Recuperação de créditos sobre ISSQN e IRRF para municípios
Instrumentos legais, jurisprudenciais e estratégicos para aumento de arrecadação e equilíbrio fiscal municipal.
terça-feira, 21 de outubro de 2025
Atualizado às 14:31
A recuperação de créditos sobre o ISSQN e o IRRF retido na fonte constitui uma estratégia essencial de gestão fiscal para os municípios brasileiros. Por meio da correta aplicação das normas tributárias, é possível recuperar valores pagos indevidamente ou não creditados, corrigindo distorções históricas e reforçando a autonomia financeira municipal. Essa prática, amparada por dispositivos constitucionais, jurisprudência consolidada e estudos técnicos da CNM e do TCU, permite ampliar a capacidade de investimento e o equilíbrio das contas públicas locais.
ISSQN - Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza
A competência para instituir e arrecadar o ISS é atribuída aos municípios pelo art. 156, inciso III, da Constituição Federal de 1988. A LC 116/03 regulamenta o imposto e define, em seu art. 3º, que o ISS é devido no local do estabelecimento prestador, exceto nas hipóteses expressamente previstas, quando será devido no local do tomador do serviço.
O TCU - Tribunal de Contas da União consolidou entendimento de que o recolhimento do ISS deve observar a legislação do município competente, vedando a retenção indevida por entes federais. No acórdão 838/23-plenário, o TCU afirmou:
"A Administração Pública Federal deve observar a legislação municipal quanto à retenção e recolhimento do ISS, sob pena de recolhimento indevido e prejuízo à receita do ente federativo competente" (BRASIL, TCU, 2023).
Esse entendimento assegura aos municípios o direito de recuperar valores não recolhidos ou retidos incorretamente em contratações públicas federais.
Além disso, a STN - Secretaria do Tesouro Nacional estabelece mecanismos para o repasse automático do ISS retido sobre contratações públicas realizadas via SIAFI, de modo que o valor seja destinado ao município de competência tributária.
IRRF - Imposto de Renda Retido na Fonte
O art. 158, inciso I, da Constituição Federal determina que pertence aos municípios o produto da arrecadação do Imposto de Renda retido na fonte sobre rendimentos pagos por eles próprios, suas autarquias e fundações.
O STF consolidou esse entendimento na ADIn 442/DF, ao decidir que:
"O produto da arrecadação do imposto de renda retido na fonte sobre rendimentos pagos por Estados e municípios pertence ao ente federado que efetua o pagamento, vedada qualquer apropriação pela União" (STF, ADI 442/DF, rel. min. Octavio Gallotti, DJ 6/12/1991).
De igual modo, a RFB - Receita Federal do Brasil, em seu parecer normativo CST 08/1986, reconhece que o ente federado é o titular do produto da arrecadação do IRRF por ele retido, desde que os rendimentos sejam pagos por órgãos da administração direta, autarquias ou fundações públicas.
Estudo recente da Confederação Nacional de Municípios (CNM, 2025) aponta que variações nas regras de retenção do IR podem representar perda de até R$ 1,2 bilhão anuais em receitas municipais, especialmente devido a erros de classificação e recolhimento indevido à União.
Jurisprudência e precedentes administrativos
A jurisprudência dos tribunais superiores é clara ao reconhecer o direito dos municípios à titularidade e recuperação desses créditos.
O STJ, no REsp 1.060.210/SC, relator ministro Herman Benjamin, assentou:
"Compete aos municípios disciplinar a retenção do ISSQN na fonte, respeitados os limites da LC 116/03, sendo legítima a cobrança e recuperação de valores recolhidos a ente diverso do competente" (STJ, REsp 1.060.210/SC, DJe 2/2/09).
No âmbito do controle externo, o TCU reforçou em diversos acórdãos (v.g., acórdão 1.984/19 - plenário) que:
"Os órgãos e entidades da Administração Federal devem observar a legislação municipal aplicável quanto à competência tributária e destinação das receitas do ISS e do IRRF retidos."
O entendimento converge com o posicionamento do STF, que reafirma a titularidade municipal sobre a arrecadação tributária e o princípio federativo da autonomia financeira.
Impactos econômicos e administrativos
Segundo o Boletim de Gestão Fiscal do TCU (2023), mais de 40% dos municípios brasileiros não realizam controle sistemático sobre retenções de ISS e IRRF em contratações com entes públicos ou empresas privadas, o que acarreta prejuízos fiscais expressivos.
O levantamento da CNM (2024) confirma que a falta de auditoria tributária municipal leva à perda de receitas anuais superiores a R$ 1,2 bilhão, valor suficiente para investimentos em infraestrutura e políticas públicas essenciais.
A correta recuperação e compensação desses valores, mediante revisão de retenções e restituição administrativa, pode gerar:
- Incremento imediato da arrecadação própria;
- Redução de dependência de transferências constitucionais;
- Fortalecimento da governança tributária;
- Aumento da capacidade de investimento municipal;
Procedimentos e boas práticas
Auditoria fiscal e contábil: Levantamento detalhado das retenções realizadas por órgãos públicos e privados.
Revisão contratual: Verificação da natureza dos serviços para correta incidência do ISS.
Revisão de retenções de IRRF: Conferência das guias de recolhimento e destino da arrecadação.
Atuação especializada: Elaboração de requerimentos administrativos e ações judiciais de restituição ou compensação.
Considerações finais
A recuperação de créditos sobre o ISSQN e o IRRF retido na fonte configura instrumento legítimo de justiça fiscal e de equilíbrio orçamentário municipal. Com respaldo na Constituição Federal, na LC 116/03, em acórdãos do STF, STJ e TCU e em estudos da CNM e Receita Federal, os municípios podem reaver receitas que lhes pertencem, fortalecendo sua autonomia e a eficiência da gestão pública.
Trata-se de uma ação estratégica que alia responsabilidade fiscal, conformidade legal e desenvolvimento local sustentável.


