Além da taxa média do Bacen: Como o repetitivo do STJ redefine os critérios de abusividade nos contratos bancários
A afetação de repetitivo no STJ sobre abusividade dos juros bancários representa uma evolução jurisprudencial significativa. Abandonando a simples comparação com a taxa média do BACEN, a Corte adota critérios multifatoriais que consideram as peculiaridades de cada contratação.
quarta-feira, 17 de setembro de 2025
Atualizado em 16 de setembro de 2025 11:23
No âmbito dos Tribunais Estaduais, é recorrente a discussão acerca da abusividade contida na taxa de juros remuneratórios cobrada pelas instituições financeiras e a possibilidade de limitação à taxa média do mercado.
Durante muitos anos, prevaleceu a prática de comparar os percentuais aplicados nos contratos com a taxa média divulgada pelo Bacen - Banco Central do Brasil, admitindo-se a redução da taxa diante da simples constatação de discrepância significativa entre ambas, sem que houvesse a análise circunstancial dos demais aspectos da pactuação.
No entanto, o entendimento do STJ vem se consolidando no sentido de que a mera comparação com a média do Bacen, por si só, é insuficiente para caracterizar abusividade da taxa de juros remuneratórios livremente pactuada pelas instituições financeiras, na medida em que seria imprescindível a demonstração cabal da alegada onerosidade excessiva no caso concreto, a ensejar a revisão do contrato.
Quando do julgamento do Tema repetitivo 27, em 22/10/08, foi firmada a seguinte tese:
"É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, §1 º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto."
Já em julgados recentes, a Corte orienta que a análise acerca da abusividade deve ser mais abrangente e abarcar as peculiaridades a serem analisadas, mediante verificação de fatores como (i) o tipo da contratação; (ii) o custo de captação dos recursos; (iii) o spread da operação; e (iv) a análise de risco de crédito do contratante1.
Essa orientação vem sendo aplicada não apenas em contratos firmados com instituições bancárias, mas também com fintechs. Em recente julgado envolvendo uma SCD - Sociedade de Crédito Direto, foi dado provimento ao recurso especial interposto pela instituição financeira em face de acórdão que entendeu pela limitação dos juros remuneratórios à taxa média do mercado, para que os autos retornassem ao Tribunal de origem, a fim de que, mediante análise das peculiaridades do caso, se verifique a presença ou não dos critérios ensejadores à revisão dos juros remuneratórios2.
Apesar da orientação firmada, a matéria permanece controversa e compreende uma das discussões mais recorrentes, tanto no âmbito do STJ, como também dos Tribunais de Justiça Estaduais.
Diante das divergências de entendimento e da relevância do tema, no último dia 2/9/25, o STJ, sob relatoria do ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, declarou, ao rito dos recursos repetitivos3, a afetação da controvérsia relativa à limitação das taxas de juros remuneratórios estabelecidos em contratos bancários de acordo com as taxas médias de mercado divulgadas pelo Bacen ou em outros critérios previamente definidos.
Consoante apontado pela Corte, no julgamento do repetitivo serão definidas as seguintes questões:
(i) suficiência ou não da adoção das taxas médias de mercado divulgadas pelo Banco Central do Brasil ou de outros critérios previamente definidos como fundamento exclusivo para a aferição da abusividade dos juros remuneratórios em contratos bancários; e
(ii) (in)admissibilidade dos recursos especiais interpostos para a rediscussão das conclusões dos acórdãos recorridos quanto à abusividade ou não das taxas de juros remuneratórios pactuadas, quando baseadas em aspectos fáticos da contratação.
Nos termos do art. 1.037, § 4º, do CPC4, os recursos afetados com o repetitivo deverão ser julgados dentro do prazo de 1 ano e, uma vez decididos, o acórdão proferido deverá enfrentar os fundamentos jurídicos relevantes à tese discutida, de modo a servir de paradigma vinculante5 e estabelecer a tese aplicável aos casos análogos6, nos termos dos arts. 926, 927, inc. II e 1.039, todos do CPC.
Com isso, à luz do recente entendimento que vinha sendo adotado pelo STJ, a previsão é que o julgamento do repetitivo caminhe no sentido de reforçar a necessidade de análise detalhada das circunstâncias fáticas do caso concreto, que justificariam o percentual de juros remuneratórios aplicado pelas instituições financeiras.
Caso esse entendimento se consolide, os reflexos serão amplos e terão impacto direto nos contratos de crédito pessoal, financiamento de veículos e operações de capital de giro para pequenas e médias empresas.
Para bancos, fintechs e demais instituições financeiras, a decisão tende a reforçar a segurança jurídica na fixação de taxas de acordo com o risco de cada operação, desde que devidamente comprovadas mediante uma análise de crédito devidamente fundamentada, além de reduzir o número de ações revisionais baseadas apenas na taxa média do Bacen.
Já para os tomadores de crédito, projeta-se uma necessidade de maior consciência no ato da contratação, na medida em que a simples alegação de que os juros pactuados estariam acima da média não será suficiente para ensejar a revisão contratual, trazendo maior relevância à negociação prévia das condições de crédito antes da contratação.
Dessa forma, o julgamento do repetitivo busca uniformizar a jurisprudência sobre o tema e, ao seguir a linha que vem sendo consolidada pelo STJ, tende a reduzir a litigiosidade, coibir ações revisionais genéricas baseadas apenas na taxa média do Bacen e reforçar a necessidade de um exame minucioso das circunstâncias específicas de cada contrato pelos Tribunais, valorizando a análise fundamentada das condições de crédito realizadas pelas instituições financeiras quando da pactuação dos juros remuneratórios nos contratos.
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1 Nesse sentido, no julgamento do AgInt no AREsp nº 2.554.561/RS, de relatoria do Min. João Otávio de Noronha, restou consignado que "o fato de a taxa contratada de juros remuneratórios estar acima da taxa média de mercado, por si só, não configura abusividade, devendo ser observados, para a limitação dos referidos juros, fatores como o custo de captação dos recursos, o spread da operação, a análise de risco de crédito do contratante, ponderando-se a caracterização da relação de consumo e eventual desvantagem exagerada do consumidor". (STJ, AgInt no AREsp nº 2.554.561/RS, 4ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 9.9.2024)
2 "RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONTRATO BANCÁRIO. AÇÃO DE REVISÃO. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE. TAXA MÉDIA DE MERCADO. TAXA CONTRATADA. COMPARAÇÃO. ANÁLISE DAS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA. 1. O tribunal reconheceu a abusividade dos juros remuneratórios após considerar serem superiores à média de mercado para operações da mesma espécie e na mesma época de pactuação. 2. A taxa média estipulada pelo Bacen foi o único critério utilizado para a limitação dos juros remuneratórios, estando o julgamento em desconformidade com a orientação do Superior Tribunal de Justiça. 3. Recurso especial provido a fim de determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para a análise dos critérios ensejadores de revisão dos juros remuneratórios". (STJ, REsp nº 2 152.686 /RS, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 25.8.2025)
3 STJ, 2ª Seção, ProAfR no REsp n. 2.227.276/AL, Rel. Min. ANTONIO CARLOS FERREIRA, j. 2.9.2025.
4 "Art. 1.037. (...) § 4º Os recursos afetados deverão ser julgados no prazo de 1 (um) ano e terão preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus".
5 ALVIM, Teresa et al, Manual de Direito Processual Civil. 21. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024, p. RB-40.10.
6 JUNIOR, Humberto Theodoro, Curso de Direito Processual Civil. 52. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. fl. 1.236.
Paula A. Abi Chahine Yunes Perim
Sócia de Lobo de Rizzo Advogados. Doutora e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Graduada pela PUC/SP. Membro do CBAR. Membro da Comissão Especial de Processo Civil da OAB/SP. Professora de Processo Civil e Arbitragem no Insper/SP. Membro da Diretoria do CEAPRO.
Camila Pelafsky de Almeida Oliveira
Advogada no Lobo de Rizzo Advogados. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Carolina da Silva Marques
Advogada no Lobo de Rizzo Advogados. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Graduada pela PUC/Campinas.




