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Promoção pessoal: Os limites constitucionais reafirmados pelo STJ

O STJ não proibiu prefeitos de divulgar ações, apenas reafirmou que recursos públicos não podem ser usados para autopromoção, preservando a impessoalidade e a ética da comunicação pública.

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Atualizado às 10:45

Nos últimos dias, algumas manchetes ganharam força nas redes sociais afirmando que o STJ teria "proibido prefeitos de divulgarem ações de governo em suas redes pessoais". Essa leitura, no entanto, não corresponde ao que de fato foi decidido. Trata-se de um exemplo claro de como a simplificação midiática pode distorcer a compreensão pública sobre julgados importantes e, com isso, gerar desinformação.

O caso analisado pelo STJ não envolvia genericamente prefeitos ou a divulgação cotidiana de políticas públicas, mas sim uma ação de improbidade administrativa movida contra o ex-prefeito de São Paulo, João Doria. A controvérsia central estava no uso de verbas e estruturas públicas para financiar campanhas de promoção pessoal, isto é, ações de comunicação governamental que ultrapassavam o dever de informar e se confundiam com autopromoção do gestor, em benefício de sua imagem pessoal e política. O STJ, ao autorizar o prosseguimento da ação, reforçou a linha já consagrada de que a comunicação institucional deve respeitar a Constituição e as leis que proíbem a personalização da publicidade oficial, vedando qualquer uso da máquina pública para a construção de propaganda pessoal.

A distinção é crucial: prefeitos, governadores e demais gestores têm não apenas a permissão, mas o dever de prestar contas e divulgar as políticas, programas e serviços públicos sob sua responsabilidade. A publicidade institucional, quando feita com recursos próprios do gestor (sem uso do erário) ou de forma transparente em canais oficiais, é instrumento legítimo da comunicação pública e do marketing governamental. O que é vedado é a apropriação da estrutura estatal para produzir conteúdo que ultrapasse a fronteira da informação e adentre a esfera da promoção pessoal, o que caracteriza desvio de finalidade e ofensa ao princípio da impessoalidade previsto no art. 37 da Constituição.

Essa diferença entre comunicação pública e propaganda pessoal é explorada na literatura especializada. O marketing público, como aponta Layon Cezar, não pode ser confundido com "propaganda política" ou com a lógica mercadológica da promoção de um produto; sua finalidade maior é garantir a satisfação do cidadão e o engajamento social, respeitando os limites éticos e legais. Por isso, a própria doutrina diferencia a comunicação governamental, de caráter institucional e impessoal, da comunicação política e eleitoral. Enquanto a primeira busca informar e aproximar o cidadão da gestão, a segunda tem como objetivo a disputa de narrativas eleitorais, e não pode ser financiada com recursos públicos.

Ao interpretar os julgados recentes do STJ, deve-se destacar que não houve "proibição genérica" ao uso de redes pessoais para divulgação de atos de governo. O que se reafirmou foi a vedação de utilizar recursos públicos para promoção pessoal, seja em campanhas publicitárias formais, seja em estratégias híbridas de comunicação. É o mesmo raciocínio que há anos orienta o controle das contas públicas pelo Tribunal de Contas e pelo Judiciário: o dinheiro público deve ser empregado na comunicação do serviço público, não na exaltação do governante.

Esse episódio revela também um desafio contemporâneo: em tempos de redes sociais, a linha entre comunicação institucional e pessoal tornou-se mais tênue. Prefeitos e governadores frequentemente utilizam seus perfis pessoais para divulgar programas e inaugurações, prática que em si não é ilícita quando não há gasto público vinculado. O risco surge quando há convergência entre os aparatos da máquina pública e a promoção individual do gestor.

Em suma, a verdade sobre os julgados é mais precisa do que as manchetes sugerem: o STJ não proibiu prefeitos de divulgarem suas ações, mas reafirmou que não se pode utilizar recursos públicos para fazer autopromoção sob o disfarce de comunicação institucional. Trata-se de um chamado à ética na gestão da informação pública, que deve servir ao cidadão e não ao marketing pessoal do governante. Esse entendimento preserva o princípio republicano, fortalece a impessoalidade administrativa e convida à reflexão crítica sobre o papel do marketing público na democracia brasileira.

Ao aprofundar a reflexão, é importante compreender que a comunicação governamental cumpre uma função constitucionalmente reconhecida: garantir transparência, prestar contas à sociedade e facilitar o acesso dos cidadãos a políticas e serviços públicos. Ela deve ser impessoal, informativa e voltada ao interesse coletivo. Por isso, a própria Constituição Federal, no art. 37, § 1º, estabelece que a publicidade dos atos, programas, obras e serviços públicos deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, sendo vedada a inclusão de nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores. Esse dispositivo é o eixo central que orienta tanto os órgãos de controle quanto o Poder Judiciário na análise de casos envolvendo propaganda governamental.

O equívoco que se disseminou nas redes sociais decorre de uma leitura reducionista da decisão do STJ. Não se tratou de uma censura ao uso de redes sociais por prefeitos, mas da constatação de que o uso da máquina estatal para construir uma narrativa personalizada em torno de um gestor configura improbidade administrativa. No caso de João Doria, as campanhas questionadas foram financiadas com recursos públicos e apresentavam elementos que ultrapassavam a mera prestação de contas, evidenciando finalidade promocional. A decisão, portanto, reafirma um entendimento consolidado: não há problema em divulgar ações governamentais, desde que isso seja feito de forma institucional e impessoal, sem apropriação indevida da publicidade oficial para fins pessoais.

A confusão entre comunicação pública e promoção pessoal também encontra eco na literatura sobre marketing público. O campo do marketing aplicado ao setor estatal não se confunde com marketing eleitoral nem com publicidade mercadológica. Como aponta a doutrina, sua função é estabelecer trocas simbólicas e informacionais entre Estado e sociedade, fortalecendo a cidadania e promovendo o engajamento coletivo. Quando um governante instrumentaliza essa ferramenta para exaltar sua imagem, rompe-se a lógica cidadã da comunicação pública e instala-se o risco de desvirtuamento da função do Estado em favor de interesses individuais.

É nesse ponto que reside o verdadeiro alerta do STJ: a linha entre comunicação legítima e propaganda ilícita é tênue e exige cautela dos gestores públicos. A presença de redes sociais pessoais amplia o desafio, pois o mesmo canal pode ser utilizado para fins privados e, simultaneamente, para prestar contas à população. Enquanto não houver uso de recursos públicos, trata-se de exercício legítimo de liberdade de expressão e de transparência do agente. Contudo, quando há a mobilização do aparato estatal, equipes de comunicação oficiais, verba de publicidade, impulsionamento pago com dinheiro público, a situação muda de figura, e a análise deve considerar a vedação constitucional à promoção pessoal.

Portanto, ao contrário do que circula nas manchetes simplificadas, o STJ não "barrou prefeitos de usarem redes pessoais para divulgar ações de governo". O que está em discussão é a utilização de recursos públicos para autopromoção, conduta que atenta contra os princípios da administração pública e pode configurar improbidade. A mensagem que se extrai dos julgados não é de proibição genérica, mas de reforço a um princípio já antigo: a publicidade estatal deve ser instrumento de cidadania, e não de culto à personalidade do gestor.

Esse debate revela, por fim, a necessidade de maior maturidade institucional na forma como a comunicação governamental é planejada e executada. Como lembra a literatura especializada, marketing público não é propaganda política, mas um meio de aproximar cidadãos e Estado, fortalecendo a confiança e a participação social. Ao permitir que a desinformação se espalhe, corre-se o risco de criar insegurança jurídica e deslegitimar a comunicação pública, quando o que se deve fortalecer é a clareza: divulgar atos de governo é dever; personalizar a comunicação com recursos públicos é desvio.

Esse é o verdadeiro núcleo dos julgados do STJ, e essa é a verdade que precisa ser resgatada para além das manchetes apressadas. A pauta que emerge, então, não é a do silêncio das autoridades nas redes sociais, mas a do uso ético e republicano da comunicação estatal.

Conclui-se, portanto, que a controvérsia em torno da decisão do STJ foi indevidamente transformada em narrativa de censura ou proibição ampla de prefeitos divulgarem seus atos de governo, quando na realidade a Corte apenas reafirmou o que a Constituição já determina: a comunicação pública deve servir ao interesse coletivo e jamais se converter em instrumento de autopromoção pessoal. O caso de João Doria é ilustrativo não porque impede gestores de informarem a população, mas porque evidencia o risco do uso de verbas públicas em campanhas que ultrapassam o dever de transparência e enveredam para o marketing individual.

Ao separar comunicação institucional de propaganda pessoal, o STJ protege os princípios da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, pilares do art. 37 da Constituição. Não se trata de restringir a voz de prefeitos e governadores, mas de garantir que o espaço da comunicação governamental seja ocupado pela cidadania e não pelo culto à personalidade. Cabe aos gestores compreender que a publicidade oficial é patrimônio público e que seu uso exige responsabilidade e ética.

Assim, o debate atual deve ser visto como oportunidade de amadurecimento institucional: fortalecer a comunicação pública, ampliar a transparência e promover o engajamento da sociedade. Quando a comunicação governamental se mantém fiel à sua finalidade, informar, educar e orientar, cumpre seu papel democrático. Quando se desvirtua para a promoção pessoal, torna-se ilícita. Essa é a verdade sobre os julgados recentes: não há proibição de informar, há apenas a reafirmação de que o poder público não pode ser apropriado como palanque privado.

Edgar Hualker Biazon Dias

Edgar Hualker Biazon Dias

Advogado especializado em Direito Público, com atuação em consultoria municipal, orçamento, previdência e defesa técnica perante o TCE-SP.

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