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STF fixa critérios cumulativos para cobertura fora do rol e avança na segurança jurídica para o setor de saúde suplementar

Tratamentos fora do rol da ANS passam a seguir critérios claros, trazendo previsibilidade e segurança jurídica ao setor.

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Atualizado em 2 de outubro de 2025 13:57

O STF encerrou recentemente o julgamento da ADIn 7.265, proposta pela Unidas - União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde, sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, e que discutia os limites do rol da ANS e a possibilidade de cobertura de tratamentos não listados. A decisão representa um marco regulatório e jurídico para o setor de saúde suplementar, ao impor critérios técnicos objetivos e reduzir o espaço para a judicialização indiscriminada.

Em 2022, mediante a promulgação da lei 14.454/22, que alterou alguns arts. da lei 9.656/1998 - sobretudo aqueles relativos ao rol de procedimentos1 -, tentou-se estabelecer critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar da ANS de maneira mais previsível para o mercado.

A alteração, todavia, deixou regras muito fluídas ao colocar apenas dois requisitos opcionais para que tratamentos fora do rol fossem autorizados e deu início a uma discussão doutrinária e jurisprudencial sobre o caráter taxativo ou exemplificativo do rol, o que acabou levando a jurisprudência, inclusive do STJ2, a reconhecer um caráter taxativo mitigado extremamente inseguro para as seguradoras.

A ideia era conferir segurança contratual e previsibilidade atuarial, mas a realidade vinha sendo de bastante insegurança jurídica, impondo às operadoras a cobertura de procedimentos de alto custo, muitas vezes sem comprovação científica consistente e de forma absolutamente imprevisível.

Diante desse cenário, a ADIn 7.265 foi ajuizada pela Unidas, entidade representativa das operadoras, com o objetivo de desafiar a constitucionalidade da lei 14.454/22, afastar o caráter exemplificativo e restaurar previsibilidade econômica do mercado de seguro saúde.

Importante ressaltar que a imprevisibilidade e as muitas liminares com tratamentos de elevadíssimos valores, em algumas ocasiões de maneira fraudulenta e criminosa, também impactam negativamente o bolso de todos nós consumidores, pois o sistema de saúde suplementar é regido pelo princípio da mutualidade. Em outras palavras, quando o sistema paga por algo não previsto, que não entrou na formação do seu preço, passa a cobrar mais de outros clientes.

Por ocasião desse recente julgamento, o STF não acolheu integralmente a tese da taxatividade, mas tampouco confirmou a ampliação que vinha sendo praticada até então. A Corte fixou um modelo intermediário: o rol da ANS permanece como referência básica de cobertura e tratamentos não listados só poderão ser autorizados se cumprirem cinco requisitos cumulativos:

  1. Prescrição médica fundamentada.
  2. Inexistência de alternativa eficaz no rol.
  3. Comprovação científica da eficácia.
  4. Recomendação por órgãos técnicos nacionais ou internacionais de autoridade reconhecida.
  5. Registro na Anvisa, quando aplicável.

A decisão do STF equilibra inovação e sustentabilidade. Ao disciplinar a cobertura extra-rol por critérios técnicos objetivos e cumulativos, a Corte fortalece a regulação da ANS, reduz incertezas e oferece às operadoras um ambiente mais racional e previsível.

O efeito imediato é a previsibilidade atuarial: planos de saúde poderão precificar contratos com maior precisão, minimizando riscos de surpresas financeiras decorrentes de ampliações judiciais de cobertura de procedimentos, o que ainda acontecerá, mas em menor medida. Esse cenário contribui para a sustentabilidade do setor e para a manutenção de planos acessíveis para os beneficiários, que naturalmente têm sofrido com reajustes anuais na exata medida dos custos imprevisíveis que têm sido imputados aos planos.

Outro impacto relevante é o fortalecimento da regulação. A decisão reafirma o protagonismo da ANS como núcleo técnico de governança, responsável por avaliar a incorporação de novos procedimentos. Isso reduz a fragmentação decisória e garante maior racionalidade ao sistema.

Naturalmente ainda há a possibilidade de tratamentos não previstos no rol serem autorizados pelo próprio plano ou por imposição judicial, mas isso será menos frequente, de modo que o resultado do julgamento pode ser visto como um avanço institucional que preserva a estabilidade do setor de saúde suplementar e reafirma a importância da segurança jurídica como fundamento para sua evolução.

_____________________

1 § 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:

I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou

II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais."

2 EREsp 1.886.929/SP e EREsp 1.889.04/SP

Paulo Rafael de Lucena Ferreira

Paulo Rafael de Lucena Ferreira

Sócio - Serur Advogados. Mestre em Direito Administrativo pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap); LLM em Direito Empresarial pela FGV; Graduado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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