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O fim das fronteiras fiscais: Como a tributação no destino redefine a precificação

Como a tributação no destino impacta a precificação no varejo e nos serviços? Analisamos o fim dos incentivos e os novos desafios de compliance e estratégia para o seu negócio.

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Atualizado às 14:57

Introdução

Por décadas, a geografia foi um dos fatores mais decisivos na estratégia tributária das empresas brasileiras. A "Guerra Fiscal" entre os estados, impulsionada pela tributação na origem, transformou o mapa do Brasil em um complexo tabuleiro de incentivos e alíquotas. Com a promulgação da reforma tributária (EC 132/23), este tabuleiro está sendo virado. A instituição do princípio do destino como regra central para a cobrança do IBS/CBS não é um mero ajuste técnico; é uma mudança de paradigma que extingue as fronteiras fiscais e força uma reavaliação completa da noção de competitividade. Este artigo analisa os impactos práticos e imediatos dessa transformação para o comércio de produtos e para os prestadores de serviços.

O cronograma da transição: O início da regra e o fim dos benefícios

A transição para a nova sistemática não será instantânea, mas seguirá um cronograma gradual que exige atenção. A regra da tributação no destino começa a ser testada já em 2026, com a introdução de uma alíquota de 1% (0,9% de CBS e 0,1% de IBS). Contudo, a virada de chave mais significativa ocorrerá em 1º de janeiro de 2027, com a extinção do PIS/COFINS e a implementação plena da CBS.

A partir deste ponto, a lógica do destino já será a regra para a esfera federal. A transição completa, com a substituição do ICMS e do ISS pelo IBS, ocorrerá progressivamente entre 2029 e 2032, tornando-se plenamente vigente em 2033.

É crucial entender que, a partir de 2026, com o início dos testes, a máquina de extinção de benefícios fiscais já estará em movimento. Benefícios atrelados a tributos que serão unificados perderão sua razão de existir. Entre os principais que serão gradualmente eliminados, destacam-se:

  • Benefícios de PIS/COFINS (extintos em 2027): A isenção e a alíquota zero para produtos da cesta básica e para uma vasta gama de insumos (especialmente no agronegócio), além de regimes especiais como o REIDI - Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura, serão substituídos pela lógica de créditos ou por novas regras de isenção do IBS/CBS.
  • Benefícios de ICMS (extintos gradualmente de 2029 a 2032): Este é o coração da "Guerra Fiscal". Créditos presumidos, reduções de base de cálculo, isenções e diferimentos concedidos unilateralmente pelos estados para atrair investimentos serão extintos. Empresas que hoje se beneficiam desses regimes para reduzir seus custos perderão essa vantagem competitiva.

1. Para o comércio: A padronização do custo e o fim da vantagem geográfica

No sistema que se encerra, uma rede varejista com operações em múltiplos estados precisava lidar com uma matriz de custos tributários quase infindável.

Com a tributação no destino, essa variável deixa de existir. O custo tributário de aquisição de uma mercadoria passará a ser uniforme em todo o território nacional.

  • Impacto estratégico: A decisão de onde comprar ou de onde distribuir seus produtos passa a ser puramente logística e operacional. A eficiência da cadeia de suprimentos se tornará o fator preponderante. Empresas que construíram seus modelos de negócio com base em incentivos de ICMS na origem perderão seu principal diferencial competitivo. A competição será nivelada, premiando a empresa mais eficiente em sua operação real, e não a mais beneficiada fiscalmente.

2. Para os serviços: A solução de um litígio histórico e o novo desafio operacional

O setor de serviços foi, por anos, o principal palco da disputa sobre o local de recolhimento do ISS. A tributação no destino resolve, em tese, este litígio histórico.

A regra agora é clara: o IBS (que absorve o ISS) será devido ao município onde o serviço é consumido.

  • Impacto estratégico: A clareza da nova regra traz segurança jurídica, mas impõe um novo e significativo desafio operacional. Uma empresa de software (SaaS), por exemplo, com clientes em milhares de municípios, terá que gerenciar o recolhimento do IBS para cada um desses destinos. O custo de compliance e a necessidade de sistemas de gestão robustos para lidar com essa capilaridade se tornarão um novo e relevante componente na formação do preço do serviço.

3. O desafio comum: A gestão de dados e o custo do compliance

Tanto para o comércio quanto para os serviços, a tributação no destino eleva a gestão de dados a um patamar de importância estratégica. O erro no cadastro do endereço do cliente ou na identificação do local de consumo não é mais um mero equívoco administrativo; é um erro que pode levar ao recolhimento do imposto para o ente federativo errado.

Esse "custo do compliance" - o investimento em tecnologia e em processos para garantir a precisão dos dados de destino - precisa ser mensurado e, inevitavelmente, incorporado à estrutura de custos e à precificação final.

Conclusão

A mudança da tributação para o destino é muito mais do que uma simples alteração no local de recolhimento do imposto. Ela representa o fim da geopolítica fiscal como a conhecemos e o início de uma era onde a competitividade será medida pela eficiência operacional e pela robustez tecnológica.

O cronograma de transição já começou, e a extinção de benefícios fiscais a partir de 2026 é um chamado à ação. No novo Brasil fiscal, o sucesso não dependerá mais de "onde" sua empresa está, mas de quão bem ela opera, onde quer que seus clientes estejam.

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Referências

BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional 132, de 20 de dezembro de 2023. Altera o Sistema Tributário Nacional. Brasília, DF: Presidência da República, [2023]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc132.htm. Acesso em: 7 set. 2025.

BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar 68/2024. Institui o Imposto sobre Bens e Serviços - IBS, a Contribuição Social sobre Bens e Serviços - CBS e o Imposto Seletivo - IS e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, [2024]. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2433698. Acesso em: 7 set. 2025.

COIMBRA, Moises R. Reforma tributária vs tributação no destino e sua relação logística. Portal Reforma Tributária, maio 2025. Disponível em: https://www.reformatributaria.com/reforma-tributaria-vs-tributacao-no-destino-e-sua-relacao-logistica/. Acesso em: 8 set. 2025

Dayane Sâmela

Dayane Sâmela

Advogada,pós graduada em Direito do Trabalho e Tributário. Fundadora do Escritório Dayane Sâmela Advocacia. Há 14 anos integra as áreas Tributária e Trabalhista em soluções estratégicas para empresas.

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