Lei complementar 219/25 e a importância do compliance partidário
Aborda a criação do requerimento de declaração de elegibilidade pela LC 219/25 e traz reflexões sobre a importância do compliance partidário.
quarta-feira, 8 de outubro de 2025
Atualizado às 14:19
A LC 219/25, publicada no Diário Oficial da União de 30/9/25, que altera a lei das inelegibilidades (LC 64, de 1990), para modificar prazos de duração e de fixação dos termos iniciais e finais de contagem de inelegibilidades, assim como altera a lei das eleições (lei 9.504, de 1997), para prever a criação do RDE - Requerimento de Declaração de Elegibilidade, traz dispositivos para a prevenção de riscos durante o registro de candidaturas no processo eleitoral.
Na lei das eleições, o § 1º do art. 11 estabelece os documentos que devem instruir o pedido de registro de candidatura, que são os seguintes: I) cópia da ata da convenção; II) autorização do candidato, por escrito; III) prova de filiação partidária; IV) declaração de bens, assinada pelo candidato; V) cópia do título eleitoral ou certidão de que o candidato é eleitor na circunscrição; VI) certidão de quitação eleitoral; VII) certidões criminais da Justiça Eleitoral, Federal e Estadual; VIII) fotografia do candidato; IX) propostas defendidas pelos candidatos a prefeito, a governador de Estado e a presidente da República.
Esses requisitos legais são considerados, por Adriano Soares da Costa, como verdadeiras "condições de registrabilidade", em que as condições de elegibilidade são exigências constitucionais ou legais para realizar o registro do candidato e a ausência de uma delas impede o direito a registrar (Costa, 2016, p. 82).
De acordo com o § 3º, do art. 14 da CF/88, são condições de elegibilidade, na forma da lei: I) a nacionalidade brasileira; II) o pleno exercício dos direitos políticos; III) o alistamento eleitoral; IV) o domicílio eleitoral na circunscrição; V) a filiação partidária; VI) a idade mínima de: a) 35 anos para presidente e vice-presidente da República e senador; b) 30 anos para governador e vice-governador de Estado e do Distrito Federal; c) 21 anos para deputado Federal, deputado Estadual ou Distrital, prefeito, vice-prefeito e juiz de paz; d) 18 anos para vereador.
Edson de Resende Castro, por sua vez, considera como "condições de registrabilidade", aquelas exigências fixadas na lei eleitoral ou nas resoluções do TSE, que proporcionam meios de instrumentalização do registro da candidatura (Castro, 2018, p. 155).
A resolução TSE 23.609, de 18/12/19, que dispõe sobre a escolha e o registro de candidatas e candidatos para as eleições, nos arts. 18 a 30 trazem os procedimentos do registro de candidatura, dispondo o art. 28, que os requisitos legais referentes à filiação partidária, ao domicílio eleitoral, à quitação eleitoral e à inexistência de crimes eleitorais são aferidos com base nas informações constantes dos bancos de dados da Justiça Eleitoral, sendo dispensada a apresentação de documentos comprobatórios pelos requerentes.
Em uma consulta ao portal de dados abertos do TSE, identificou-se mais de 13.722 processos indeferidos referentes ao registro de candidaturas nas eleições de 2024. Em função dos problemas encontrados nos registros de candidatos, principalmente relacionados às inelegibilidades, tramitava no Congresso Nacional o PLP 192/23, que acrescenta o § 16 ao art. 11 da lei 9.504/1997 (lei das eleições), para prever o RDE - Requerimento de Declaração de Elegibilidade na Justiça Eleitoral.
Agora, com a sanção da LC 219, de 29/9/25, foi alterada a lei das eleições (lei 9.504, de 1997), para prever a criação do RDE - Requerimento de Declaração de Elegibilidade.
O § 16 acrescido ao art. 11 da lei das eleições, tem a seguinte redação:
§ 16. "O pré-candidato que demonstrar dúvida razoável sobre a sua capacidade eleitoral passiva, ou o partido político a que estiver filiado, poderão dirigir à Justiça Eleitoral Requerimento de Declaração de Elegibilidade (RDE) a qualquer tempo, e a postulação poderá ser impugnada em 5 (cinco) dias por qualquer partido político com órgão de direção em atividade na circunscrição." (grifo nosso)
Observa-se que a criação do RDE - Requerimento de Declaração de Elegibilidade pode ser um meio para sanar dúvida sobre a capacidade eleitoral passiva de pré-candidatos, mas também pode ser instrumento de prevenção de riscos e identificação antecipada de problemas, a ser usado pelos partidos políticos no lançamento de candidaturas, a fim de evitar riscos de indeferimento e impugnação de candidaturas com situações jurídicas capazes de afetar o registro de candidatura.
Outra mudança trazida pela nova LC 219, de 2025, refere-se ao § 7º, incluído ao art. 1º da lei das inelegibilidades (LC 64, de 1990), determinando o retorno imediato dos servidores públicos que não tiveram o seu pedido de registro de candidatura formalizado pelo partido político, nesses termos:
§ 7º. "Os servidores públicos que se licenciarem para concorrer a cargo eletivo deverão retornar imediatamente às suas funções, sob pena de responsabilização administrativa, nas hipóteses em que a agremiação partidária não formalizar o pedido de registro de sua candidatura ou o pedido tiver sido indeferido ou cassado, a partir do trânsito em julgado da decisão" (grifo nosso).
Os servidores públicos efetivos devem se desincompatibilizar dos cargos e têm direito a licença para atividade política, prevista na respectiva legislação Federal, estadual, distrital ou municipal, conforme a esfera de governo do servidor, sendo que a lei das eleições ao sofrer alterações pela lei 13.165/15 (chamada de Minirreforma eleitoral), promoveu a redução do tempo da campanha eleitoral, sendo que a maioria das leis estaduais e municipais, de regência dos servidores não acompanhou essa mudança na legislação eleitoral.
José Jairo Gomes (2022) revela que passou a haver um descompasso entre os três meses previstos para desincompatibilização de servidor público efetivo e a data do pleito, informado que a desincompatibilização deve ocorrer antes mesmo da escolha dos candidatos na convenção partidária. Dessa forma, a nova LC 219/25 busca trazer um comando aos servidores públicos que estejam licenciados, porém o seu partido político não efetuou o registro de sua candidatura no prazo legal ou substituiu pré-candidatos servidores.
Desse modo, vislumbra-se que as direções partidárias precisam adotar normas de integridade ou compliance partidário para prevenir riscos e promover a identificação antecipada de problemas relativos ao registro dos seus candidatos e candidatas.
No Congresso Nacional, encontram-se em tramitação o PLS - PL do Senado 60, de 2017, de autoria do senador Ricardo Ferraço (PSDB/ES), que altera a lei 9.096, de 19/9/1995, para aplicar aos partidos políticos as normas legais sobre responsabilidade objetiva e compliance e estimular no plano interno código de conduta e programa de integridade e auditoria; e o PLS - Projeto de Lei do Senado 429, de 2017, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB/MG), que altera a lei 9.096, de 19/9/1995, que dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts. 14, § 3º, inciso V e 17, da CF/88, a fim de aplicar aos partidos políticos as normas sobre programa de integridade.
Ao fazer uma reflexão crítica dos projetos de lei 60/17 e 429/17 do Senado Federal, Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro aborda que uma das possibilidades de introdução do compliance partidário pode ser mediante a criação de uma responsabilização objetiva dos partidos e a fixação de penalidades no caso de descumprimento de um sistema efetivo de integridade, conforme proposta do senador Ricardo Ferraço, já outro formato de introdução de uma política de compliance partidário consistiria no estabelecimento legal de sua obrigatoriedade no contexto dos Estatutos Partidários, de acordo com a sugestão do PL de autoria do senador Antonio Anastasia.
De acordo com Mendes e Carvalho (2017, p.29), a palavra compliance advém do termo to comply, que significa cumprir. E um programa de compliance visa estabelecer mecanismos e procedimentos que tornem o cumprimento da legislação parte da cultura corporativa.
Assim, o compliance é entendido como um conjunto de medidas internas que permite prevenir ou minimizar os riscos de violação às leis decorrentes de atividade praticada por um agente econômico e de qualquer um de seus sócios ou colaboradores.1
Por seu turno, Brenda de Quadros Pereira (2021), explica que o compliance partidário apresenta reflexos similares aos programas implementados em empresas, possuindo, contudo, compromissos públicos decorrentes do recebimento de recursos públicos, seja do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas, assim como o programa de integridade nos partidos políticos assegura conformidade na sua atuação como uma empresa privada, nas relações internas e administrativas, e como instituição pública, na fiscalização e utilização transparente, consciente e proba dos recursos públicos, no suporte a candidatos e filiados e na atuação em ações públicas.
Ao explicar como implementar um programa de compliance nos partidos políticos, Daniel Castro Gomes da Costa (2022) expõe que iniciando-se pela identificação dos riscos inerentes à atividade partidária e pela organização de acordo com a probabilidade de acontecimentos e lesividade do dano, elaborando-se um plano de trabalho, que tem por objetivo reduzir os riscos e estabelecer estratégias caso venham a ocorrer problemas.
Assim, no âmbito dos partidos políticos, o compliance servirá como uma ferramenta de autocontrole e de orientação para decisões da agremiação. Trata-se de mecanismo essencial para que os partidos alcancem a autopreservação dos seus valores intangíveis, que devem ser coerentes com o compromisso do processo democrático, fazendo-os repercutir efetiva e diretamente na atuação da sua liderança e na formulação das suas plataformas políticas.2
Portanto, a adoção de um programa de compliance partidário no registro de candidatura é importante para permitir a identificação antecipada de problemas e a prevenção de riscos, que possam gerar a impugnação e indeferimento de candidaturas, incluindo ações por fraude à cota de gênero, que poderão gerar invalidade do DRAP - Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários, o que é suficiente para indeferir todos os pedidos de registro a ele vinculados, nos termos do art. 48 da resolução TSE 23.609, de 18/12/19. Desse modo, a criação do RDE - Requerimento de Declaração de Elegibilidade, pela nova LC 219/25, traz um importante instrumento de prevenção de riscos às agremiações partidárias, que devem usar aliado à implementação de um programa de compliance partidário.
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1 Conforme Guia para Programas de Compliance do CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
2 Trecho da Justificação do Projeto de Lei do Senado - PLS nº 429/2017.
BRASIL. Guia para Programas de Compliance. Orientações sobre estruturação e benefícios da adoção dos programas de compliance concorrencial. Brasília, DF: CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf. Acesso em: 02 out. 2025.
BRASIL. Lei Complementar nº 219, de 29 de setembro de 2025. Brasília, DF: Presidência da República, 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp219.htm. Acesso em: 02 out. 2025.
BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Brasília, DF: Presidência da República, 1997. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm. Acesso em: 02 out. 2025.
BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 60, de 2017. Brasília, DF: Senado Federal, 2017. Autoria do Senador Ricardo Ferraço. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=5089438&ts=1630425583448&disposition=inline. Acesso em: 03 out. 2025.
BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 429, de 2017. Brasília, DF: Senado Federal, 2017. Autoria do Senador Antonio Anastasia. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7251470&ts=1730144137401&disposition=inline. Acesso em: 03 out
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução nº 23.609, de 18 de dezembro de 2019. Brasília, DF: TSE, 2019. Disponível em: https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2019/resolucao-no-23-609-de-18-de-dezembro-de-2019. Acesso em: 02 out. 2025.
CASTRO, Edson de Resende. Curso de Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2018. p. 155.
COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral: Teoria da inelegibilidade. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p.82.
COSTA, Daniel Castro Gomes da. Partidos políticos e compliance. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2022. p. 265.
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. Barueri (SP): Atlas, 2022. p. 349.
MENDES, Francisco Schertel; CARVALHO, Vinicius Marques de. Compliance: concorrência e combate à corrupção. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 29.
PEREIRA, Brenda de Quadros. Compliance Eleitoral e Partidário: um caminho para a nova política brasileira. J² - Jornal Jurídico, S. l., v. 3, n. 2, p. 003-017, 2021. Disponível em: https://revistas.ponteditora.org/index.php/j2/article/view/464. Acesso em: 02 out. 2025.
PINHEIRO, Maria Claudia Bucchianeri. Tomemos a sério o debate em torno do compliance partidário: uma primeira reflexão crítica dos Projetos de Leis nºs 60/2017 e 429/2017, do Senado Federal. Em busca de um modelo efetivo. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCINI, Luiz Eduardo (Org.). Direito Partidário. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 2). Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 225-251.


