Exploração de espaços aeroportuários: Evolução do regime jurídico e oportunidades imobiliárias
Alterações legais permitem exploração comercial de áreas aeroportuárias por prazo longo, aumentando segurança jurídica e atraindo investimentos imobiliários.
terça-feira, 14 de outubro de 2025
Atualizado às 14:45
Em projetos de concessão de infraestrutura aeroportuária, a exploração comercial das áreas inseridas no complexo aeroportuário é um componente essencial da sustentabilidade econômico-financeira dos contratos. Tanto é assim que, diferentemente do tratamento conferido às receitas acessórias em concessões do demais setores de infraestrutura, as receitas de exploração comercial de áreas aeroportuárias são computadas nos estudos de viabilidade dos respectivos projetos e compõem a equação econômico-financeira contratual.
Por esse motivo, ao longo da implantação do programa de concessões de infraestrutura aeroportuária federal no Brasil, ganhou força a discussão acerca do prazo de exploração comercial de áreas aeroportuárias. Como regra, o prazo em questão era limitado à vigência do contrato de concessão1. A depender do tipo de empreendimento a ser desenvolvido na respectiva área, a limitação de prazo poderia inviabilizar a sua implantação, motivo pelo qual se passou a discutir a possibilidade de exploração de áreas comerciais por prazo superior ao do contrato de concessão.
Nesse contexto, em julho de 2020, foi editada a portaria 93 do Ministério da Infraestrutura ("Portaria MINFRA 93/20"), sucedido pelo atual Ministério dos Portos e Aeroportos, a qual passou a permitir que os contratos de exploração comercial que envolvam a utilização de espaços no complexo aeroportuário tenham prazo de vigência superior ao período da concessão. Os contratos de exploração comercial de áreas aeroportuárias são importantes porque ensejam a arrecadação de receitas não tarifárias pelas respectivas concessionárias. Incluem-se no rol de receitas não tarifárias aquelas decorrentes da prestação de utilidades e serviços condominiais, e da cessão de áreas para desenvolvimento de atividades operacionais e comerciais por terceiros (incluindo terminal de cargas, abastecimento de aeronaves, estacionamento de veículos, locação de automóveis, serviços de alimentação e varejo, dentre outros).
Na mesma toada, a resolução ANAC 302/14 foi alterada pela resolução ANAC 717/23, passando a permitir que o operador do aeródromo negociasse prazo de vigência superior ao da concessão.
Em setembro de 2025, foi lançado o programa "Investe + Aeroportos" pelo Ministério dos Portos e Aeroportos. A ideia foi incentivar ainda mais investimentos na exploração comercial aeroportuária, com a modernização da gestão de áreas aeroportuárias e atração de empreendimentos como shoppings, hotéis, centros de convenções, complexos hospitalares e terminais logísticos, dentre outros investimentos imobiliários em prol do incremento no desenvolvimento regional. Portanto, buscou-se atualizar o arcabouço normativo para garantir maior estabilidade jurídica e segurança regulatória, conferindo à concessionária a obtenção de receitas não tarifárias em razão da exploração das atividades econômicas acessórias, seja diretamente ou por meio da contratação de terceiros.
No bojo do programa, em 16 de setembro de 2025, foi publicada a portaria 548/25 do Ministério de Portos e Aeroportos ("Portaria MPOR 548/25") que revogou a portaria MINFRA 93/20. Foi mantida a grande inovação trazida pela Portaria revogada, a saber, a exploração comercial aeroportuária mais longa do que o período da concessão. Na prática2, a ampliação de prazo dos empreendimentos nas áreas aeroportuárias pode se estender para até 75 anos (considerando-se que o prazo das últimas concessões foi de 30 anos, e que o art. 7º, VIII da portaria MPOR 548/25, "a" dispõe que "o período entre o fim da vigência prevista para a concessão e o fim do contrato de exploração comercial deverá observar (...) a) prazo igual ou inferior a 45 (quarenta e cinco) anos, quando o período remanescente da concessão for superior a três quartos do prazo original do contrato de concessão). Isso vai conferir segurança jurídica para quem tiver apetite para tais investimentos, viabilizando os projetos do ponto de vista financeiro.
Outras condições específicas para a exploração sofreram alterações por meio da portaria MPOR 548/25: sob a égide da portaria 93/20, cabia ao Secretário Nacional de Aviação Civil a competência para autorizar os contratos de exploração e eventuais aditamentos e alterações. Com a edição da nova portaria MPOR 548/25, entretanto, a atribuição de autorização dos contratos foi elevada à esfera do próprio Ministro de Portos e Aeroportos, embora alterações e aditamentos possam ser autorizados pelo Secretário. Além disso, o novo ato normativo passou a impor aos empreendimentos a obrigação de disponibilizar suas demonstrações contábeis à ANAC - Agência Nacional de Aviação Civil.
Por fim, a nova norma permite que, em caráter excepcional, o Ministro de Portos e Aeroportos autorize contratos de exploração comercial ligados a atividades aeronáuticas operacionais com prazos diferentes dos usualmente previstos. Tais atividades compreendem tanto as essenciais ao transporte aéreo quanto aquelas definidas nos contratos de concessão e pelas normas da ANAC. Consoante a portaria MINFRA 93, isso também era permitido, mas condicionada a que restasse ainda no mínimo dez anos do contrato concessório.
Embora a portaria MINFRA 93/20 e, posteriormente, a portaria MPOR 548/25, possibilitem a exploração comercial de áreas aeroportuárias por prazo superior ao do contrato de concessão, até recentemente remanescia um outro ponto de insegurança jurídica em relação à exploração imobiliária de empreendimentos nas áreas aeroportuárias, a saber: a natureza precária da posse dos bens imóveis exercida pelas concessionárias.
Considerando que os bens imóveis que integram o complexo aeroportuário são considerados bens reversíveis (ou seja, retornam ao poder concedente quando da extinção do contrato de concessão), sucedia a qualificação da posse da concessionária como precária e restava impedida a caracterização da posse como um direito real.
O fato de essa ocupação não ter sido, até então, interpretada como um "direito real" se traduzia em risco para o investidor do empreendimento imobiliário, o que acabava reduzindo o potencial de exploração comercial das áreas aeroportuárias. A maioria das estruturas de investimento imobiliário dependem da titularidade do direito real para serem viabilizadas - é o caso, por exemplo, dos fundos de investimento imobiliário, nos termos do art. 40, do Anexo Normativo III, da resolução CVM 175/22.
Esse cenário de insegurança jurídica no tocante à qualificação dessa posse como um "direito real" foi afastado com a inovação ao CC trazida pela lei 14.620/23, a qual introduziu o inciso XIV ao art. 1.225: "São direitos reais [...] XIV - os direitos oriundos da imissão provisória na posse, quando concedida à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos municípios ou às suas entidades delegadas e a respectiva cessão e promessa de cessão".
A inclusão dos "direitos oriundos da imissão provisória da posse" no rol de direitos reais representa um avanço transformador para o mercado imobiliário, na medida em que viabiliza investimentos outrora travados por incertezas jurídicas - é o caso dos empreendimentos imobiliários associados à exploração comercial de áreas aeroportuárias -, ao passo que permite a hipoteca e a alienação fiduciária desses direitos (cf. art. 1.473, XI, do CC e art. 22, § 1º, V, da lei 9.514/1997).
Em outras palavras, a complementação do rol de direitos reais proporcionou maior segurança jurídica e flexibilidade para os agentes de mercado, estimulando-os a alocar recursos em empreendimentos imobiliários associados a concessões de serviços públicos - como em bens imóveis com vocação logística, industrial ou comercial em áreas aeroportuárias.
Isso é relevante porque muitos dos veículos de investimento utilizados para viabilizar os empreendimentos nas áreas aeroportuárias dependem que o ativo subjacente seja classificado como um direito real, de modo a viabilizar o project finance necessário para a viabilização financeira e outorga de garantias aos credores.
Assim, com esse conjunto de alterações, há o potencial de o Brasil seguir exemplos já bem sucedidos no exterior, permitindo assim um maior apetite dos investidores nesse nicho, tal como ocorreu no aeroporto de Gatwick, Reino Unido (que foi parcialmente adquirido pela Blackstone e a Global Infrastructure Partners com o intuito de melhorar as operações comerciais e a experiência do consumidor), no aeroporto de Heathrow, Londres (em que houve investimentos pelo fundo de Québec, Le Caisse).
Em síntese, as alterações normativas realizadas pelo Ministério da Infraestrutura (e, posteriormente, pelo Ministério de Portos e Aeroportos), somada à alteração do art. 1.225 do CC, criaram um ambiente favorável às oportunidades de investimento imobiliário em aeroportos concedidos. O atual arcabouço jurídico que disciplina a exploração comercial de áreas aeroportuárias confere a segurança jurídica necessária para destravar investimentos imobiliários em empreendimentos geradores de receitas não tarifárias no âmbito das concessões de infraestrutura aeroportuária.
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1 Vide, nesse sentido, a redação original do art. 14 da Resolução ANAC nº 302/2014, que estabelece critérios e procedimentos para a alocação e remuneração de áreas aeroportuárias: "Art. 14 - O operador do aeródromo poderá negociar o prazo de vigência do contrato de utilização de área, limitado ao prazo de sua outorga para explorar a infraestrutura aeroportuária, quando houver, ou ao prazo máximo de 25 (vinte e cinco) anos."
2 Art. 7º O contrato de exploração comercial que extrapole o período de vigência da concessão deve atender aos seguintes requisitos:
VIII - o período entre o fim da vigência prevista para a concessão e o fim do contrato de exploração comercial deverá observar os seguintes critérios:
a) prazo igual ou inferior a 45 (quarenta e cinco) anos, quando o período remanescente da concessão for superior a três quartos do prazo original do contrato de concessão;
b) prazo igual ou inferior a 40 (quarenta) anos, quando o período remanescente da concessão for superior a dois quartos do prazo original do contrato de concessão, observado o disposto na alínea "a";
c) prazo igual ou inferior a 35 (trinta e cinco) anos, quando o período remanescente da concessão for superior a um quarto do prazo original do contrato de concessão, observado o disposto nas alíneas "b" e "c"; e
d) prazo igual ou inferior à metade do período de vigência do contrato comercial, quando o tempo remanescente da concessão for igual ou inferior a um quarto do prazo original do contrato de concessão.
Ludmila Braga
Sócia da prática de Transações e Investimentos Imobiliários da Tauil & Chequer em associação com Mayer Brown, no escritório de São Paulo.
Juliana Deguirmendjian
Sócia do Tauil & Chequer Advogados. Atua em due diligences regulatórias em transações de M&A e Finanças, Infraestrutura, Direito Público e Administrativo.



