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A pauta de Fachin: O que revela o discurso do novo presidente do STF?

O que o discurso de posse do novo presidente do STF revela para o Judiciário brasileiro pelos próximos 2 anos?

terça-feira, 21 de outubro de 2025

Atualizado às 14:42

No último dia 29/9, o ministro Edson Fachin assumiu a presidência do STF, tendo o ministro Alexandre de Moraes como vice, para a condução da Corte e do Judiciário brasileiro pelos próximos dois anos.

Na oportunidade, o novo presidente proferiu o tradicional discurso de posse1.

A fala do ministro contou com uma retrospectiva de sua trajetória pessoal, agradecimentos diversos, e elogios ao antecessor na função, além, é claro, da exaltação do papel da Corte e da independência do Judiciário, elementos tradicionais, e já esperados, do cerimonial2.

Porém, entre passagens protocolares e elementos retóricos, podemos extrair alguns indícios do perfil que o ministro pretende atribuir à sua presidência da Corte e, nesse ponto, o discurso se diferencia bastante dos de seus predecessores por um forte caráter propositivo.    

Primeiramente, percebe-se como o presidente preocupou-se em fazer referência a, praticamente, todas as pautas atualmente consideradas como progressistas, destacando a missão da Corte na aplicação da Constituição em "atenção prioritária àqueles que são historicamente esquecidos, silenciados ou discriminados"3. O ministro destacou a necessidade de enfrentamento da discriminação contra mulheres, negros, minorias, pessoas com deficiência e indígenas, e sua relação com a também necessária "proteção das terras e das expressões culturais e modos de vida", além da proteção dos direitos sociais, do "trabalho decente", da vida digna, da infância, da juventude, dos idosos e das famílias.

Contudo, para além dessa mais genérica enunciação da atenção do Tribunal para com os segmentos sociais historicamente sub-representados e subalternizados, o ministro Fachin construiu uma relação muito objetiva e direta entre desafios, diretrizes e objetivos.

I. Dos desafios aos objetivos

Ele desenhou uma cadeia lógica de ação, que, parte de seu diagnóstico dos desafios atuais do Judiciário brasileiro; passa pela enunciação dos valores de referência que deverão guiar suas ações institucionais de enfrentamento a esses problemas; para chegar aos objetivos específicos, isto é, aos resultados almejados por sua presidência nesse enfrentamento.

O ministro elenca muito objetivamente os pontos que considera os 7 principais desafios do Poder Judiciário: (1) reduzir a hiperjudicialização ou hiperlitigiosidade, inclusive de demandas sociais; (2) garantir acesso à justiça aos mais vulneráveis; (3) as disputas pelo uso e preservação dos recursos naturais, agravadas pelas mudanças climáticas; (4) o impacto das novas tecnologias em frentes diversas, como na automação inteligente, na bioética e na desinformação; (5) o enfrentamento do crime organizado em rede e da macrocriminalidade; (6) a transição demográfica; e mais a frente, ele acrescenta um sétimo e mais "grave desafio", (7) a corrupção, esse "'cupim da República', como o denominou Ulisses Guimarães".

Em seguida, ele enuncia os 9 valores que servirão de diretrizes para sua presidência no enfrentamento dos desafios diagnosticados: (1) direitos humanos e fundamentais; (2) segurança jurídica; (3) transparência; (4) sustentabilidade; (5) integridade ética; (6) eficiência e efetividade; (7) diversidade e equidade; (8) cooperação; e (9) "valorização das pessoas, os 'seres humanos de carne e osso', com acessibilidade e inclusão".

A partir desses valores mais amplos, ele extrai ou sintetiza 4 "objetivos estratégicos" específicos, que são: (1) segurança jurídica; (2) sustentabilidade ambiental; (3) diversidade, igualdade e respeito à pluralidade; (3) transformação digital do Judiciário para "aproximar a Justiça do povo"; e (4) colegialidade na pauta.

Na exposição desse percurso que parte dos desafios para objetivos específicos, o ministro Fachin deixou transparecer 5 áreas ou temas sensíveis, que perpassaram todo o discurso, e nos quais pretende centrar sua atuação.

II. Os cinco temas sensíveis

O primeiro deles é a autocontenção do STF.

O ministro parece propor uma maior adstrição da Corte a controvérsias tidas como estritamente jurídicas, posicionando-se assim contra a chamada judicialização da política.

Certamente, esse intento indica a busca de uma revisão do atual posicionamento institucional do Tribunal, avaliado, em especial pelo Congresso Nacional, como muito expansivo e conflitivo. Nessa linha, o presidente anuncia a precedência do diálogo institucional nas causas envolvendo os demais Poderes.

Essas propostas ficam evidenciadas em trechos diversos de sua fala, em frases como "Impende voltar-se ao básico. Queremos racionalidade, diálogo e discernimento."; "A prestação jurisdicional não é espetáculo. Exige contenção."; "Constituirá diretamente atribuição desta Presidência a condução da conversação e do relacionamento institucional, especialmente os diálogos republicanos entre os poderes (...); ou ainda, "Nosso compromisso é com a Constituição. Repito: ao Direito, o que é do Direito. À Política, o que é da Política. A espacialidade da Política é delimitada pela Constituição.".

Contudo, se o espaço do política é delimitado exatamente pela CF, o ministro presidente conseguirá uma separação tão nítida no exercício da jurisdição constitucional, sem que isso signifique, por exemplo, abrir ao Legislativo a possibilidade de retrocessos na concretização de direitos fundamentais? Ou como assegurar a não judicialização da política, quando grande parte das ações do controle abstrato de constitucionalidade tão ajuizadas pelos próprios agentes políticos, como os partidos políticos?  

Um segundo tema enfatizado pelo novo presidente é a colegialidade.

Entendendo que a construção colegiada das decisões e da própria pauta de julgamentos é um fator gerador de estabilidade da jurisprudência, o ministro defendeu que a "A pauta é da instituição e não apenas da Presidência.".

Sua fala parece indicar que ele buscará a construção colegiada da pauta de julgamento, ao invés da definição isolada, como prerrogativa autônoma da presidência. Ele defendeu ainda a adoção de "critérios públicos com dados e relatórios mediante uma matriz de relevância da pauta", contrapondo-se ao subjetivismo, casuísmo ou personalismo na definição das prioridades de julgamento, diante do grande acervo de processos em tramitação no Tribunal.

Esse destaque à colegialidade parece ressoar a decisão do STF no julgamento da ADPF 635, conhecida como a ADPF das Favelas, ou sobre a letalidade da Polícia do Rio de Janeiro, que teve o próprio ministro Fachin como relator. Nesse julgamento, pela primeira vez em sua história, o plenário do STF proferiu uma decisão per curiam, tomada conjuntamente todos os ministros e formalizada em um voto único. A ação, que demandou da Corte uma problemática ingerência na segurança do Rio de Janeiro, representou um grande desafio para o seu relator, culminando na histórica e inédita decisão conjunta, como forma de robustecer a autoridade do Tribunal no controle de políticas públicas em processos estruturais.

Nesse ponto, resta verificar, se a colegialidade conseguirá fixar-se na prática institucional do STF para além da definição da pauta, quem sabe, estendendo-se para uma maior dação do modelo decisório per curiam, ainda que esporadicamente, em casos tidos como altamente complexos, como no bojo dos processos estruturais.       

Um terceiro ponto de destaque foi o princípio republicano, que foi referido pelo novo presidente em diversos momentos.

Ao longo do discurso, o ministro ressaltou que "o Estado e a sociedade devem ser democráticos e republicanos.", exaltando ainda "nossas conquistas republicanas e democráticas.", a "ética republicana", a "igualdade de oportunidades e de recursos", a "resistência cívica", e o "bem comum".

Percebe-se como o ministro mobilizou conceitos e termos tradicionalmente associados ao léxico teórico do republicanismo. O destaque a esse princípio está em coerência com seu diagnóstico do combate à corrupção como um "grave desafio".

Porém, o enfrentamento desse déficit republicano dificilmente será possível sem intensos conflitos com os demais Poderes, como já ficou evidente no caso das chamadas emendas pix (ADIn 7.688)4. Além disso, tendo em vista como diversos arranjos institucionais estão profundamente arraigados na prática política brasileira, parece muito improvável que essa resistência, em especial, do Legislativo, será superada sem fortes embates institucionais, apenas com as diretivas do presidente de diálogo e autocontenção.

O quarto e, talvez, mais destacado tema foi sobre as políticas públicas judiciárias.

Por meio, especialmente, do CNJ, o novo presidente defendeu "desde já um plano de ação para o Poder Judiciário brasileiro", com a adoção coordenada de "estratégias operacionais específicas".

Pela fala do ministro, podemos esperar a ênfase em 4 políticas públicas do Judiciário: (1) de redução da litigiosidade, "com foco inicial em Previdência, automação da Execução Fiscal, e indução ao maior uso de precedentes", o que pode representar uma expansão, inclusive no próprio no STF, dos institutos da mediação e conciliação; (2) de integridade ética da magistratura, para "detectar e corrigir condutas potencialmente desviantes"; (3) de justiça criminal, com a continuidade dos mutirões carcerários e do Plano Pena Justa; e (4) de oitiva inclusiva e plural, ressaltando a escuta como "dever da Justiça", em especial atenção aos grupos vulneráveis e à diversidade de origens, povos e comunidades, o que pode importar numa revalorização das audiências públicas.

Como fica evidente a partir da análise aqui realizada, o discurso de posse do ministro Fachin é bastante propositivo. Porém, o ministro foi ainda mais específico, ele não se limitou a enunciações de objetivos, mas desceu a detalhes, anunciando a criação de alguns mecanismos institucionais.

III. Os 5 novos mecanismos ou práticas institucionais

Dado seu imediato efeito prático na alteração da estrutura do próprio Tribunal, convém elencar as 5 inovações organizacionais anunciadas pelo ministro Fachin:

  1. Um "centro de estudos constitucionais", para servir de assessoria acadêmica da presidência, além de estabelecer um órgão específico de aproximação e diálogo entre o Judiciário e a Academia. O anunciado na posse foi concretizado no mesmo dia, com a criação do CESTF - Centro de Estudos Constitucionais do STF, pela resolução 890/25, cujos 5 membros permanentes e 9 convidados já foram definidos pela presidência na semana seguinte, com a portaria 203/255.
  2. Uma plataforma digital de acesso a dados, a fim de dar maior publicidade, transparência, estruturação e acessibilidade às informações sobre o STF.
  3. Definição colegiada e técnica da pauta do STF.
  4. Observatório de Integridade e Transparência, para acompanhamento externo das questões éticas e funcionais da magistratura.
  5. Rede nacional de juízes criminais com competência sobre Organizações Criminosas. Ainda que o ministro tenha apresentado essa inovação como algo cuja formação ainda será estudada, ele já indicou 3 ações imediatas; a construção de um Mapa Nacional do Crime Organizado, de um Manual de Gestão das Unidades Especializadas e de um Pacto Interinstitucional de Enfrentamento.

A análise das propostas do presidente Fachin revela planos ambiciosos, o que pode causar certa surpresa, ainda mais quando confrontados com o perfil tímido e contido que a imprensa tem atribuído ao ministro.

Pela análise do discurso de posse do novo presidente do STF, ficam evidentes seus diagnósticos, diretrizes e projetos não apenas para a Corte, mas para o Judiciário brasileiro6. A fala foi, sem dúvida, muito além das platitudes cerimoniais de costume, oferecendo parâmetros objetivos para avaliação da presidência que se inicia.

A partir disso, o que aqui se destrinchou busca oferecer ao leitor não apenas uma análise, mas um checklist, para o acompanhamento crítico dos próximos dois anos da condução do Poder Judiciário.

Cabe a sociedade, aos profissionais do Direito, em especial, à Academia o acompanhamento vigilante e crítico. Nesse sentido, a frase com a qual o ministro encerra seu discurso não aponta apenas sua nova condição de presidente do STF, mas também a nossa, cada um no exercício de seu papel social, político e jurídico: "O presente nos interpela e o amanhã nos convoca. Aqui estamos.". E estaremos.

__________________

1 FACHIN, Edson. Discurso. Supremo Tribunal Federal. Mais Notícias, 29/09/2025. Disponível em: https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/ministro-edson-fachin-assume-stf-e-defende-aumento-do-dialogo-entre-poderes/. Acesso em: 06 out. 2025.

2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Cerimônia de Posse - gestão 2025-2027 do Supremo Tribunal Federal (STF). Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UaOgQsL1UGY. Acesso em: 06 out. 2025.

3 Ao longo do texto, o uso de aspas indica a fiel reprodução de trechos ou expressões utilizadas pela Ministro em seu discurso.

4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisões do STF reforçam transparência na destinação de emendas parlamentares. Mais Notícias, de 31/12/2024. Disponível em: https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/decisoes-do-stf-reforcam-transparencia-na-destinacao-de-emendas-parlamentares/. Acesso em: 14 out. 2025.

5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STF cria Centro de Estudos Constitucionais para fortalecer pesquisa e inovação jurídica. Mais Notícias, de 06/10/2025. Disponível em: https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-cria-centro-de-estudos-constitucionais-para-fortalecer-pesquisa-e-inovacao-juridica/. Acesso em: 10 out. 2025.

6 O autor agradece ao Observatório da Justiça Brasileira - OJB/UFRJ, em que a presente análise foi preliminarmente exposta e discutida.

Mario Cesar da Silva Andrade

VIP Mario Cesar da Silva Andrade

Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. Doutor em Direito pela UFRJ. Pesquisador do Observatório da Justiça Brasileira - OJB/UFRJ. Membro da RDL e da ABRAFI.

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