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Contratos de tecnologia: Entre cobrar, negociar ou desligar

Contratos digitais, inadimplência e dilemas jurídicos: entre cortar serviços e preservar direitos, qual o limite da cobrança em tecnologia?

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Atualizado às 14:07

Introdução - a nova fronteira do crédito

A transformação digital fez da tecnologia a espinha dorsal da economia contemporânea. Sistemas de gestão, softwares sob medida, serviços em nuvem, plataformas de pagamento e soluções de cibersegurança são hoje tão essenciais quanto energia elétrica ou fornecimento de internet.

Esse mercado, que movimentou bilhões em 2023 e cresceu 18,3% segundo a ABES, também carrega um paradoxo: o mesmo dinamismo que sustenta a inovação amplia os riscos de inadimplência contratual.

Empresas de tecnologia enfrentam desde usuários inadimplentes em planos SaaS até clientes corporativos que deixam de pagar licenças e manutenções críticas. Nesse ambiente, a cobrança não é trivial: como exigir o pagamento sem violar direitos autorais, contratos de consumo ou comprometer a continuidade de serviços digitais essenciais?

1) O panorama da inadimplência digital

O modelo de negócios em tecnologia traz desafios singulares:

  • Assinaturas SaaS: recorrência elevada de inadimplência, especialmente em pequenas empresas.
  • Softwares sob medida: disputas sobre entregas parciais e alegações de falha na prestação.
  • Cloud computing: interrupção indevida pode gerar responsabilização civil.
  • Startups: contratos frágeis, rotatividade de clientes e baixa capacidade de enforcement.

Segundo a IDC Brasil (2024), cerca de 22% das empresas de tecnologia relataram inadimplência relevante em seus contratos, sobretudo em SaaS e serviços de nuvem.

2) Ferramentas jurídicas aplicáveis

O ordenamento jurídico já oferece instrumentos específicos ao setor digital:

  • Execução contratual (CPC, art. 784, III): contratos assinados com duas testemunhas são títulos executivos extrajudiciais.
  • Cobrança ou monitória: cabíveis quando há notas fiscais ou registros de uso sem formalidade executiva plena.
  • Tutelas de urgência: possibilidade de bloqueio do acesso ao sistema, desde que proporcional e sem afetar direitos fundamentais.
  • Arbitragem: comum em contratos empresariais, especialmente quando há cláusula internacional.
  • Propriedade intelectual: protegida pela lei 9.609/1998 (lei de software) e pela lei 9.610/1998 (direitos autorais), que reforçam a proteção do desenvolvedor contra uso indevido.

3) O dilema estratégico: cobrar ou desligar?

Na tecnologia, o dilema vai além da cobrança. Cortar imediatamente o serviço pode configurar abuso e causar danos irreversíveis ao cliente; por outro lado, manter o acesso irrestrito incentiva a inadimplência.

A decisão deve considerar:

  1. Natureza do serviço: é essencial ou acessório para o negócio do cliente?
  2. Impacto reputacional: cortes mal conduzidos podem gerar publicidade negativa.
  3. Viabilidade jurídica: como preservar o crédito sem infringir normas de consumo ou LGPD?

4) Jurisprudência aplicada

STJ já enfrentou litígios digitais, conferindo segurança jurídica ao setor:

  • Contrato de informática como título executivo
  • "Contrato de prestação de serviços de informática assinado por duas testemunhas constitui título executivo extrajudicial." (REsp 1.116.117/RS, Rel. min. Nancy Andrighi, 3ª turma, DJe 28/4/2010).
  • Suspensão de serviços digitais por inadimplência
  • "É legítima a suspensão de serviços digitais por inadimplemento, desde que haja prévia notificação e respeito aos princípios da proporcionalidade e boa-fé." (REsp 1.614.721/SP, Rel. min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª turma, DJe 19/9/2017).

Esses precedentes reforçam que cobrar e suspender são possíveis, desde que acompanhados de notificação formal, proporcionalidade e respeito às garantias contratuais.

5) Conclusão - o equilíbrio necessário

A inadimplência em tecnologia exige abordagem híbrida: rigor contratual aliado à sensibilidade estratégica.

Empresas que estruturam contratos claros, com cláusulas de execução, penalidades escalonadas, mecanismos de resolução célere e proteção de propriedade intelectual, estarão mais protegidas.

Em resumo: no mundo digital, cobrar é tão essencial quanto proteger o código-fonte.

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Referências

ABES - Associação Brasileira das Empresas de Software

IDC Brasil - Estudos de mercado

Lei 9.609/1998 - Lei de Software

Lei 9.610/1998 - Direitos Autorais

CPC - Lei 13.105/15

Felipe Augusto Vieira Leal Bezerra

VIP Felipe Augusto Vieira Leal Bezerra

Sócio da FVL Advocacia, atua em execução civil, litígios patrimoniais e recuperação de crédito, com especializações em Direito Empresarial, Processual Civil e Dívidas Bancárias.

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