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O direito à cobertura de medicamentos pelos planos de saúde

Aspectos jurídicos e práticos sobre a obtenção de medicamentos pelos planos de saúde.

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Atualizado às 07:59

O direito à saúde, consagrado como direito fundamental na CF/88, encontra na cobertura de medicamentos pelos planos de saúde uma de suas expressões mais relevantes e controvertidas. A negativa de cobertura medicamentosa pelas operadoras tem se tornado uma das principais causas de litígios na área da saúde suplementar, exigindo uma análise aprofundada dos marcos normativos aplicáveis e da jurisprudência consolidada pelos tribunais superiores.

O arcabouço normativo que rege a matéria é complexo e multifacetado. A lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, estabelece as bases da regulamentação, determinando que as operadoras devem assegurar a cobertura de medicamentos utilizados durante procedimentos médicos realizados em ambiente hospitalar ou ambulatorial. Esta disposição encontra complementação nas resoluções da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, especialmente a RN 465/21, que estabelece o rol de procedimentos e eventos em saúde, documento que relaciona os tratamentos, procedimentos e medicamentos de cobertura obrigatória.

A interpretação jurisprudencial do rol da ANS tem evoluído significativamente nos últimos anos. Inicialmente concebido como rol exemplificativo, permitindo a cobertura de tratamentos não listados quando comprovada sua eficácia e necessidade médica, o documento passou a ser objeto de intensa discussão após decisões do STJ que reconheceram sua natureza taxativa. Contudo, esta interpretação deve ser analisada com cautela, pois não pode resultar na negativa de cobertura de tratamentos essenciais à preservação da vida e da dignidade do paciente.

A questão dos medicamentos de uso domiciliar representa um dos principais pontos de tensão entre operadoras e usuários. Tradicionalmente, os planos de saúde sustentam que sua obrigação se limita aos medicamentos utilizados durante internações hospitalares ou procedimentos ambulatoriais, excluindo aqueles prescritos para uso doméstico. Esta interpretação, embora encontre respaldo em certos dispositivos normativos, tem sido progressivamente questionada pela jurisprudência, especialmente quando se trata de medicamentos essenciais para a continuidade do tratamento iniciado em ambiente hospitalar ou quando constituem a única alternativa terapêutica disponível.

A análise da jurisprudência revela que os tribunais têm adotado critérios específicos para determinar a obrigatoriedade de cobertura medicamentosa. Primeiramente, exige-se que a patologia esteja coberta pelo plano de saúde contratado, não sendo possível pleitear medicamentos para doenças excluídas da cobertura contratual. Em segundo lugar, é necessária prescrição médica devidamente fundamentada, com indicação clara da necessidade do medicamento específico e de sua adequação ao quadro clínico do paciente. Adicionalmente, deve ser demonstrada a inexistência de alternativa terapêutica eficaz já contemplada no rol da ANS ou disponível na rede credenciada da operadora.

Os medicamentos de alto custo merecem consideração especial neste contexto. Frequentemente utilizados no tratamento de doenças raras ou de condições clínicas complexas, estes fármacos apresentam valor econômico significativo, o que intensifica a resistência das operadoras em autorizar sua cobertura. A jurisprudência tem reconhecido que o alto custo do medicamento, por si só, não constitui justificativa válida para a negativa de cobertura, especialmente quando comprovada sua necessidade clínica e ausência de alternativas terapêuticas adequadas. Nestes casos, prevalece o princípio da preservação da vida e da dignidade humana sobre considerações meramente econômicas.

A questão dos medicamentos experimentais ou ainda não registrados pela Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária apresenta nuances específicas que merecem análise cuidadosa.

A recusa injustificada de cobertura medicamentosa configura prática abusiva, sujeita às sanções previstas no CDC. Além da obrigação de custear o tratamento, a operadora pode ser condenada ao pagamento de indenização por danos morais, considerando o sofrimento e a angústia causados ao paciente pela negativa de cobertura.

Portanto, o beneficiário do plano de saúde deve ter o direito à saúde efetivamente resguardado com o tratamento prescrito por seu médico e não o tratamento de escolha da operadora.

Lorena Loureiro Chagas

VIP Lorena Loureiro Chagas

Advogada pós graduada em direito público. Especialista em direito à saúde.

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