Negociação coletiva ou cartel sindical? A crise da livre iniciativa
A negociação coletiva tem sido instrumentalizada por cláusulas normativas que, sob o pretexto de proteção social, restringem a liberdade empresarial e revelam captura regulatória.
segunda-feira, 20 de outubro de 2025
Atualizado às 15:01
A negociação coletiva, concebida como instrumento de equilíbrio entre capital e trabalho, tem sido distorcida por práticas sindicais que subvertem sua finalidade protetiva. Em vez de garantir direitos e promover justiça social, determinadas cláusulas normativas vêm sendo utilizadas como mecanismos de exclusão econômica, sob o disfarce de benefícios sociais.
Não se trata de questionar os benefícios em si, como seguro de vida, previdência privada, plano de saúde ou auxílio natalidade, mas sim a forma como são impostos. Em diversas convenções coletivas, sindicatos têm exigido que empresas contratem serviços de gestoras específicas, que muitas vezes operam à margem da legalidade, oferecendo produtos que simulam seguros e planos de previdência, sem qualquer garantia jurídica ou reserva técnica.
Mais grave ainda é a imposição exclusiva dessas contratações, que obriga os empregadores a recorrerem apenas a prestadores previamente determinados, sob pena de multa ou sanção sindical. Essa prática resulta em um cenário perverso, no qual a concorrência é artificialmente suprimida, e o que deveria configurar um legítimo pacto coletivo transforma-se, na prática, em um verdadeiro cartel normativo.
Essa prática afronta diretamente:
- O princípio da livre concorrência (art. 170, IV, da CF);
- A liberdade de associação (art. 5º, XX, da CF);
- A autonomia empresarial e a livre iniciativa (art. 1º, IV, da CF).
As empresas devem ter o direito de selecionar seus fornecedores com base em critérios técnicos, financeiros e estratégicos próprios. Obrigar a contratação de uma entidade específica, ainda que sob o manto da negociação coletiva, representa uma intervenção indevida na gestão empresarial, comprometendo a eficiência, a competitividade e a liberdade econômica.
Destaque: Tema 112 em recurso repetitivo no TST
O TST reconheceu a relevância jurídica da controvérsia envolvendo cláusulas normativas que obrigam empresas a contratar o chamado "benefício social familiar" com uma gestora específica.
A matéria foi afetada como IRR - Incidente de Recurso Repetitivo, sob o Tema 112, no processo IRR-0011624-72.2023.5.18.0015, sinalizando a intenção da Corte de uniformizar o entendimento sobre a validade dessas cláusulas e seus impactos na ordem jurídica trabalhista.
A afetação como IRR significa que o TST está julgando o conceito jurídico central dessas cláusulas, que impõem contratação obrigatória de benefícios, vinculam empresas a prestadores únicos e estabelecem taxas compulsórias para empresas não representadas pelos sindicatos profissionais. O julgamento poderá consolidar um marco jurisprudencial sobre os limites da negociação coletiva, especialmente no que tange à liberdade de iniciativa e à livre concorrência.
Tal estrutura, além de comprometer a liberdade de associação, viola frontalmente o art. 2º da Convenção 98 da OIT - Organização Internacional do Trabalho, que proíbe o financiamento sindical por parte dos empregadores. A imposição de cláusulas dessa natureza, sem respaldo regulatório e com efeitos coercitivos, representa uma distorção da finalidade da negociação coletiva, convertendo-a em instrumento de restrição econômica e de subversão institucional.
É hora de colocar ordem na casa
Finalmente vislumbramos uma luz no fim do túnel e a chance concreta de colocar ordem na bagunça jurídica que há anos se instalou, desafiando a lógica, a legalidade e a livre iniciativa. O julgamento do Tema 112 pelo TST pode ser o ponto de virada contra um modelo normativo que se vale da negociação coletiva para institucionalizar práticas de coerção econômica, disfarçadas de proteção social.
Será a oportunidade de desmantelar um sistema que transformou sindicatos em operadores financeiros, convertendo cláusulas coletivas em instrumentos de arrecadação compulsória. E isso não significa negar a importância dos sindicatos, tampouco fragilizar os direitos dos trabalhadores. Trata-se, sim, de exigir que a proteção social seja exercida com legitimidade, transparência e respaldo jurídico.
A proteção ao trabalhador não deve ser instrumentalizada como escudo para práticas que transgridem limites legais ou éticos, tampouco convertida em moeda de troca para arranjos que distorcem a finalidade essencial do direito trabalhista. Quando a negociação coletiva deixa de ser ferramenta de equilíbrio e se transforma em mecanismo de captura institucional, o que está em risco é a própria credibilidade do sistema trabalhista, e é dever das instituições restabelecer seus fundamentos antes que a distorção se torne regra.
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1. Tribunal Superior do Trabalho. Incidente de Recurso Repetitivo - Tema 112. Processo: IRR-0011624-72.2023.5.18.0015. Relatora: Ministra Liana Chaib. Disponível em: https://portal.trt3.jus.br/internet/jurisprudencia/incidentes-suscitados-irr-iac-arginc-tst/downloads/tema-112-irr-0011624-72-2023-5-18-0015-decisao-relatora-29-04-2025.pdf
2. Tribunal Superior do Trabalho. "Mantida nulidade de cláusula coletiva que prevê benefício custeado por empresas". Processo: AIRR-10135-48.2021.5.18.0054. Relatora: Ministra Dora Maria da Costa. Publicado em 27/03/2023. Disponível em: https://www.tst.jus.br/-/mantida-nulidade-de-cl%C3%A1usula-coletiva-que-prev%C3%AA-benef%C3%ADcio-custeado-por-empresas
3. Constituição Federal de 1988, art. 170, IV - livre concorrência; art. 5º, XX - liberdade de associação; art. 1º, IV - livre iniciativa.
4. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: Editora Forense, 2022.


