Metadados e notificação eletrônica no procedimento arbitral online
No procedimento arbitral online, a notificação eletrônica é suficiente? O que dizem regulamentos, metadados e o STJ sobre contraditório e prova.
quarta-feira, 29 de outubro de 2025
Atualizado às 14:37
O aumento da quantidade de arbitragens, e consequentemente de análises destes procedimentos pelo Judiciário, traz novos temas à tona. Ou pelo menos, provoca o estudo de temas já definidos previamente, sob uma nova perspectiva, como a notificação eletrônica.
Neste sentido, merece atenção abordarmos a notificação, não só sob o ponto de vista do contraditório e do devido processo legal. Mas também como comprovante de segurança jurídica, transparência e lisura do procedimento arbitral.
Em apertada análise da jurisprudência, conseguimos identificar o entendimento de que o comprovante do envio, com o recebimento da parte ex-adversa seria suficiente para preencher requisitos do devido processo legal. Consequentemente, isso garante o contraditório e a ampla defesa.
As cláusulas arbitrais, bem como os regulamentos das câmaras arbitrais regem a matéria, determinando o procedimento, e por conseguinte, a forma de realização das notificações.
Entretanto, em meio à crescente quantidade de procedimentos, o cuidado com boas práticas, visando maior segurança jurídica da notificação eletrônica, é palavra de ordem. Principalmente na promoção e na manutenção da jurisprudência favorável ao desenvolvimento da arbitragem em nosso país.
Com base nisso, serão feitas aqui considerações cabíveis para gerar comprovantes inequívocos na notificação eletrônica. Eles abrangem autenticidade, titularidade do destinatário das notificações e outros fatores, em linha com a metodologia utilizada pela Arbtrato.
Flexibilidade procedimental e notificação eletrônica no procedimento arbitral online Uma das características da arbitragem é justamente a flexibilidade dos procedimentos. Neste sentido dispõe o art. 21 da lei 9.307/96:
"A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento. § 1º Não havendo estipulação acerca do procedimento, caberá ao árbitro ou ao tribunal arbitral discipliná-lo".
O legislador inverteu a sistemática até então adotada pelo CPC, não traçando um procedimento suplementar para hipótese das partes nada terem disciplinado a respeito2. Extrai-se, portanto, da norma, três principais fontes, com base na flexibilidade, para reger o procedimento arbitral: a) Convenção arbitral; b) Regulamento da Câmara, no caso de arbitragem institucional; c) a própria interpretação do árbitro.
Nesse sentido, é um equívoco pensar a sistemática das notificações dentro de um procedimento arbitral, a partir da ótica do CPC. A análise do instituto, por esse enfoque fatalmente levará a demanda de volta ao Judiciário, que é o sistema que possui a figura do oficial de justiça, dotado de fé pública para realização das citações.
A doutrina e jurisprudência têm buscado evitar tais equívocos de interpretação. Exemplo disso é o REsp 1.851.324/RS3. O acórdão é claro ao estabelecer que "O árbitro não se encontra, de modo algum, adstrito ao procedimento estabelecido no CPC, inexistindo regramento legal que determine, genericamente, sua aplicação, nem sequer subsidiária, à arbitragem. Aliás, a lei de arbitragem, nos específicos casos em que preceitua a aplicação do diploma processual, assim o faz de maneira expressa".
Em comentário realizado na Revista Brasileira de Arbitragem, sobre a referida jurisprudência, é acertado dizer que no procedimento arbitral "não há qualquer remissão às regras do CPC, devendo-se sempre respeitar a autonomia da vontade das partes e, naquilo que forem omissas, atribuir-se ao árbitro o poder de disciplinar o procedimento."4
A partir da característica da flexibilidade, bem como da autonomia da vontade, é possível estabelecer um procedimento arbitral online, a partir de notificações eletrônicas. Assim, garantem-se os princípios norteadores da teoria geral do processo, sempre regidos a partir da convenção arbitral, do regulamento das câmaras de arbitragem, das partes e do árbitro, na condução do procedimento.
As convenções, neste caso, além de estabelecerem a opção pela arbitragem, deverão optar por procedimentos que ocorram de forma totalmente online, inclusive por meio de notificações eletrônicas. Para tanto, é condição sine qua non a disponibilidade de endereços eletrônicos das partes na convenção, prevendo já a notificação arbitral, em caso de resolução por meio da arbitragem.
Ainda é relevante o compromisso das partes de se notificarem reciprocamente em caso de mudanças desses endereços eletrônicos. Consequentemente, regulamentos das câmaras que realizarão tais procedimentos, árbitros, partes e advogados devem estar todos cientes de tais características procedimentais, sob pena de gerar vícios ao próprio procedimento.
Considerando a temática, os tribunais, via de regra, têm respaldado, tanto a flexibilidade e autonomia do procedimento arbitral quanto o procedimento online, com notificação eletrônica.5
Normas sobre comunicação e notificação eletrônica nas arbitragens institucionais
Nas arbitragens institucionais, os regulamentos disciplinam e autorizam a notificação eletrônica, definindo critérios objetivos de prova técnica, em especial a comprovação de envio, recebimento e ciência. No procedimento arbitral online, a determinação é a comunicação eletrônica, variando apenas os detalhamentos e exigências de cada regulamento aplicável.
Nas arbitragens institucionais, os regulamentos de CAM-CCBC6, Câmara Ciesp/Fiesp7, CAMARB8, CAMES9 e Arbtrato10 admitem a notificação eletrônica como regra, vinculando sua validade à prova técnica de envio, recebimento e, quando possível, ciência. Em geral, a comunicação ocorre por meios eletrônicos (portais/plataformas e e-mail), com endereços previamente indicados pelas partes e registros que permitam auditar o ato.
No caso da Câmara Ciesp/Fiesp, a comunicação eletrônica é o padrão, mas a instauração da arbitragem e poucos atos específicos ainda podem exigir via física com aviso de recebimento. A CAM-CCBC e a CAMARB adotam comunicações preferencialmente eletrônicas, reservando a via física como exceção; a CAMES presume a realização do ato após a disponibilização no sistema; e a Arbtrato prevê notificação automática via plataforma (e-mail/WhatsApp), o que se alinha às rotinas do procedimento arbitral online.
Compulsando tais regulamentos, a conclusão é que o contraditório, e portanto o devido processo legal, nestes casos, ocorre com envio da notificação eletrônica, mediante comprovante deste envio, via regra, pelas câmaras arbitrais, de acordo com o que é estabelecido em convenção arbitral. Esse foi também o entendimento do STJ no REsp 1.903.359/RJ11: "O procedimento arbitral é, pois, regido, nessa ordem, pelas convenções estabelecidas entre as partes litigantes - o que se dá tanto por ocasião do compromisso arbitral ou da assinatura do termo de arbitragem, como no curso do processo arbitral -, pelo regulamento do Tribunal arbitral eleito e pelas determinações exaradas pelo árbitro."
Dadas as considerações, sobretudo na ótica do devido processo legal e do contraditório, é possível ainda, nas notificações eletrônicas, promover medidas, que comprovam a higidez e transparência do procedimento, trazendo maior confiabilidade e segurança às partes.
Neste ponto é possível trazer para os procedimentos arbitrais soluções tecnológicas que venham a comprovar com mais assertividade que os ARs ou outros meios físicos de comunicações/notificações.
Metadados na notificação eletrônica: a expertise do campo da assinatura eletrônica
Considerando o fenômeno da arbitragem online, cabe aqui uma analogia com a evolução das plataformas de assinatura eletrônicas. Elas evoluíram, trazendo hoje, não só os requisitos mínimos que a lei preconiza, como também traz a cada assinatura, comprovantes irrefutáveis da autenticidade dos registros das partes.
Este é também um caminho que pode ser percorrido no procedimento arbitral. Hoje plataformas como a da Arbtrato possibilitam a coleta de metadados que confirmam, de forma irrefutável, não só o recebimento, mas também a leitura, a interação com o procedimento, com coleta de metadados técnicos (IP, browser, geo-localização, dentre outros). Isto ocorre, sempre respaldado pela LGPD.
Diferentemente do Sedex, ARs e de outros serviços análogos, o e-mail é uma extensão da personalidade, com autenticidade intransferível. Tal qual ocorre em muitos dos meios de assinatura digital de documentos, por meio do e-mail e outras mídias sociais, é possível a coleta de uma vasta gama de metadados técnicos, que são comprovantes de grande robustez, contribuindo para a transparência e lisura dos procedimentos.
Esta coleta de metadados também pode ser realizada na interação com a plataforma, confirmando mais uma vez a autenticidade e veracidade. Essa pode ser confirmada através da conferência dos próprios metadados, dos e-mails e demais documentos das partes disponíveis nos procedimentos arbitrais.
A interação com o conteúdo das notificações e a expertise trazida do marketing digital
A necessidade de envio de e-mails em massa no marketing digital impulsionou soluções tecnológicas de alta eficiência para grandes volumes. Por esses meios, é possível extrair metadados técnicos.
No mundo do marketing digital, o interesse logicamente seria entender mais o cliente, se ele está interessado, interagindo com as mensagens enviadas ou não.
Adaptando uma solução já existente aos procedimentos arbitrais, é possível estabelecer um big data sobre as interações das partes em todos os momentos do procedimento, não só da notificação. Em outras palavras, se tem um comprovante irrefutável do conhecimento das partes acerca de notificações, andamentos e eventuais intimações do procedimento.
Síntese: notificação eletrônica no procedimento arbitral online
É notório o crescimento da arbitragem nos últimos anos. As instituições arbitrais e entidades que as representam, árbitros e advogados e outros profissionais que não só atuam na área, mas que também acreditam no instituto, se preocuparam com a boa formação dos profissionais, que hoje estão no mercado de trabalho, aptos a operar nos procedimentos arbitrais com segurança e qualidade.
Por essa razão, insta salientar os potenciais equívocos resultantes de uma análise que priorize o CPC em detrimento da lei de arbitragem, da convenção arbitral e dos regulamentos das câmaras, o que pode comprometer a validade dos procedimentos arbitrais. Os novos operadores desse microssistema devem, portanto, refletir sobre sua forma de atuação, sobretudo em procedimentos arbitrais.
A correta interpretação das notificações e de outros institutos do procedimento arbitral depende deste correto entendimento. Sobretudo no que diz respeito à autonomia da vontade, bem como à flexibilidade inerente à arbitragem. São justamente tais características que diferenciam a arbitragem enquanto escolha para resolução de conflitos.
Embora as câmaras de arbitragem possuam diferentes critérios para efetuar notificações, bem como prazos para o exercício do contraditório, todas seguem os princípios da teoria geral do processo.
Os tribunais estaduais, assim como os tribunais superiores, têm validado sistematicamente os procedimentos arbitrais, com base na flexibilidade, na autonomia das partes no estabelecimento da convenção arbitral, bem como nas boas práticas das câmaras e dos árbitros na condução dos procedimentos.
A implementação de metadados e de demais tecnologias nos atuais sistemas de notificação tem proporcionado maior segurança jurídica aos procedimentos. Assim, assegurando, de forma inequívoca, o recebimento das comunicações ao longo das arbitragens.
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1 RECURSO ESPECIAL Nº 2208537 (e-Doc 47454523) | 2023/0150024-5, Quarta Turma, Órgão: STJ - Acórdãos. Relator: MARIA ISABEL GALLOTTI. Publicado em Publicado em 19/05/2022
2 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei nº 9.307/96- 4 ed. Barueri, Atlas, 2023. P.293.
3 STJ - REsp: 1851324/RS, Relator.: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 20/08/2024, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/08/2024.
4 APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Jurisprudência estatal comentada - Recurso Especial 1851324/RS. Revista Brasileira de Arbitragem, n. 84, out./nov./dez. 2024, p. 211-224.
5 CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ARBITRAL. LOCAÇÃO RESIDENCIAL. DESPEJO. Autor que requer o cumprimento de sentença arbitral que decretou o despejo do locatário em razão do inadimplemento de aluguéis em contrato de locação residencial. Sentença de extinção por nulidade do procedimento arbitral. Apelo do autor. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto. Relação jurídica que versa exclusivamente sobre locação residencial, prevalecendo a legislação específica (Lei nº 8.245/91). Precedentes em casos semelhantes. Possibilidade de inserção de cláusula arbitral em contrato de adesão, desde que haja destaque em negrito e assinatura específica. Art. 4º, §2º, da Lei nº 9.307/96. Requisitos respeitados no caso concreto. Não obstante, possibilidade de o Juízo Estatal decretar de ofício a nulidade do procedimento arbitral caso ocorra violação ao art. 21 e art. 32 da Lei nº 9.307/96. Contudo, ausência de violação ao contraditório e à ampla defesa no caso concreto. Réu que foi citado por meio eletrônico em endereço declinado na fase contratual. Transcurso in albis do prazo para apresentação de resposta no Juízo Arbitral. Revelia do requerido que não obsta a prolação de sentença arbitral, nos termos do art. 22, §3º, da Lei nº 9.307/96. Ausência de irregularidades procedimentais perante o Juízo Arbitral. Título executivo válido. Sentença anulada. Recurso provido.(TJSP; Apelação Cível 1027967-57.2024.8.26.0100; Relator (a): Mary Grün; Órgão Julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 2ª VARA EMPRESARIAL E CONFLITOS DE ARBITRAGEM; Data do Julgamento: 24/04/2025; Data de Registro: 28/04/2025 - grifado).
6 https://www.ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/resolucao-de-disputas/arbitragem/regulamento-de-arbitragem-2022/
7 https://www.camaradearbitragemsp.com.br/regulamento-arbitragem
8 https://camarb.com.br/arbitragem/
9 1- Salvo disposição em contrário nos artigos 4(4)(b) e 5(3), todas as manifestações e outras comunicações apresentadas por escrito por qualquer das partes, bem como todos os documentos a elas anexos, deverão ser enviados a cada uma das partes, a cada árbitro e à Secretaria. Todas as notificações ou comunicações do tribunal arbitral para as partes deverão ser enviadas com cópia para a Secretaria.
2 Todas as notificações ou comunicações da Secretaria e do tribunal arbitral deverão ser enviadas para o último endereço da parte destinatária ou do seu representante, conforme comunicado pela parte em questão ou por qualquer outra parte. A notificação ou comunicação poderá ser efetuada por entrega contra recibo, carta registrada, portador, correio eletrônico ou outra forma de telecomunicação que produza comprovante de envio.
10 https://arbtrato.com.br
11 REsp n. 1.851.324/RS, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 20/8/2024, DJe de 23/8/2024.


