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O abono de permanência e a controvérsia sobre sua extensão após a aposentadoria

O presente artigo analisa a concessão do abono de permanência após a aposentadoria, benefício previsto no art. 40, §19 da CF/88 e regulamentado pela lei 10.887/04.

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Atualizado às 13:04

Introdução

O abono de permanência, previsto no art. 40, §19 da CF/88 e regulamentado pela lei 10.887/04, consiste em um benefício concedido ao servidor público que, tendo preenchido os requisitos para aposentadoria voluntária, opta por permanecer em atividade. Nessa hipótese, o servidor faz jus à restituição do valor equivalente à sua contribuição previdenciária, até que alcance a aposentadoria compulsória.

Esse instituto foi criado com a finalidade de incentivar a continuidade da experiência e da mão de obra qualificada no serviço público, representando uma contrapartida ao servidor que posterga sua aposentadoria em benefício da Administração. No entanto, a aplicação prática do abono tem gerado debates jurídicos relevantes, sobretudo acerca da possibilidade de sua concessão após a efetivação da aposentadoria.

A problemática central reside em definir se o abono de permanência, cuja natureza ainda suscita divergências doutrinárias, ora considerado indenizatório, ora remuneratório, poderia ser estendido ao período posterior à inativação. As decisões do STF e do TCU - Tribunal de Contas da União têm se inclinado no sentido de restringir o benefício apenas ao período em que o servidor permanece em atividade, afastando sua aplicação após a concessão da aposentadoria.

Diante desse contexto, o presente artigo tem como objetivo analisar a concessão do abono de permanência após a aposentadoria, abordando sua fundamentação legal, natureza jurídica, controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, além de seus impactos administrativos e financeiros.

A escolha do tema justifica-se pela relevância prática e acadêmica da discussão em torno do abono de permanência. Em primeiro lugar, trata-se de instituto que envolve diretamente o equilíbrio das contas públicas e a gestão de pessoal na Administração. Além disso, há reflexos individuais para milhares de servidores que aguardam a aposentadoria, o que demanda segurança jurídica e uniformidade de entendimentos.

Conforme aponta Moraes (2022), "o direito previdenciário deve conciliar o princípio da dignidade do servidor com a sustentabilidade do regime de previdência pública". Assim, a análise da possibilidade - ou não - de extensão do abono após a aposentadoria mostra-se fundamental tanto para a proteção de direitos individuais quanto para a preservação da coletividade.

Adicionalmente, a relevância acadêmica da pesquisa está no fato de que ainda persistem divergências doutrinárias sobre a natureza jurídica do benefício, além de constantes questionamentos administrativos e judiciais. Dessa forma, este trabalho busca contribuir para o debate e oferecer uma reflexão fundamentada no ordenamento jurídico brasileiro e na jurisprudência consolidada.

1. Fundamentação legal e conceito

O abono de permanência encontra previsão no art. 40, §19 da CF/88:

O servidor que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, b e c, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente, no máximo, ao valor da sua contribuição previdenciária até completar a idade para aposentadoria compulsória (BRASIL, 1988).

Esse dispositivo foi regulamentado pela lei 10.887/04, que detalha a forma de devolução da contribuição previdenciária ao servidor que permanece em atividade.

Após a regulamentação, consolidou-se o entendimento de que o abono de permanência tem caráter transitório e condicionado à permanência em atividade, sendo devido até que o servidor complete a idade da aposentadoria compulsória. Nesse sentido, Martins (2019, p. 412) esclarece que "o abono de permanência não é uma gratificação adicional ou nova vantagem funcional, mas um ressarcimento ao servidor que, embora já possa se aposentar, opta por seguir contribuindo para o regime previdenciário".

No mesmo sentido, Di Pietro (2022, p. 557) ressalta que a natureza jurídica do benefício ainda gera divergências, uma vez que parte da doutrina o compreende como verba indenizatória, destinada a restituir a contribuição previdenciária, enquanto outra parte entende que possui caráter remuneratório, por se tratar de valor pago durante a atividade laboral.

2. Natureza jurídica: Indenizatória ou remuneratória?

A doutrina apresenta divergências sobre a natureza do abono. Para Carvalho Filho (2021), trata-se de verba de caráter indenizatório, uma vez que busca restituir valores pagos ao regime previdenciário. Por outro lado, Martins (2019) defende que o benefício possui caráter remuneratório, pois se destina a retribuir a permanência do servidor em atividade.

A jurisprudência também se debruçou sobre o tema. O STF, ao julgar o RE 638.115/CE, firmou o entendimento de que o pagamento do abono pressupõe a permanência em atividade, não sendo possível sua extensão após a aposentadoria. Segundo o ministro Dias Toffoli, relator do caso, "a razão de ser do instituto é incentivar a continuidade do servidor no serviço público, e não conceder benefício cumulativo ao já aposentado" (BRASIL, 2014).

Do mesmo modo, o Tribunal de Contas da União tem entendimento pacificado de que "o pagamento do abono de permanência não subsiste após a concessão da aposentadoria, cessando com a inativação do servidor" (BRASIL, 2016). Tal posicionamento reforça a vinculação do benefício à atividade funcional, não havendo previsão legal para sua manutenção além desse período.

Por fim, cabe destacar que, sob a ótica administrativa, o abono de permanência cumpre importante papel no equilíbrio das contas públicas, ao postergar o pagamento imediato de proventos integrais de aposentadoria. Como observa Bandeira de Mello (2018, p. 224), "a interpretação de institutos remuneratórios e indenizatórios da Administração deve sempre observar a legalidade estrita, não se admitindo ampliações que não estejam previstas no ordenamento".

Ainda sobre a controvérsia, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2022, p. 560) argumenta que a dificuldade em enquadrar o abono de permanência decorre do fato de que ele não corresponde exatamente a um acréscimo remuneratório, mas também não se confunde com uma indenização em sentido estrito, pois "não há um dano efetivo a ser reparado, mas sim uma devolução do valor recolhido compulsoriamente ao regime previdenciário".

Na mesma linha, Moraes (2022, p. 341) sustenta que a verba possui caráter híbrido, aproximando-se de uma restituição, mas vinculada ao exercício da função, razão pela qual não pode ser considerada exclusivamente indenizatória. O autor afirma que "o abono de permanência deve ser interpretado como um instituto sui generis, que reúne aspectos remuneratórios e de compensação previdenciária, mas sempre condicionado à permanência do servidor em atividade".

Por outro lado, Regis Fernandes de Oliveira (2020, p. 287) destaca que a análise deve priorizar os efeitos financeiros do benefício. Para ele, a devolução da contribuição previdenciária representa "verdadeira compensação, evitando que o servidor arque com um ônus sem contrapartida, já que permanece em atividade após ter adquirido o direito de se aposentar". Assim, reforça-se a compreensão indenizatória do instituto.

Não obstante, a posição adotada pelo STF tem se inclinado a afastar a natureza remuneratória, reconhecendo o abono como uma espécie de devolução compensatória. No julgamento do RE 638.115/CE, o ministro Dias Toffoli observou que a finalidade do instituto é "desonerar o servidor que já implementou os requisitos para aposentadoria, mas opta por permanecer no cargo, não havendo caráter de acréscimo salarial" (BRASIL, 2014).

Portanto, embora persistam divergências doutrinárias, prevalece na jurisprudência e na prática administrativa o entendimento de que o abono de permanência possui natureza predominantemente indenizatória, vinculada à devolução da contribuição previdenciária, sem constituir vantagem remuneratória autônoma.

3. Entendimentos jurisprudenciais

O STF tem reiterado que o benefício é devido somente durante o exercício da atividade. No RE 638.115/CE, o ministro Dias Toffoli destacou que "o abono de permanência não pode ser estendido ao período de inatividade, sob pena de descaracterizar sua finalidade" (BRASIL, 2014).

TCU - Tribunal de Contas da União também possui jurisprudência consolidada nesse sentido, entendendo que "o pagamento do abono de permanência cessa com a aposentadoria, uma vez que sua natureza está vinculada à permanência do servidor no exercício do cargo" (BRASIL, 2016).

Além do RE 638.115/CE, o STF consolidou seu posicionamento no julgamento do ARE 954.408/RS, de relatoria do ministro Roberto Barroso. Na ocasião, foi reafirmado o entendimento de que o abono de permanência pressupõe atividade laboral, não havendo respaldo jurídico para sua extensão após a inativação. O ministro destacou que "o benefício constitui uma devolução da contribuição previdenciária, cessando com a aposentadoria, momento em que o servidor passa a usufruir dos proventos" (BRASIL, 2017).

O STJ também tem enfrentado o tema em sede de mandados de segurança e recursos ordinários. Em um desses precedentes, o tribunal reafirmou que o abono de permanência está condicionado ao efetivo exercício da função pública, sendo vedado o pagamento retroativo para período posterior à aposentadoria, salvo em hipóteses de atraso injustificado na análise do pedido administrativo (BRASIL, 2018).

No âmbito do controle externo, o Tribunal de Contas da União expediu diversos acórdãos que reafirmam a limitação do benefício. No acórdão 2.096/19 - plenário, o relator ministro Walton Alencar Rodrigues destacou que "o abono de permanência não subsiste após a concessão da aposentadoria, sob pena de gerar vantagem cumulativa sem fundamento legal" (BRASIL, 2019).

Observa-se, portanto, que a jurisprudência dos tribunais superiores e das cortes de contas converge para a interpretação restritiva do abono de permanência, vinculando-o estritamente à permanência em atividade. Tal uniformidade contribui para a segurança jurídica e para a previsibilidade no planejamento financeiro da Administração Pública.

4. Impactos administrativos e financeiros

Sob a ótica da Administração Pública, a limitação da concessão evita o pagamento cumulativo de aposentadoria e abono, o que comprometeria a sustentabilidade do regime. Segundo Oliveira (2020), "a concessão do abono após a aposentadoria criaria um ônus financeiro duplo para o Estado, sem fundamento jurídico".

Do ponto de vista do servidor, a discussão ganha relevância em casos em que há demora administrativa para a concessão da aposentadoria. Nesses casos, parte da doutrina defende o pagamento retroativo até a data da publicação do ato de aposentadoria, mas não após a inativação efetiva (MARTINS, 2019).

Sob o prisma orçamentário, o abono de permanência também exerce função relevante no equilíbrio atuarial do regime próprio de previdência. A CF/88 estabelece, em seu art. 40, caput, a necessidade de observância ao princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, o que significa que o pagamento de benefícios deve estar compatível com a capacidade de financiamento do sistema. Nesse sentido, Di Pietro (2022, p. 562) ressalta que a Administração Pública não pode conceder vantagens sem previsão legal expressa, sob pena de violar o princípio da legalidade e comprometer a estabilidade das contas públicas.

O Tribunal de Contas da União, em reiteradas decisões, tem alertado para o impacto orçamentário da interpretação ampliativa do abono. No acórdão 2.096/19 - plenário, o órgão destacou que a concessão do benefício após a aposentadoria geraria "ônus financeiro sem respaldo constitucional, afrontando a própria finalidade do instituto" (BRASIL, 2019). Esse entendimento reforça a ideia de que o abono atua como incentivo temporário e condicionado, não sendo uma vantagem permanente.

Do ponto de vista do servidor, a controvérsia ganha relevância especialmente em situações de morosidade administrativa. Em diversos casos, a análise e publicação do ato de aposentadoria ultrapassa meses ou até anos, gerando questionamentos quanto ao direito de percepção retroativa do abono. Moraes (2022, p. 344) defende que, nesses casos, é legítimo reconhecer o direito ao pagamento até a data da publicação da aposentadoria, mas não após a inativação, uma vez que "a Administração não pode se beneficiar da própria demora, devendo ressarcir o servidor pelo período em que este permaneceu em atividade".

Portanto, o impacto administrativo e financeiro do abono de permanência deve ser analisado sob duas perspectivas: (i) a necessidade de preservar a sustentabilidade do regime previdenciário, evitando duplicidade de benefícios, e (ii) a proteção ao servidor em casos de demora injustificada da Administração. A solução que tem prevalecido na doutrina e jurisprudência é a de admitir o pagamento retroativo apenas até a data do ato de aposentadoria, assegurando justiça individual sem comprometer o equilíbrio do sistema coletivo.

5. Considerações finais

O abono de permanência revela-se como um importante instrumento de incentivo à permanência do servidor público em atividade, ao mesmo tempo em que contribui para o equilíbrio atuarial do regime previdenciário. Criado para restituir ao servidor os valores de contribuição previdenciária após a implementação dos requisitos para a aposentadoria voluntária, o instituto encontra fundamento no art. 40, §19 da CF/88 e na lei 10.887/04.

A análise doutrinária evidencia divergências quanto à natureza jurídica do benefício. Parte dos estudiosos, como Carvalho Filho (2021) e Oliveira (2020), o compreende como verba de caráter indenizatório, destinada a compensar a continuidade das contribuições após o preenchimento dos requisitos para aposentadoria. Outros, como Martins (2019), entendem que possui caráter remuneratório, em virtude de sua vinculação ao exercício funcional. Ainda assim, prevalece, tanto na doutrina quanto na prática administrativa, a compreensão de que se trata de um instituto de caráter indenizatório, condicionado ao vínculo ativo do servidor com a Administração.

No campo jurisprudencial, observa-se consenso entre os tribunais superiores e o Tribunal de Contas da União no sentido de que o abono de permanência somente é devido enquanto o servidor permanecer em atividade. Decisões como as proferidas no RE 638.115/CE (STF) e no acórdão 2.824/2016 - plenário (TCU) consolidam a impossibilidade de extensão do benefício após a aposentadoria, reafirmando sua finalidade como mecanismo temporário de estímulo à postergação da inatividade.

Do ponto de vista administrativo, a limitação do benefício preserva o equilíbrio financeiro do regime previdenciário, evitando a sobreposição de vantagens incompatíveis com a sustentabilidade das contas públicas. Contudo, em casos de demora administrativa na concessão da aposentadoria, a doutrina admite o pagamento retroativo até a data da publicação do ato, como forma de resguardar o direito do servidor, sem descaracterizar a natureza do instituto.

Conclui-se, portanto, que a concessão do abono de permanência após a aposentadoria carece de amparo jurídico, encontrando vedação na própria lógica constitucional e jurisprudencial que regula o instituto.

A manutenção da interpretação restritiva assegura a coerência normativa, a segurança jurídica e o equilíbrio financeiro da Administração Pública, ao mesmo tempo em que garante ao servidor a justa compensação pelo período em que optou por permanecer em atividade.

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BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2018.

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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 35. ed. São Paulo: Atlas, 2021.

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MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 41. ed. São Paulo: Atlas, 2019.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 38. ed. São Paulo: Atlas, 2022.

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Amanda Rosalia Rodrigues Sales de Negreiros

VIP Amanda Rosalia Rodrigues Sales de Negreiros

Advogada. Atua há mais de 15 anos com foco em Direito Administrativo, Previdenciário e Políticas Públicas, especialmente na defesa técnica dos direitos de servidores públicos e grupos vulneráveis.

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