Requisitos de regulação prudencial da LC 213/24: Reflexões a partir do painel da AIDA
A LC 213/24 cria o regime de PPM com foco em solvência e governança, propondo regulação inovadora e prudencial, debatida em painel da AIDA.
segunda-feira, 20 de outubro de 2025
Atualizado às 11:27
A LC 213/24 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o regime de PPM - Proteção Patrimonial Mutualista, que inaugura um modelo diferente de organização coletiva para a cobertura de riscos. A minuta de Resolução CNSP, em consulta pública até 1/10, detalha os requisitos prudenciais aplicáveis a esse novo arranjo institucional, e foi objeto de debate no painel da AIDA.
O ponto central ressaltado é que a regulação prudencial tem como finalidade resguardar a solvência das entidades supervisionadas, assegurando sua capacidade de cumprir compromissos assumidos com participantes e beneficiários mesmo diante de cenários adversos. Trata-se de reduzir a probabilidade de insolvência e mitigar impactos sistêmicos, em consonância com as melhores práticas internacionais, especialmente com a Solvência II, que inspira o modelo adotado pela Susep com seus pilares quantitativos (capital e provisões) e qualitativos (gestão de riscos e conformidade).
O desenho normativo proposto distribui responsabilidades entre grupos de participantes, associações e administradoras. Os grupos, compostos por no mínimo mil participantes ativos, assumem coletivamente os riscos por meio de contratos de participação que estabelecem tanto a cobertura quanto o regime de rateio mutualista das despesas. As associações, por sua vez, formalizam a constituição dos grupos e são obrigadas a contratar administradoras. Estas últimas devem ser constituídas como sociedades anônimas com objeto exclusivo de gerir operações de PPM, sujeitas a autorização prévia da Susep e a um conjunto robusto de exigências prudenciais, dentre elas: CMR - Capital Mínimo Requerido, PLA - Patrimônio Líquido Ajustado, controles internos, auditoria interna e observância de regras de investimentos e vedações.
Entre os principais requisitos prudenciais dos grupos, destacam-se as provisões técnicas, formadas pela PEL - Provisão de Eventos a Liquidar e pela PEONA - Provisão de Eventos Ocorridos e Não Avisados. Embora esta última possa ser dispensada quando considerada imaterial, há preocupação quanto ao risco de fragilização do equilíbrio atuarial, sobretudo pela ausência de exigência da PCC - Provisão Complementar de Cobertura. O regime de contribuições também é estruturado de forma detalhada, contemplando parcelas de estabilização, de rateio e de taxa de administração, com o patrimônio líquido do grupo funcionando apenas como amortecedor de oscilações, vedado o acúmulo excessivo de recursos. No campo dos ativos redutores da cobertura dessas provisões, admitem-se direitos creditórios, ativos de resseguro e depósitos judiciais, mas o debate sugere a inclusão também de ativos de seguro como forma de evitar distorções concorrenciais.
Quanto ao capital, a administradora deverá manter CMR formado pela soma do capital base (equivalente ao de seguradoras S4, com possibilidade de redução por regionalização) e do capital de risco operacional, sem incluir riscos de subscrição, crédito e mercado. O PLA deve permanecer superior ao CMR, ajustado apenas por critérios contábeis.
Os limites de retenção do grupo cabem ao atuário responsável, já que não há parâmetro objetivo como o limite de 5% do PLA aplicável às seguradoras. No tocante aos investimentos, as regras para os grupos seguem o modelo das seguradoras, com vinculação dos ativos garantidores às provisões técnicas e demais obrigações, enquanto as administradoras devem observar princípios de segurança, solvência, liquidez e sustentabilidade, embora sem a obrigatoriedade de obedecer integralmente às diretrizes do CMN. Além disso, a minuta prevê vedações rígidas para evitar conflitos de interesse, assegurando independência da gestão da administradora.
Em matéria de governança, exige-se sistema de controles internos e auditoria interna, com possibilidade de constituição de comitê de auditoria, mas dispensam-se a unidade de conformidade e a indicação formal de responsável pela auditoria interna, assim como toda estrutura de gestão de riscos, tal como exigido das seguradoras. Em compensação, introduz-se a figura da auditoria operacional, inspirada nas cooperativas de crédito, como linha de defesa adicional. Essa flexibilização, entretanto, gera dúvidas sobre se a redução de custos regulatórios justificaria a diminuição de salvaguardas em operações tão inovadoras e arriscadas.
Dois pontos críticos foram ainda enfatizados no debate: a ausência de regulamentação imediata de PLDFT - prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo e a exclusão das administradoras do rol daquelas que devem enviar dados para compor a BDPO - Base de Dados de Perdas Operacionais, o que poderia fragilizar a consistência do modelo de supervisão baseada em riscos dessas novas supervisionadas. Por outro lado, poderia ser uma oportunidade para avaliar a dispensa do envio da base de perdas também para as seguradoras.
Da mesma forma, a minuta não replica integralmente as exigências da Circular Susep 638/21 sobre segurança cibernética, o que causa preocupação diante da relevância do tema e do histórico recente de incidentes no setor financeiro.
Em conclusão, a minuta de resolução do CNSP traduz um esforço da Susep em alinhar o regime de PPM às melhores práticas internacionais de supervisão, respeitando as particularidades do modelo mutualista. As exigências prudenciais propostas reforçam os pilares de solvência, governança e transparência, essenciais para a proteção dos participantes e a sustentabilidade do mercado. No entanto, a efetividade da regulação dependerá da implementação prática, da capacidade de supervisão e da maturidade das novas administradoras. O painel da AIDA evidenciou que a consulta pública é oportunidade fundamental para ajustes e aperfeiçoamentos, consolidando um marco regulatório equilibrado entre inovação e segurança.
Karini Madeira
Superintendente de Acompanhamento Técnico da Confederação Nacional das Seguradoras.

