A nova indicação para o STF: Entre representatividade e estratégia
Representatividade feminina negra ou Identidade política com o governo? O papel do STF mudou e isso será decisivo para a indicação do próximo ministro do STF.
quarta-feira, 29 de outubro de 2025
Atualizado às 10:09
Com a aposentadoria do ministro Luís Roberto Barroso, abriu-se não apenas uma vaga no STF, mas uma disputa nacional em torno do nome a ser indicado para o prestigioso posto.
Pela imprensa, é possível acompanhar a defesa ou análise dos candidatos tidos como os mais cotados.
A experiência parlamentar e a moderação política do ex-senador Rodrigo Pacheco são apontadas como fatores que garantiriam sua aprovação tranquila pelo Senado. Já o advogado-geral da União Jorge Messias seria o nome favorito do Planalto, em razão de seu alinhamento político com o governo, além de ser evangélico e avaliado como conservador moderado em matéria de costumes, o que pode arrefecer algumas resistências na oposição, especialmente da bancada evangélica.
Em contraponto a esses candidatos "institucionais", a comunidade jurídica, movimentos sociais, e até mesmo celebridades, têm reivindicado a indicação de uma mulher negra para a vaga, a fim de minorar essa ausência gritante, que torna indisfarçado o racismo estrutural que (de)forma também o Judiciário brasileiro.
Para além das questões simbólicas e de representatividade, essas vozes sociais apontam para a existência de diversas juristas negras com pleno preparo doutrinário e técnico, teórico e prático, para ocupar a vaga, nomes como a ministra substituta do TSE Edilene Lobo; a Secretária de Acesso à Justiça Sheila Carvalho; a juíza federal e ex-Secretária Geral do CNJ Adriana Cruz; e a procuradora Federal Manuelita Hermes Rosa Oliveira, entre tantos outros.
No entanto, qualquer análise realista do candidato a ser efetivamente indicado depende da consideração de um ponto, que, apesar de crucial, tem sido ignorado nas diferentes análises: o novo papel do STF.
Atualmente, o STF está muito longe de ser aquele "outro desconhecido", a que se referiu Aliomar Baleeiro em 1968. O Tribunal adquiriu visibilidade, quando não protagonismo, em certos momentos da vida social e institucional brasileira, como no reconhecimento de uniões homoafetivas (ADPF 132 e ADIn 4.277), no julgamento do "mensalão" (AP 470), e na liberação da aquisição de vacinas por estados e municípios durante a pandemia (ADPF 770 e ACO 3.451), bem como agora, com o julgamento dos envolvidos nos atos antidemocráticos de 08/01 (AP 2.668).
Mais do que isso. Na atual polarização política do Brasil, a oposição parlamentar numerosa e midiaticamente ruidosa tem conseguido travar no Congresso Nacional o avanço de pautas estratégicas para o governo, por vezes, em detrimento da avaliação de sua conveniência pública. Não raramente, extremismo e oposicionismo políticos sobrepõem-se ao interesse público. Nesse cenário, o STF tem funcionado não apenas como guardião da Constituição, da coerência normativa com o Texto Maior, mas também como importante garantidor de governabilidade. A Corte tem funcionado como um anteparo diante da instrumentalização política de institutos jurídicos pela maioria parlamentar em desvio de sua função constitucional, ou, em outras palavras, em abuso de seu poder "quase parlamentarista".
O julgamento conjunto das ADIns 7.827 e 7.839 e da ADC 96, sobre o caso do IOF, foi bastante representativo desse novo papel da Corte.
I. O Caso do IOF
Em maio desse ano, o presidente da República majorou as alíquotas do IOF1, por meio do decreto 12.466/25, a fim de compensar perdas de arrecadação decorrentes de derrotas anteriores no Congresso, como a derrubada do veto presidencial à prorrogação das desonerações da folha de pagamento de empresas. Porém, em junho, o Congresso sustou os efeitos do decreto presidencial, por meio do decreto Legislativo 176/252.
O revés congressual evidenciou, mais uma vez, a fragilidade da base parlamentar do governo, especialmente na Câmara dos Deputados. Afinal, a última vez que o Congresso tinha sustado um decreto presidencial havia sido durante o governo Collor, em 19923.
Ambos os lados levaram a controvérsia para o STF.
O PL, principal partido de oposição, pediu a declaração de inconstitucionalidade do decreto presidencial, alegando desvio de finalidade, dada a natureza extrafiscal do tributo (ADIn 7.827); enquanto o PSOL, partido da base aliada do governo, impugnou o decreto legislativo (ADIn 7.839). Por sua vez, a presidência da República pediu a declaração de constitucionalidade dos decretos4 que majoraram as alíquotas do IOF, sob a alegação de discricionariedade executiva (ADC 96).
O min. relator Alexandre de Moraes designou audiência de conciliação, mas Legislativo e Executivo não chegaram a um acordo. Frustrada a tentativa de conciliação, o STF decidiu favoravelmente aos decretos presidenciais5, ainda que com algumas ressalvas pontuais, assegurando ao governo uma arrecadação estimada de R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 20266, o que franqueou uma via alternativa ou "válvula de escape" para o governo driblar a barreira parlamentar e obter receitas adicionais.
A importância dessa decisão para o governo reaparece agora.
A Câmara dos Deputados não votou em 120 dias a Medida Provisória 1.303/25, editada como outra estratégia para aumentar a arrecadação, ao modificar a tributação sobre certos tipos de investimentos antes isentos (LCA, LCI, CRA e CRI7), sobre bets, fintechs e o imposto de renda sobre juros sobre capital próprio. Não tendo sido convertida em lei até 15/10, a MP perdeu a eficácia, o que foi amplamente comemorado pela oposição.
Segundo o governo, sem as receitas da MP, faltam cerca de R$ 35 bilhões para o orçamento de 2026. Diante disso, a majoração do IOF por decreto ressurge como possível saída emergencial e já "autorizada" pelo STF.
Independentemente da questão constitucional, o caso do IOF evidencia como o STF teve o papel (ou o efeito prático) de garantir a governabilidade para o Executivo, ou, pelo menos, assegurou uma via para o governo contornar a barreira parlamentar e, assim, obter receita e atingir suas metas fiscais e custeio de seus projetos. Sem isso, a Presidência talvez tivesse sido reduzida a menos do que um "gabinete parlamentarista sem apoio parlamentar", com deveres institucionais, mas esvaziado de exequibilidade.
II. O novo papel do STF
O STF tem se tornado uma importante saída não apenas para o governo, mas também para minorias parlamentares, as quais, sem força política para pautarem as deliberações legislativas, buscam viabilizá-las pelo controle de constitucionalidade concentrado-abstrato.
É perceptível o alto número de ADIs e ADPFs ajuizadas por partidos políticos como PSOL, REDE Sustentabilidade, PDT e PSB. A partir de dados do Programa Corte Aberta, do STF, apenas entre 2019 e 2025, o partido REDE ajuizou uma média de 16,1 ações diretas por ano, seguido por PSOL (14,6), PDT (14,3), PT (14,3) e PSB (13,3)8.
Apenas em 2019, por exemplo, das 333 ações de controle concentrado ajuizadas no STF, 91 foram apresentadas por partidos políticos, sendo os mais profícuos o Rede Sustentabilidade, com 18; o PDT, com 14; o PSOL e o PSB, ambos com 10; o PT, com 8; o Solidariedade, com 5; e o PCdoB, com 4.9 Somente no primeiro semestre de 2025, foram 21 ações no STF ajuizadas por partidos políticos10.
Por certo, a legitimidade ativa dos partidos políticos com representação no Congresso (art. 103, VIII, CF/88) foi, por vezes, instrumento essencial para vencer a inércia política sobre violações de direitos fundamentais que dificilmente teriam alcançado sensibilidade e mobilização popular ou parlamentar, como nos casos da ADPF 635, sobre a "letalidade da política do Rio de Janeiro"; da ADPF 347, sobre o "sistema penitenciário"; e da ADPF 442, sobre a "descriminalização da interrupção voluntária da gestação até a 12ª semana", ainda em tramitação no STF. Dentre esses 3 exemplos, a primeira ação foi ajuizada pelo PSB e as outras duas pelo PSOL.
Nessa dinâmica, com o governo sem uma sólida maioria no Congresso, mas precisando superar a oposição parlamentar para implementar seus projetos, o STF tem sido uma imprescindível "válvula de escape" do impasse institucional entre Legislativo e Executivo. Essa importância estratégica de um STF "favorável" pode ser decisiva em 2026, em que a polarização política tende a se extremar ainda mais com a disputa eleitoral.
A análise aqui empreendida não pretende avaliar o mérito ou correção do novo papel do STF na dinâmica entre os Poderes, mas contribuir para seu diagnóstico. A despeito das eventuais discordâncias ou justificativas, resta patente que o Tribunal passou a assumir um flanco de atuação até então em grande medida inexplorado, ou pelo menos nos termos ostensivos atualmente vistos.
III. A indicação: entre representatividade e pragmatismo
Em razão de todo o exposto, bem se vê está em disputa muito mais do que o juízo sobre os requisitos constitucionais de "notável saber jurídico e reputação ilibada" dos candidatos (art. 101, CF/88).
A indicação terá como foco o perfil avaliado pela Presidência como mais adequado para esse novo papel que o STF passou a desempenhar na dinâmica entre os Poderes.
O critério decisivo para a escolha do indicado para a nova vaga será seu alinhamento político e institucional com o Executivo. Afinal, o governo e a base aliada não podem correr o risco de perder esse flanco de resguardo.
Ainda que entre os mais cotados, Rodrigo Pacheco seja o nome isento de riscos no Senado, ele não apresenta a identidade política que o governo deseja (e precisa). Se por um lado, Jorge Messias atende o quesito, por outro, a atual polarização política faz com que esse seja, exatamente, o perigoso pomo da discórdia com os senadores.
Em tese, o governo tem maioria no Senado, mas o histórico de votações indica que essa base "aliada" está longe de estar "alinhada". Os resultados variam muito conforme o objeto da deliberação, como ficou claro nas votações sobre o marco temporal para demarcação de reservas indígenas, além das cisões internas de União Brasil, PP e PSD no apoio ao governo. Contudo, o governo pode querer correr o risco e tentar uma aprovação, ainda que apertada, de Jorge Messias. Certamente, o governo já começou a contar "na ponta do lápis" os votos "seguros" para mensurar o risco.
Paradoxalmente, essa fragilidade do candidato favorito pode ser a grande chance de indicação de uma mulher negra, ansiada por tantos segmentos da sociedade civil. Afinal, dificilmente, os senadores, mesmo os de oposição, gostariam de atrair sobre si a pecha e o ônus político de rejeitarem a primeira candidata negra para a mais alta Corte de Justiça do país.
Diante de uma eventual incerteza quanto à aprovação de Messias, resta saber se o governo possui um nome que reúna os 2 critérios que o pressionam: o da representatividade negra, socialmente cobrada, e o da identidade política, que se tornou pragmática e estrategicamente imprescindível.
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1. Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários.
2. Em 15/10/2025, a medida provisória nº 1.303/2025, não foi convertida em lei em 120 dias, perdendo eficácia.
3. ROSA, João. Congresso não derrubava um decreto presidencial desde 1992; relembre. CNN Brasil, 20/06/2025.
4. Decretos nºs 12.466/2025, 12.467/2025 e 12.499/2025.
5. Exceto quanto às operações de risco sacado, pois o Ministro entendeu se tratar de espécie de relação comercial de captação de recursos pela liquidação de ativos próprios, que não pode ser equiparada a operações de crédito, como fez o decreto, criando hipóteses de incidência do IOF, e, assim, ultrapassando seu poder regulamentar.
6. MÁXIMO, Wellton. O governo estimou que as mudanças no IOF renderiam R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026. Agência Brasil, de 22/05/2025.
7. Letra de Crédito do Agronegócio, Letra de Crédito Imobiliário, Certificado de Recebíveis do Agronegócio, e Certificado de Recebíveis Imobiliários.
8. NOVO. Perfil dos Legitimados no Controle Concentrado de Constitucionalidade. Novo na Câmara, 03/07/2025.
9. BRÍGIDO, Carolina; ALMEIDA, Amanda. Em 2019, partidos foram mais ativos do que a própria PGR em ações no STF. O Globo, de 04/01/2020.
10. PARTIDOS acionam 21 vezes o STF em 2025 com ações constitucionais. Nexus. Estudos divulgados [s.d.].


