Nova fronteira da integridade corporativa
A governança generativa e o compliance, aliados à IA, fortalecem a ética, a integridade e a criação de valor, tornando as empresas mais resilientes e confiáveis.
segunda-feira, 27 de outubro de 2025
Atualizado em 24 de outubro de 2025 13:50
Em um ambiente de negócios cada vez mais dinâmico, ético e digital, a interação entre governança e compliance se acentua no sentido de propiciar às organizações a adoção de princípios e processos sustentáveis com uma estrutura de gestão de riscos eficaz e ética, a despeito de a governança ser mais estratégica e o compliance mais tático.
Gerenciar e controlar uma organização está no cerne da governança, que vem evoluindo a partir do modelo tradicional para uma nova estrutura - a governança generativa, que incorpora práticas que promovem inovação, aprendizado contínuo e adaptação estratégica. No contexto do compliance, essa abordagem amplia o papel dos programas de integridade, que deixam de ser meramente reativos e passam a atuar como catalisadores de valor organizacional.
A governança corporativa tradicional está historicamente concentrada em dois modelos principais: o modelo fiduciário, voltado para o controle e a conformidade, e o modelo estratégico, que busca alinhar a governança aos objetivos de longo prazo da organização. No entanto, diante dos desafios do mundo corporativo atual, mais dinâmico e interconectado, surge a necessidade de novo modelo, da governança generativa.
Esse modelo propõe uma atuação mais proativa, com criação de conselhos, comitês, incentivando a geração de novos conhecimentos, a antecipação de riscos e oportunidades e a construção de uma cultura organizacional que valorize a ética e a inovação. Por outro lado, também se beneficia da inteligência artificial, que amplia a capacidade de análise preditiva, aprendizado contínuo e tomada de decisão baseada em dados.
Para o compliance, significa ir além do cumprimento normativo, promovendo uma cultura de integridade que permeia todas as dimensões da organização.
Tradicionalmente, o compliance tem a missão de identificar, avaliar as ameaças regulatórias e operacionais na organização, promovendo o controle de risco a partir de mecanismos de detecção, controle e mitigação de vulnerabilidades, que devem ser devidamente documentadas e divulgadas para as partes interessadas.
Para fortalecer a confiança na organização, a governança generativa está centrada em três pilares:
- Sentido compartilhado: líderes não tomam decisões apenas, mas ajudam a moldar o entendimento coletivo sobre os desafios e oportunidades. É ir além da orientação de decisões e criar significado coletivo. Os líderes passam a atuar como facilitadores de propósitos, conectando a estratégia corporativa às expectativas sociais e aos valores éticos. Esse pilar pressupõe diálogo constante entre governança, gestão e stakeholders, permitindo que as decisões sejam mais conscientes, legítimas e ancoradas na integridade.
- Aprendizado organizacional: a governança se torna um espaço de reflexão crítica e aprendizado contínuo, capaz de revisar práticas, corrigir rumos e evoluir com base em dados e evidências. O erro deixa de ser um tabu e passa a ser fonte de insight e aprimoramento.
- Cocriação de valor: criação de valor, por meio de conselhos, comitês e gestores que atuam como parceiros estratégicos e não como instâncias isoladas de decisão. A colaboração interdisciplinar se torna o motor da inovação e da integridade, unindo compliance, tecnologia e estratégia corporativa. O foco passa a ser a criação de valor sustentável, combinando desempenho financeiro, reputação e impacto positivo na sociedade.
A aplicação prática desses princípios já pode ser observada em empresas de diferentes setores, que incorporam a inteligência artificial às suas estruturas de compliance e governança, fortalecendo a integridade organizacional.
O HSBC, por exemplo, utiliza IA em seu programa global de compliance financeiro, para detectar padrões anômalos em transações e reduzir falsos positivos em investigações de lavagem de dinheiro.
No Brasil, a Petrobras desenvolveu ferramenta própria com IA para identificar e monitorar bens de devedores, agilizando investigações internas e fortalecendo sua política de integridade corporativa.
Já o Standard Chartered implementou um sistema de IA explicável que analisa alertas de sanções e riscos regulatórios em mais de 40 mercados, promovendo eficiência e rastreabilidade nos processos de conformidade.
Dessa forma, há uma valorização do Compliance, que não se resume a um conjunto de regras a ser seguido, que visa tão somente a conformidade com leis, políticas internas e obrigações definidas em contratos, porque ao invés de focar exclusivamente na prevenção de riscos e no cumprimento de normas, o compliance passa a ser visto como um instrumento de transformação organizacional.
Para criar uma sinergia entre governança e compliance, a área da conformidade precisa ser valorizada com o engajamento ativo da alta administração da corporação no sentido de promover a cultura de integridade, no uso das tecnologias de Inteligência Artificial para antecipar riscos, com o incremento à transparência e ativo estratégico, com canais de denúncia e feedback eficazes e integração do compliance à estratégia de negócios, para definir políticas e controles, reduzir danos à reputação da empresa e ampliar a sustentabilidade dentro da organização.
Cabe ao Compliance transformar em ações as decisões informadas pela governança dentro dos limites das leis e normas. Dessa forma, se a governança estabelecer como meta estratégica para a empresa atingir a neutralidade de carbono até 2030, visando consolidar sua transição energética, dependerá do compliance a adesão interna para medir e documentar a pegada de carbono da empresa por meio de relatórios e demais documentos para cumprir o objetivo proposto.
Dentro da governança generativa, a consolidação de uma cultura de conformidade robusta é fundamental. Para ter efetividade, o compliance terá de fazer parte do dia a dia da empresa e não ser acionado apenas diante de questões pontuais de crise. Coesão da conformidade vem com treinamento contínuo dos colaboradores, voltado a compartilhar e consolidar valores da organização a uma cultura de conformidade.
Aproximar compliance e governança generativa envolve uma série de desafios para a organização, mas quando isso não ocorre, a estabilidade da organização pode sofrer abalos e perder o foco na integridade e credibilidade. Um dos principais obstáculos é a desconexão na gestão de riscos, sobrepondo-se a governança ao compliance, que perde o poder de detectar riscos e reagir de modo efetivo e no tempo certo. Também pode desencadear conflitos entre operações e regulamentações, prejudicar e expor a organização a novos riscos, além de gerar trabalhos sobrepostos, sendo danoso financeiramente, reduzindo o engajamento e a coesão corporativa.
A base de uma organização saudável e resiliente está no trabalho conjunto da governança generativa e do compliance. Ambos, em sinergia e melhoria contínua, fortalecem os sistemas de controle interno, evitando que haja violação de leis e regras corporativas, sustentando boas práticas de gestão e criando uma cultura de integridade capaz de reduzir riscos jurídicos, financeiros e reputacionais para a empresa.
A governança generativa propicia um trabalho alinhado ao compliance, que traz vantagens operacionais e benefícios para a integridade corporativa, uma vez que mecanismos de conformidade emprestam credibilidade aos processos de governança. Essa influência mútua é benéfica para a empresa e seu equilíbrio, pois permite detectar riscos com antecedência, gera confiança e credibilidade aos olhos dos stakeholders (investidores, alta administração, funcionários, fornecedores, consumidores, governo etc.).
Na era da governança generativa, compliance deixa de ser o guardião das regras para se tornar o arquiteto da confiança.
Raphael Augusto Alves Perillo
Sócio na Lee,Brock Camargo Advogados (LBCA), Mestrando em Direito pela EPD. Graduado em Direito pela FMU e pós-graduado em Contratos pela PUC-SP, com MBA em Gestão & Business Law pela FGV-SP. Também possui pós-graduação em Compliance e Direito Digital pelo IBMEC. Tem especialização em Contract Design pela FGV-SP, sendo certificado em Compliance Anticorrupção pela LEC e em Entrevistas Investigativas pela EY e é docente da Future Law.



