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Segredos antes da porteira: O papel da investigação patrimonial no agronegócio

Descubra como a duo diligence no agro vai além da análise superficial, moldando transações que garantem a solidez e a prosperidade do agronegócio no futuro.

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Atualizado às 13:54

Introdução

Em termos legais, o agronegócio é visto como uma rede complexa de negócios, indústrias e serviços que unem a produção agrícola, a transformação industrial de itens do campo e sua venda. O desenvolvimento e a popularização de novas tecnologias deram um grande impulso a esse setor, fazendo dele um alicerce da economia mundial. 

Em relação ao nosso país, este se destaca como um dos maiores produtores de alimentos do planeta, possuindo uma enorme capacidade de produção. Essa evolução vem do fortalecimento do mercado, do aumento da área cultivada e do aumento da demanda da população brasileira, juntamente com o avanço constante da tecnologia no campo. 

Nesse contexto de intensa atividade econômica, tem-se observado uma intensificação das operações de fusões e aquisições (M&A - Mergers and Acquisitions) envolvendo empresas do agronegócio ou entre os próprios produtores rurais. Tais transações são estratégicas para a consolidação de mercado, a diversificação de operações e a obtenção de acesso a novas tecnologias, visando o aumento da produtividade e a expansão. 

É nesse cenário que a due diligence surge como uma ferramenta legal e estratégica para diminuir riscos e confirmar informações, essencial para o sucesso das operações de M&A no setor. É uma investigação patrimonial detalhada feita antes de fechar um negócio. O termo vem do Direito Romano, "diligentia quam suis rebus", que significa o cuidado que alguém tem com suas próprias coisas. 

O objetivo desta investigação patrimonial prévia é permitir que a parte interessada na aquisição ou fusão apure a real situação patrimonial, identificando e mensurando os riscos inerentes à celebração do negócio. Essa diligência é uma providência de suma importância para evitar futuros litígios ou questionamentos por parte de terceiros ou de órgãos públicos. No âmbito do agronegócio, sua relevância é ainda maior, especialmente em transações que envolvem a aquisição de imóveis rurais, cuja análise da situação jurídica é um requisito fundamental para a segurança da operação e do próprio produtor, evitando os chamados "calotes" e futuros endividamentos.

O agronegócio: Um setor com particularidades na due diligence 

Ao abordar o agronegócio e as transações que nele se realizam, tem-se que considerar a complexidade intrínseca de sua cadeia produtiva. Esta cadeia se estende desde a fase primária, que abrange a produção agrícola e pecuária, conhecida como "porteira para dentro", até as etapas subsequentes de industrialização e comercialização, denominadas "porteira para fora". 

A atividade no campo, por si só, carrega consigo um certo grau de incerteza. Isso acontece porque ela está sujeita a situações que o produtor não pode controlar, como a volatilidade dos preços de commodities, a imprevisibilidade de fatores climáticos, as exigências ambientais e de sustentabilidade, além de aspectos fundiários e regulatórios. 

Diante desse cenário, a realização da due diligence no agronegócio demanda uma abordagem multidisciplinar, sendo indispensável a participação de especialistas de diversas áreas, incluindo profissionais com expertise jurídica, financeira, contábil, ambiental, fundiária e operacional. O objetivo principal é identificar e mitigar qualquer risco existente ao longo de uma operação de fusão e aquisição, garantindo a segurança e a conformidade do negócio tanto para as empresas, quanto para os produtores envolvidos no ramo. 

Tipos de due diligênce e suas aplicações no agronegócio 

Para assegurar a robustez e a segurança em operações de fusões e aquisições no setor agrário, a condução de uma investigação patrimonial prévia é medida que se impõe. Portanto, devido à volatilidade e aos riscos inerentes a essa área, a due diligence deve ser realizada por etapas, envolvendo outros ramos profissionais, utilizando-se de vertentes jurídica, econômico-financeira e técnica. A due diligence jurídica foca na análise de questões imobiliárias, contratuais, ambientais, societárias, trabalhistas e tributárias. Já a due diligence econômico-financeira avalia a saúde financeira da empresa-alvo, enquanto a diligência técnica vistoria instalações, equipamentos, suas limitações e produtividade. A realização cuidadosa dessas análises permite uma avaliação completa e reduz possíveis problemas que possam aparecer no futuro. 

A aplicação da due diligence é de especial importância na aquisição de bens imobiliários rurais. Nesses casos, a análise busca avaliar a qualidade dos títulos de propriedade para identificar problemas que possam afetar a titularidade ou posse do imóvel, verificar a situação da posse no local para encontrar possíveis disputas ou direitos de terceiros e assegurar que documentos essenciais, como o georreferenciamento e o CCIR, estejam válidos e em dia. Adicionalmente, busca-se detectar dívidas fiscais e ambientais (propter rem) relacionadas ao imóvel e investigar a existência de dívidas em nome dos vendedores e antecessores nos últimos 10 anos, a fim de evitar o risco de fraude contra credores. 

Todavia, no agronegócio, a due diligence vai além das grandes operações societárias e imobiliárias, podendo também ser utilizada para: 

  • Contratos agrários: A auditoria de contratos de parceria, arrendamento, leasing ou compra e venda de commodities é essencial para verificar a validade das cláusulas, o histórico de cumprimento pelas partes e a existência de passivos; 
  • Financiamentos e securitização: Antes de conceder um crédito ou emitir títulos de dívida, como o CRA - Certificado de Recebíveis do Agronegócio, as instituições financeiras e investidores conduzem uma due diligence para avaliar a saúde financeira do produtor ou da empresa, a qualidade dos ativos dados em garantia e a regularidade de sua produção;
  • Acordos de fornecimento: A análise de fornecedores de insumos ou compradores de produtos agrícolas é cada vez mais importante para garantir a rastreabilidade, a conformidade ambiental e a solidez financeira dos parceiros comerciais. A due diligence aqui ajuda a evitar riscos de reputação e operacionais;
  • Estruturas societárias: A criação de holdings rurais ou a reestruturação de empresas familiares no setor também se beneficia da due diligence, que garante a regularidade fiscal, trabalhista e sucessória, evitando problemas futuros e otimizando a governança. 

Em todos esses casos, a due diligence atua como um mecanismo de segurança jurídica e estratégica, permitindo que as partes envolvidas tomem decisões informadas e mitiguem os riscos inerentes à complexidade e à volatilidade do setor. 

Desafios e boas práticas na due diligence do agronegócio 

A condução de uma investigação patrimonial no setor do agro apresenta obstáculos específicos que a diferenciam de transações em outros ramos. 

Primeiramente, a falta de padronização do setor é vasta e heterogênea, com empresas que variam de pequenos produtores a grandes holdings internacionais. Como não existe um modelo único para organizar e coletar informações financeiras, operacionais e ambientais, a análise fica mais difícil. Muitas vezes, os dados estão espalhados em vários sistemas, em formatos que não são digitais, o que exige um trabalho cuidadoso para organizar e confirmar tudo. 

Além disso, ao contrário de ativos fixos, como maquinário, os ativos biológicos (lavouras, rebanhos, florestas) são dinâmicos e difíceis de precificar. Seu valor varia conforme o clima, as fases de crescimento, a época do ano e as mudanças nos preços dos produtos agrícolas. A avaliação precisa desses ativos exige o uso de dados históricos de produtividade, projeções de mercado e, muitas vezes, o acompanhamento in loco por especialistas. 

Outro fator relevante é a valoração de terras e imóveis rurais, pois a precificação de terras no agronegócio não se baseia apenas no tamanho da área. Fatores como a qualidade do solo, o histórico de uso, a disponibilidade hídrica, a geolocalização e as restrições ambientais (como a existência de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal) são cruciais. A falta de um padrão nos critérios de avaliação pode causar grandes diferenças, o que torna a confirmação do valor um desafio complexo. 

Para diminuir os riscos e garantir que o processo seja bem feito, é essencial adotar estratégias avançadas. 

Portanto, visando sanar tais dificuldades é importante se utilizar de meios que facilitam a pesquisa e maximize o resultado, utilizando-se da tecnologia, como ferramentas modernas de "big data" e sensoriamento remoto, além disso, drones, imagens de satélite e sensores instalados no campo podem fornecer dados precisos sobre a saúde da plantação, a qualidade do solo e a produção ao longo do tempo, oferecendo uma visão detalhada que vai além dos documentos tradicionais. 

Em resumo, cada transação é única, ou seja, em vez de aplicar um roteiro genérico, é essencial elaborar um plano detalhado e personalizado para cada operação de fusão ou aquisição. Esse plano deve identificar os riscos específicos da empresa e/ou produtor que está sendo analisada(o) e do setor em que atua, dando prioridade às áreas mais importantes. Essa abordagem estratégica não só aumenta a eficiência, mas também garante uma análise mais completa e precisa, dando mais segurança tanto para quem compra quanto para quem vende.

Conclusão 

Por fim, fica claro que o agronegócio não é apenas a força motriz da economia brasileira, mas um ambiente cada vez mais dinâmico e complexo, onde as operações de fusão e aquisição se tornam estratégicas. Nesse cenário, a due diligence surge como um processo indispensável que vai muito além de uma simples checagem prévia. 

Como vimos, essa investigação patrimonial é a bússola que orienta as transações, garantindo a segurança jurídica e patrimonial dos negócios no campo. Ela se aprofunda nas particularidades do setor, desde a instabilidade dos ativos biológicos até a complexidade da legislação rural e ambiental. 

Portanto, em um futuro em que as parcerias no agronegócio serão cada vez mais cruciais, investir em uma due diligence completa e estratégica não é um gasto, mas um investimento e um passo fundamental para mitigar riscos, valorizar a operação e, acima de tudo, garantir que o crescimento no campo seja sólido, seguro e duradouro, fortalecendo as empresas do ramo e o mais importante: o produtor rural.

Gabriel Pintor de Melo Silva

Gabriel Pintor de Melo Silva

Gabriel Pintor é advogado especialista em investigação patrimonial e pós-graduando em Direito do Agronegócio. Possuí experiência com direito bancário e com técnicas de negociação.

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