MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. O nepotismo no alto escalão: De Karina Milei aos rincões do Brasil

O nepotismo no alto escalão: De Karina Milei aos rincões do Brasil

Discussão sobre nepotismo em cargos políticos, sua constitucionalidade e os impactos éticos na Administração Pública, à espera de definição do STF.

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Atualizado às 09:08

Passado o julgamento do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e demais réus, na ação penal 2.668, que mobilizou o C. STF nos primeiros dias de setembro, muito provavelmente, o tema "nepotismo e agente políticos", que teve de ser adiado por conta do longo julgamento da citada ação, voltará a ser objeto de pauta na Corte Suprema.

O assunto, embora não tenha o destaque que teve a ação penal 2.668, é também de extrema importância para o cenário da Administração Pública no Brasil, isso porque tal processo definirá o alcance do que se entende por nepotismo, mais especificamente, o alcance, ou não, de cargos considerados "políticos", como os de secretário municipal (RE 1.133.118 - Tema 1.000).

Nepotismo foi definido, primeiramente, pela súmula vinculante 13 do STF, que preconiza que: "A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal." 

Depois, a lei 14.230/21 consagrou as vedações, até então, apenas previstas em entendimento jurisprudencial, tornando a conduta, expressamente, caracterizadora de improbidade administrativa (art. 11, XI).

Nada obstante, o próprio STF, que protagonizou a definição dessas nomeações de parentes como inconstitucionais e incompatíveis com a impessoalidade, característica da Administração Pública, em 2019, excluiu, desse entendimento, os cargos de natureza política, ou seja, o alto escalão dos Poderes, como secretários de governo, decidindo que: "NOMEAÇÃO PARA CARGOS POLÍTICOS DO PRIMEIRO ESCALÃO DO PODER EXECUTIVO. CRITÉRIOS FIXADOS DIRETAMENTE PELO TEXTO CONSTITUCIONAL. EXCEPCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DA SV 13 NO CASO DE COMPROVADA FRAUDE. INOCORRÊNCIA. NOMEAÇÃO VÁLIDA. DESPROVIMENTO. PRECEDENTES. 1. O texto constitucional estabelece os requisitos para a nomeação dos cargos de primeiro escalão do Poder Executivo (Ministros), aplicados por simetria aos Secretários estaduais e municipais. 2. Inaplicabilidade da SV 13, salvo comprovada fraude na nomeação, conforme precedentes (...)." (Rcl 34.413 AgR, rel. min. Alexandre de Moraes, 1ª T, j. 27-9-2019, DJE 220 de 10-10-2019.)

O tema, todavia, não está pacificado. 

O ministro Roberto Barroso, na apreciação do pedido cautelar na reclamação 12.478 (DJe de 16/3/18) deferiu a medida liminar para afastar o secretário de Educação do município de Queimados sob os seguintes fundamentos: "Registro, ainda, que a apreciação indiciária dos fatos relatados, própria do juízo cautelar, leva a conclusão desfavorável ao reclamado. É que não há, em passagem alguma das informações prestadas pelo município, qualquer justificativa de natureza profissional, curricular ou técnica para a nomeação do parente ao cargo de secretário municipal de educação. Tudo indica, portanto, que a nomeação impugnada não recaiu sobre reconhecido profissional da área da educação que, por acaso, era parente do prefeito, mas, pelo contrário, incidiu sobre parente do prefeito que, por essa exclusiva razão, foi escolhido para integrar o secretariado municipal. Ante o exposto, defiro a cautelar pleiteada pelo reclamante para determinar o afastamento de Lenine Rodrigues Lima do cargo de secretário estadual de educação do município de Queimados, até o julgamento final da presente reclamação."

Na mesma esteira, a exposição do ministro Edson Fachin em outro julgamento: "A Reclamada e as partes beneficiadas sustentam, no mérito, (...) que (...) foram nomeados para cargo de natureza política, em face do qual não se aplicaria a Súmula Vinculante 13. (...) Em que pesem as decisões do Tribunal excepcionando a sua incidência a cargos de natureza política, a orientação que emerge dos debates da aprovação da Súmula, assim como dos precedentes que lhe deram origem, não autoriza a interpretação segundo a qual a designação de parentes para cargo de natureza política é imune ao princípio da impessoalidade. Noutras palavras, cargos políticos também estão abrangidos pela Súmula Vinculante. Essa conclusão decorre dos próprios fundamentos pelos quais o Tribunal reconheceu na proibição de nepotismo uma zona de certeza dos princípios da moralidade, da impessoalidade e da eficiência. (...) A interpretação que excepciona da incidência da Súmula Vinculante os cargos de natureza política não encontra, portanto, amparo na Constituição. (...) Ante o exposto, julgo integralmente procedente a presente reclamação para cassar: (...)." (Rcl 26.448, rel. min. Edson Fachin, dec. monocrática, j. 12-9-2019, DJE 201 de 17-9-2019.)

E a constatação dos eminentes ministros não são de casos isolados. É o reflexo do que acontece, a todo tempo, nos mais diversos municípios, pelos rincões deste imenso país.

Em nome do Ministério Público do Estado de São Paulo, que originou a ação destacada, o sub-procurador-geral de Justiça, Wallace Paiva Martins Júnior, afirmou que a CF/88 não admite exceções que permitam a nomeação de parentes para cargos políticos, destacando que "sua prática mais contundente se situa nesse nível, e é nesse nível que se desgastam os valores éticos da administração pública".

O argumento de quem defende a possibilidade de nomeação de parentes para "cargos políticos" é a de que a pessoa nomeada deve ser de confiança do nomeante, e que ninguém melhor do que alguém de sua própria família para que lhe seja confiada tamanha missão.

Outra colocação é a de que nos menores municípios do país, com número de habitantes reduzido, seria difícil preencher os cargos de governança sem esbarrar com algum parente, até pela falta de indivíduos qualificados a ocuparem tais cargos.

Mas, afinal, em que momento nos esquecemos do que diz o caput do art. 37 da CF/88? Onde tudo começa e a partir de onde devemos sempre nos balizar. 

Tal dispositivo é claro ao trazer que: "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]."

E todo o restante elencado ao longo de seus 22 incisos e mais alguns parágrafos, que balizam as premissas da Administração Pública, devem respeitar os princípios norteadores do caput. Nenhum cargo, nenhuma função pública, e nenhum servidor ou funcionário público, seja concursado, nomeado ou eleito, poderá se afastar de tais premissas. 

Não deve ser diferente com o "cargo político", que ainda que tenha suas peculiaridades dentro da definição e classificação do Direito Administrativo, não deixa de pertencer, de início e ao cabo, ao conceito de funcionário público ou agente público em sentido amplo.

Conforme previsto no art. 2º da lei 8.429, de 2/6/ 1992, com redação dada pela lei 14.230, de 25/10/21: "Para os efeitos desta Lei, consideram-se agente público o agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas no art. 1º desta Lei."

Entender em sentido contrário é dar espaço a apadrinhamentos, e possibilitar que a gestão pública se torne um verdadeiro balcão de negócios, sem justificativa e em descompasso com o que prega a Carta Maior.

Em pleno século XXI, não se pode aceitar que a coisa pública seja disposta para se satisfazer interesses particulares, beneficiando familiares do gestor, deixando de lado pessoas com maior capacidade técnica e melhor currículo, para apadrinhar os mais íntimos, garantindo emprego aos familiares.

Ao contrário, aquele que é eleito a gerir a coisa pública, deve atuar com zelo e impessoalidade. E a autorização, pelo Judiciário, da nomeação de parentes para cargos políticos é a chancela da improbidade.

A experiência mostra que os resultados são desastrosos, e o mais recente exemplo vem de fora, com o escândalo de corrupção envolvendo Karina Milei, irmã do atual presidente da Argentina e secretária de Governo, braço direito do irmão, que, ao que tudo indica, está diretamente envolvida no desvio de verbas que deveriam ser destinadas ao tratamento de pessoas com deficiência.

Os cargos públicos, quaisquer que sejam, devem ser ocupados pela pessoa que melhor competência tenha para ocupá-los, que melhor poderá contribuir para uma boa gestão da coisa pública, sem que se dê espaço para se beneficiar este ou aquele, e um passo importante para a moralização da Administração Pública está nas mãos da mais alta corte do país, ansiando-se por uma reposta à altura do que merece o nosso país.

Patrícia Frighetto Gasparini

Patrícia Frighetto Gasparini

Promotora de Justiça do Estado de São Paulo, atuante na área do Patrimônio Público.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca