviços jurídicos:

  • 72% dos profissionais atuam como autônomos;
  • 29% vinculam-se a empresas/escritórios privados;
  • 4% declararam-se desempregados no momento da pesquisa.

O estudo também registra atuação concentrada em capitais/regiões metropolitanas (46%) e renda individual majoritária entre 2 e 10 salários-mínimos. (OAB, FGV Conhecimento)

No ensino jurídico, o Censo da Educação Superior 2023 (Inep/MEC) mostra que Direito segue entre as graduações com maior número de matrículas presenciais, ou seja, um indicador de pressão contínua de entrada na profissão. A OAB, por sua vez, relata 1.896 cursos de Direito aptos a funcionar (2023) e apenas 10% deles receberam o selo "OAB Recomenda" naquela edição, sinalizando heterogeneidade de qualidade formativa. (CNN Brasil, OAB)

2) O que a IA já está fazendo com a profissão (e onde)

Internacionalmente, a adoção e o investimento em GenAI - IA generativa em bancas e departamentos jurídicos aceleraram entre 2024 e 2025:

  • Am Law 200: 53% Já compraram ferramentas de GenAI e 45% as usam em trabalho jurídico; 43% criaram orçamentos dedicados. (LexisNexis)
  • Profissionais (global): Relatórios da Thomson Reuters apontam interesse majoritário em aplicar GenAI ao trabalho e expectativa de economia de até 12 horas/semana até 2029. (Thomson Reuters)
  • Reino Unido: Pesquisas mostram salto de 11% para 41% de profissionais jurídicos usando IA no trabalho em um ano. (Legal Technology)

No Brasil, projetos de IA vêm sendo adotados para triagem/gestão de processos (v.g., VICTOR, no STF), reduzindo tempos de análise e priorização de recursos. Isso é um sinal de que tarefas repetitivas de alto volume já são automatizáveis na prática jurídica.

Esses movimentos são consistentes com estudos econômicos amplos (WEF/McKinsey/Goldman) que estimam alto potencial de automação de tarefas jurídicas padronizáveis (pesquisa de jurisprudência, rascunhos, due diligence documental), com deslocamento de horas para tarefas de maior valor (estratégia, relacionamento, julgamento). (Relatórios do Fórum Econômico Mundial, Senado Federal)

3) Linhas de força que pressionam o mercado brasileiro

  1. Oferta estruturalmente alta de profissionais (1,37-1,45 milhão) e entrada constante de novos egressos. (CNN Brasil)
  2. Predominância do modelo autônomo (72%), com dispersão de renda e competição intensa por pessoa física e PJ. (OAB)
  3. Adoção rápida de GenAI em players globais e ALSPs - Alternative Legal Service Providers, que tendem a baixar custos de tarefas padronizadas e elevar o sarrafo de eficiência percebido por clientes corporativos. (Financial Times)
  4. Expectativa de clientes: In-house legal e áreas de compras aprovam o uso de GenAI e esperam eficiência (menor hora, mais escopo entregue), pressionando honorários tradicionais. (LexisNexis)

4) Cenários para 5 anos (2025-2030): Método e projeções

Método:

  1. parte-se do estoque atual (1,37-1,45 milhão); 
  2. considera-se manutenção do ritmo de formação (Inep) e taxa líquida de saída historicamente baixa; 
  3. incorpora-se ganho de produtividade plausível de 10-20% nas tarefas juridificáveis por GenAI (faixa compatível com estudos globais e dados de economia de horas reportados por profissionais). 

***Onde faltam séries oficiais brasileiras por ocupação, usamos o Perfil ADV (OAB/FGV) como proxy para estrutura ocupacional e status contemporâneo. (CNN Brasil, FGV Conhecimento, Thomson Reuters)

4.1 Quantos advogados autônomos disputarão clientes?

Se o estoque total cresce 0,8-1,5% a.a. (fluxo de egressos > saídas), em 2030 podemos projetar ~1,45-1,55 milhão de inscritos nos quadros da OAB. Mantida a razão 72% autônomos, o Brasil teria ~1,04-1,12 milhão de autônomos disputando clientela PF e PJ, que será a maior massa autônoma da história

A depender da difusão de GenAI no varejo (contratos, contencioso de ~ massa, consultas), a barreira de entrada cai, aumentando a competição por preço e forçando diferenciação por nicho, marca e produto jurídico.

4.2 Emprego e desemprego na advocacia

O Perfil ADV aferiu 4% de desemprego "no momento da pesquisa" (medida de corte transversal, distinta da PNAD). Com a substituição parcial de tarefas repetitivas e a reprecificação de serviços padronizáveis, há risco de "desemprego por fricção tecnológica" sobretudo em perfis sem reposicionamento.

  • Cenário base (adoção gradual): Desemprego setorial flutua entre 4-6%, com migração de horas para áreas consultivas/estratégicas e para ALSPs. (Financial Times, OAB)
  • Cenário acelerado (pressão por eficiência + clientes exigindo IA): Picos 6-8% em ondas de ajuste (2026-2028), recuando à medida que a demanda por serviços "IA-augmented" se consolida e novos modelos de oferta por assinatura/produto ganham tração. (LexisNexis)

***Nota de método: O Brasil não divulga série oficial contínua de desemprego por ocupação jurídica com granularidade suficiente; por isso, as faixas acima são cenários parametrizados por evidência setorial (Perfil ADV) e tendências internacionais de adoção de IA (TR/Lexis/UK). (FGV Conhecimento, Thomson Reuters, Legal Technology)

Se tem notícia de grandes bancas reduzindo em 50% a 60% o número de advogados em seus escritórios após a implementação de GenAI para melhorar o ganho de produtividade. Ou seja, a perspectiva é que para os próximos anos esse número de desempregados seja muito maior.

Vale destacar ainda que entre os entrevistados existem muitos que se declaram como autônomos, porém estão recém desempregados, desligados de grandes bancas que efetivaram a referida redução de pessoal buscando reduzir o custo de pessoal e aumentar a entrega com a IA.

4.3 Estrutura de firmas e departamentos

Nos próximos 5 anos, é provável:

  • Grandes bancas internalizando GenAI e revisando modelos de billing (tabelas híbridas, escopo fechado, métricas de valor), com equipes mais enxutas em tarefas de pesquisa e revisão. (LexisNexis)
  • Departamentos jurídicos exigindo SLA + IA e reduções de hora (ou mais entregáveis no mesmo fee), o que favorece ALSPs e boutiques com alta automação. (Financial Times)
  • Escritórios médios/pequenos que adotarem IA + gestão de dados + playbooks ampliando margens, enquanto pares que não adotarem perdem participação em contencioso de massa e consultivo padronizado. (Thomson Reuters)

5) O que não vai desaparecer

Funções com julgamento estratégico, interação humana complexa, condução de negociação e presença forense permanecem centrais; a IA atua como copiloto para rascunhos, pesquisa, triagem probatória e gestão de risco, liberando tempo para advocacia de alto valor.

O novo momento produz necessidade aos profissionais do Direito uma adequação, sob pena de não resistirem aos impactos gerados pela GenAI.

O presente artigo não serve para gerar qualquer tipo de desespero, mas como um alerta para um futuro possível, de forma de que quem estiver mais pronto para este novo mundo que iremos viver, sairá na frente e irá se destacar neste mar de advogados.

Cabe a este profissional que está antenada às mudanças continuar a se qualificar, não somente no Direito, mas com o desenvolvimento das soft skills, que em grande parte a GenAI não poderá substituir o advogado.

As funções como conexão entre cliente e advogado como elo de confiança para as demandas jurídicas do dia a dia, as habilidades negociais, a realização de audiências, sessões de julgamento, diálogo com os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, permanecem essenciais para o exercício profissional. 

6) Recomendações de política e de gestão (solução é "IA + desenho de mercado")

Entende-se que os impactos da GenAI será tão brutal que o mercado não será suficiente para gerar demanda de trabalho para todos, o que gera grande preocupação de onde o mercado da advocacia irá chegar até o ano de 2030.

Não somente pelo aumento do número de advogados, mas isso gera um impacto por uma demanda de mercado onde o advogado precisa "gerar" demanda de contratos para sobreviver, ou mudará de profissão, como infelizmente já vem ocorrendo com bastante frequência.

Outro impacto que estas mudanças irão gerar é o aumento do número de demandas judiciais, número que já não é baixo no Brasil, onde o CNJ em sua última divulgação de dados informa um estoque de cerca de 84 milhões de processos, com uma entrada anual de cerca de 35 milhões de novos processos.

O funil não para a porta de entrada grande e a de saída bem estreita. O acúmulo não para, mas ainda se tem uma perspectiva ainda pior, na medida em que o Brasil é considerado um país com uma forte cultura litigiosa, com um número recordista de advogados com sede de contratos, tudo vira processo.

Políticas públicas e regulatórias

  1. Dados e mensuração: PNAD contínua com recorte ocupacional específico para a advocacia e indicadores de transição tecnológica (emprego/horas por tarefa), permitindo política baseada em evidência.
  2. Marco de IA com foco em responsabilidade, transparência e segurança em usos jurídicos (triagem de processos, suporte a peças, governança de modelos)
  3. Compra pública de inovação no Judiciário: Expandir e avaliar soluções tipo VICTOR (STF) com métricas de impacto (tempo, backlog, qualidade), publicando dashboards abertos.
  4. Formação: Alinhar Direito + ciência de dados + gestão no ensino jurídico (Inep/MEC), com metas de qualidade e avaliação de egressos por competências digitais. (Inep Downloads)

Gestão para bancas e departamentos

  1. Arquitetura de trabalho "IA-first": Mapeie fluxos (pesquisa, due diligence, contratos, contencioso de massa), padronize templates e integre GenAI com segurança e trilhas de auditoria. Estudos reportam ganhos de 10-20%+ nas tarefas automatizáveis e economia de horas relevante. (Thomson Reuters)
  2. Reposicionamento de pessoas: Plano de upskilling (prompting jurídico, revisão crítica de saídas de IA, análise de risco, dados) e métricas de valor por caso/cliente (não apenas hora). (Thomson Reuters)
  3. Oferta "produto jurídico": Assinaturas, pacotes fechados, ALSP partnerships para picos de demanda e tarefas de baixo valor agregado - acompanhando a tendência internacional. (Financial Times)
  4. Compliance e ética: Políticas claras de confidencialidade, verificação humana e atribuição no uso de IA em peças/pareceres.

6.1 Proteção social: Por que UBI/renda mínima não basta

Debates sobre renda mínima universal surgem como resposta à GenAI. Como amortecedor, pode mitigar efeitos de curto prazo. Mas não resolve (sozinha) a alocação eficiente de talento jurídico nem promove qualidade e acesso à justiça. Para o setor, políticas ativas (requalificação, incentivo à inovação regulada, dados abertos do Judiciário) e modelagem de mercado (concorrência por valor, não por hora mínima) geram empregabilidade sustentável e serviços mais acessíveis, resultados que transferências de renda isoladas não entregam.

O Direito, aqui em um recorte quanto ao Poder Judiciário e a forma de exercer a advocacia, manteve-se o mesmo por mais de 100 anos, porém na última década as mudanças foram muitas, em especial com a chegada de tecnologias disruptivas, que mudaram o próprio comportamento de consumo da população, com um marco da internet e os smartphones.

A sociedade moderna está recheada de mudanças substanciais em como nos locomovemos, como nos alimentamos, como viajamos etc. Contudo, mesmo diante das mudanças realizadas no sistema de justiça, percebe-se que diante do cenário posto neste artigo, se mostra ser chegado o momento para se questionar a forma como a justiça é praticada, modelo repetido há milênios, mas diante do momento de mudança de era com a GenAI, é momento de reflexão sobre o modelo até então adotado para que novas práticas, novas rotinas, novas formas de buscar e fazer justiça possam ser alteradas.

O movimento já começou anos atrás através da reflexão sobre os seres humanos serem incompetentes para resolver seus próprios problemas através de diálogo ou através de um terceiro que possa facilitar esta conversa, questionando o modelo de levar todas as demandas de litígio da sociedade ao Poder Judiciário.

Este movimento é denominado sistema multiportas, onde o Poder Judiciário é somente uma das portas dentre as diversas possíveis para resolver conflitos. A reflexão trazida tem sido no sentido de que o Judiciário não seja a única porta possível, mas apenas uma delas, para utilização em casos extremos.

E aqui, o que se busca trazer são cogitações de mudança ao padrão estabelecido, de modo a fazer com que a justiça venha ser cada vez mais justa, sem que o senso de justiça seja tão somente a decisão de um magistrado, mas a justiça como um entendimento equilibrado entre pessoas que entendam a melhor solução para o problema.

Entende-se que estas devem ser as reflexões devem surgir antes de se pensar em UBI/renda mínima, notadamente ao realizarmos um recorte sobre um setor de mercado (advocacia) que tanto tem a contribuir para o crescimento, evolução e melhoria na qualidade de vida da sociedade.

7) Conclusão ampliada: O dilema brasileiro de excesso de advogados e escassez de clientes

O Brasil vive uma realidade única no mundo jurídico. Segundo dados da OAB, já passamos de 1,37 milhão de advogados ativos. Cruzando com o último Censo Demográfico IBGE (2022), a população brasileira é de 203 milhões de habitantes. Isso significa que temos um advogado para cada ~148 brasileiros.

Esse índice coloca o país em primeiro lugar mundial em advogados per capita. Para efeito comparativo:

  • EUA: ~1,3 milhão de advogados para 333 milhões de habitantes (1/256 habitantes);
  • Reino Unido: ~180 mil advogados para 68 milhões de habitantes (1/377);
  • Portugal: ~35 mil advogados para 10,3 milhões (1/294).

Enquanto em países desenvolvidos ainda há espaço de absorção, no Brasil a relação já está saturada, com a peculiaridade de que 72% atuam como autônomos e precisam disputar poucos clientes em um mercado de altíssima competição.

7.1 Impacto direto: Não haverá cliente para todos

Estudos de litigiosidade mostram que aproximadamente 20% da população brasileira já esteve ou está envolvida em processos judiciais. Mesmo que todos esses indivíduos/empresas buscassem advogados, teríamos cerca de 40 milhões de potenciais clientes formais para 1,37 milhão de profissionais. Isso dá, em média, 29 clientes por advogado em toda a carreira.

Considerando uma jornada de 20 a 30 anos de atuação profissional, isso representaria menos de 1,5 cliente novo por ano. Estes números são absolutamente insuficiente para sustentar financeiramente a maioria dos advogados.

7.2 Projeção 2030: A matemática da crise

De acordo com as projeções do IBGE, a população brasileira deve chegar a cerca de 215 milhões em 2030. Mantida a atual taxa de crescimento da advocacia (entre 0,8% e 1,5% ao ano), teremos algo entre 1,45 e 1,55 milhão de advogados ativos no país.

Aplicando a mesma taxa de litigiosidade (20%), isso significa 43 milhões de potenciais clientes para até 1,55 milhão de advogados. O resultado é ainda mais dramático:

  • 27 clientes por advogado ao longo de toda a carreira (queda em relação aos atuais 29);
  • 1,1 cliente por ano, em uma trajetória profissional de 25 anos.

Este cenário se intensifica de maneira negativa ao voltarmos para os números da justiça brasileira e nos depararmos com um tempo de trâmite médio dos processos no Brasil de 3 anos e 6 meses. Ora, se um advogado que se limita sua prestação de serviços a processos judiciais, irá receber os seus honorários de success fee (êxito), se tudo der certo, após todo este tempo, sem contar com as aflições de eventual fase de execução (recebimento dos valores do devedor), onde este período pode se prolongar ainda mais.

A pergunta que fica é: como sobreviver até lá? Em resposta a esta pergunta, dentre algumas possibilidades, é que o advogado precisa aprender as melhores formas de prestação de serviço, especialmente sem depender do Poder Judiciário, bem como as formas de cobrança que rentabilizem e gerem honorários suficientes para a mantença do e profissional, bem como que produzam crescimento financeiro ao longo dos anos.

Em outras palavras: mesmo com o aumento da população, o crescimento de advogados será mais acelerado, e a quantidade de clientes disponíveis por profissional seguirá em queda.

7.3 O futuro da estrutura ocupacional: Mais autônomos e mais desemprego

Hoje, 72% dos advogados atuam como autônomos. Essa proporção tende a aumentar significativamente nos próximos anos por duas razões centrais:

  1. Escritórios e departamentos mais enxutos: Com a adoção da IA generativa, escritórios que antes precisavam de 10 advogados para determinadas tarefas conseguem, hoje, operar com 5 ou menos, obtendo resultados iguais ou superiores. Isso reduz o espaço para advogados empregados e associados.
  2. Pressão por eficiência: Departamentos jurídicos corporativos, pressionados por compliance e redução de custos, também reduzem contratações diretas e terceirizam demandas apenas para bancas enxutas e tecnológicas.

Diante disso, é plausível projetar que em 2030 até 80% da advocacia brasileira seja composta por autônomos. O problema é que este aumento ocorrerá não por escolha estratégica, mas por necessidade: a maior parte será de advogados sem emprego formal, tentando sobreviver no mercado hipercompetitivo.

Esse cenário resultará em:

  • Maior precarização da profissão, com advogados cobrando honorários cada vez mais baixos para conquistar clientes;
  • Aumento da taxa de desemprego jurídico, que pode chegar a 6-8% setoriais em momentos de maior ajuste tecnológico;
  • Êxodo crescente da profissão, com advogados migrando para ocupações não jurídicas, como motoristas de aplicativo, professores de outras áreas, servidores públicos ou empreendedores em setores sem relação com o Direito.

7.4 Como dividir clientes frente ao excesso de advogados?

Com base nessa realidade, o Brasil precisará pensar em novos arranjos de distribuição da clientela e modelos alternativos de acesso à Justiça:

  • Associações jurídicas cooperativas: Advogados autônomos organizados em estruturas coletivas (cooperativas, DAOs, lawtechs), compartilhando custos, clientes e tecnologia, em vez de disputar isoladamente um mercado impossível.
  • Plataformas digitais de captação e redistribuição: Marketplaces jurídicos podem funcionar como hub de redistribuição de clientes, onde advogados se conectam sob demanda, reduzindo ociosidade, em uma espécie de sistema de "uberização" da advocacia.
  • Modelos de assinatura popular: Transformar o serviço jurídico em produto recorrente e acessível, criando massa crítica de clientes que sustentem advogados em escala.
  • Nicho + IA: Advogados que aliarem tecnologia e especialização setorial poderão escapar da "commoditização" e conquistar fatias de mercado mais rentáveis.
  • Internacionalização digital: Advogados brasileiros podem exportar serviços jurídicos (consultoria, contratos, arbitragem internacional), diluindo a hiperconcentração interna.

7.5 Para além da renda mínima universal

Embora a discussão sobre renda mínima mundial/universal seja válida para mitigar efeitos da GenAI, ela não resolve a especificidade brasileira: um mercado hiperlotado, com oferta excessiva de advogados frente a uma clientela limitada.

A única saída sustentável é redesenhar o mercado jurídico, criando novas formas de prestação de serviço e mecanismos de redistribuição da clientela, sob pena de termos um exército de advogados sem clientes, forçados a abandonar a profissão.

8) Considerações finais

O Brasil, diferentemente de outros países, não sofre apenas com a GenAI e automação, mas também com o inchaço estrutural da profissão. A equação é clara: em 2030 teremos até 1,55 milhão de advogados para apenas 43 milhões de potenciais clientes, ou seja, 27 clientes por carreira. Isso significa que, em média, cada advogado poderá atender pouco mais de 1 cliente por ano em uma vida profissional inteira.

Se a advocacia não se reinventar, em cinco anos veremos um cenário em que milhares de advogados estarão fora da profissão, migrando para outras ocupações ou abandonando definitivamente o Direito. Mas, se encararmos a crise como oportunidade, poderemos construir modelos coletivos, tecnológicos e populares que democratizem o acesso à Justiça e deem nova sustentabilidade à profissão.

Em suma: o dilema brasileiro não é apenas se a IA substituirá advogados, mas sim como milhões de advogados conseguirão dividir um mercado pequeno demais para o tamanho da oferta de profissionais.

_________

OAB/FGV Perfil ADV (2024);

Inep/MEC Censo da Educação Superior 2023;

Thomson Reuters Institute Future of Professionals (2024/2025) e GenAI in Professional Services (2024/2025);

LexisNexis Investing in Legal Innovation (2024);

ABA/SRA (dados comparativos);

CNJ/STF (projeto VICTOR). (FGV Conhecimento, OAB, CNN Brasil, Thomson Reuters, LexisNexis)

Vinicius Honorato

VIP Vinicius Honorato

Advogado João Bosco Filho Advogados | Fundador Temis Advogados Online

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