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Imunidade Tributária e Infoprodutos: o que (quase) ninguém te conta

Muitos tentam vender infoprodutos como ebooks para obter imunidade tributária. Mas isso raramente se sustenta: a imunidade vale apenas para livros digitais, não para cursos com aulas e suporte.

terça-feira, 28 de outubro de 2025

Atualizado em 29 de outubro de 2025 11:24

Imagine o seguinte: você lança um infoproduto, fatura alto, reinveste pesado em tráfego, escala sua operação e, quando menos espera, o fiscal da Receita Federal está batendo na sua porta. De repente você se vê diante de um passivo tributário que pode comprometer tudo o que você construiu.

Esse é o risco real que muitos infoprodutores correm quando decidem estruturar suas ofertas como e-books apenas para aproveitar a imunidade tributária prevista na Constituição.

É uma estratégia tentadora, mas perigosa.

E aí vem a pergunta:

Afinal, será que todo infoproduto pode realmente ser enquadrado como "livro digital"?

E mais: será que isso, por si só, já garante imunidade tributária?

Spoiler: não garante! E a consequência pode custar muito caro.

A promessa da imunidade e a certeza da impunidade: o "canto da sereia" fiscal.

Você provavelmente já ouviu essa frase de contadores e advogados:

"Transforme seu curso em e-book e zere seus impostos."

Essa narrativa ganhou força no mercado digital. E, de fato, a Constituição Federal assegura imunidade tributária para livros, jornais e periódicos, inclusive os digitais.

Mas aqui está o ponto crucial: isso se aplica a publicações com finalidade informativa ou educacional que se enquadram como produto editorial, e não como serviço.

Grande parte dos produtos digitais vendidos hoje no mercado - cursos, mentorias, imersões, masterminds, consultorias e clubes de assinatura - não são e-books. São prestação de serviços educacionais ou de treinamento profissional.

O problema não é a imunidade. É fingir que seu produto é algo que ele não é.

Muito se fala sobre imunidade tributária. Mas pouca gente fala da verdade prática: não adianta forçar um enquadramento fiscal se o modelo de negócio não conversa com isso.

O que temos visto no mercado é um movimento perigoso:

Profissionais que orientam infoprodutores a reestruturarem seus produtos de forma completamente incompatível com a lógica de vendas e consumo do mercado digital.

Em outras palavras: estão desenhando soluções que funcionam no papel, mas que não funcionam no funil.

Quer um exemplo? O famoso "e-book como isca fiscal".

Contadores e advogados instruem seus clientes a comercializarem um infoproduto em duas versões:

  • uma com apenas o e-book (parte escrita), por um valor menor, para alegar imunidade tributária;
  • e outra com aulas, comunidade, suporte, bônus e tudo o que realmente entrega valor ao cliente, por um valor maior, sem imunidade.

Essa estrutura é tecnicamente possível, a depender de como os tributos e o próprio infoproduto são lançados. Se na prática não ocorre essa diferenciação de produtos e valores, já existe um furo imenso nesta tese.

E praticamente nenhuma das grandes empresas do mercado digital utiliza esse modelo de separação.

Isso quebra completamente a jornada de compra do cliente. Gera ruído, confusão e, principalmente, perda de conversão.

E o mais grave: esses profissionais não explicam aos seus clientes que, sem cumprir esse tipo de estrutura (e outras mais complexas ainda), não será possível sustentar juridicamente a imunidade tributária.

Ou seja, colocam o infoprodutor em risco, sem informar com clareza os ônus operacionais e os riscos fiscais envolvidos.

E esse é só um exemplo. Existem várias outras estratégias supostamente "inteligentes" que não resistem ao campo de batalha digital e jurídico

Orientações e pareceres jurídicos que ignoram o comportamento de consumo, o funcionamento dos lançamentos, o tráfego pago, os gatilhos, o suporte ao aluno - não são estratégias. São armadilhas.

Imunidade não é para todo mundo. E nunca é total.

É essencial deixar algo muito claro: nem todo infoproduto pode buscar imunidade tributária. E nenhum - absolutamente nenhum - conseguirá se isentar 100% dos tributos.

A imunidade prevista na lei não abrange a totalidade dos produtos e serviços que hoje são comercializados como infoprodutos.

Ela foi criada para proteger a disseminação do conhecimento, e não para blindar estruturas educacionais complexas ou jornadas de compra baseadas em serviços.

E aqui entra o ponto mais negligenciado por quem vende "estratégias milagrosas":

A aplicação da imunidade depende de uma análise minuciosa e técnica do modelo de negócio.

Veja alguns critérios importantes:

1. Formato de entrega

Seu produto é efetivamente um download de e-book, ou o cliente acessa uma área de membros com aulas em vídeo, PDFs complementares, quizzes e comunidade?

Há um elemento de prestação de serviço embutido na experiência de aprendizagem?

O conteúdo é estático ou dinâmico? Automatizado ou customizado?

Outro spoiler: Se existe qualquer forma de interação, acompanhamento ou tutoria, você está prestando um serviço educacional, e não vendendo apenas um livro.

2. Tipo de conteúdo e experiência

Seu produto oferece acesso a comunidade fechada no WhatsApp, Facebook ou Telegram?

Existe mentoria, suporte, correção de atividades, sessões ao vivo?

O conteúdo é personalizado ou em formato de trilha adaptativa?

Tudo isso afasta a natureza editorial e aproxima a natureza de serviço/produto.

3. Modelo comercial e recorrência

Você vende por unidade (como se fosse um livro mesmo) ou no modelo de assinatura mensal ou recorrente?

Existe renovação automática, upsell, cross-sell de novas turmas ou upgrades?

Modelos de recorrência tendem a ser interpretados como prestação contínua de serviço, o que afasta ainda mais qualquer chance de imunidade tributária.

4. Mídia e tecnologia utilizada

Você entrega um arquivo PDF ou acesso a plataforma com login e senha, integração com Hotmart, Eduzz, Kiwify ou app próprio?

Quanto mais sofisticada a tecnologia empregada, mais evidente se torna o caráter de serviço e menos aplicável se torna a tese de imunidade.

E não se iluda pelo fato de que seu negócio possui 3 anos e ainda não foi investigado. A Receita Federal sempre investiga as empresas nos últimos 4 ou 5 anos de operação, pois consegue alcançar uma amostragem maior dos tributos sonegados e, consequentemente, vai te cobrar muito mais. 

Reforma Tributária: Prepare-se para uma travessia longa (e arriscada)

Além dos desafios atuais, o cenário tributário vai mudar - e muito.

Com a Reforma Tributária já aprovada, o Brasil entrará em uma fase de transição entre dois sistemas:

Entre 2026 e 2032, infoprodutores precisarão lidar com duas legislações simultâneas: a atual e a que está sendo implementada.

A partir de 2033, o novo modelo tributário será aplicado em sua totalidade.

Esse período de transição será, sem dúvida, o mais arriscado e instável para quem trabalha no digital.

E quem não se organizar juridicamente agora vai sentir os efeitos mais intensamente na hora da adaptação.

Será necessário revisar estruturas, contratos, formas de precificação, relacionamento com parceiros e, principalmente, a coerência tributária entre o que se vende e o que se entrega.

E isso tudo já para o ano de 2026.

A busca não deve ser por atalhos, mas sim por coerência e segurança jurídica.

Se você comercializa infoprodutos, a melhor estratégia não é fingir que seu curso é um e-book.

É entender, com profundidade, o que você realmente entrega - e a partir disso, avaliar se há fundamentos jurídicos reais para discutir uma eventual possibilidade de imunidade tributária.

Uma abordagem segura exige:

  • Diagnóstico individualizado do seu infoproduto;
  • Coerência entre a forma jurídica e a realidade operacional;
  • E clareza sobre os riscos jurídicos envolvidos.

Oriente-se com responsabilidade. Imunize-se com coerência.

Se você vende produtos digitais e está considerando estratégias fiscais como a imunidade, pare e reflita: será que o

Seu negócio realmente se enquadra nessa possibilidade?

Evite atalhos que parecem seguros, mas que podem colocar tudo em risco. Busque apoio jurídico especializado, alinhado à sua operação e à realidade do mercado digital.

Porque o apoio jurídico no digital não é para depois - é para antes!

Danilo da Silva Oliveira Melo

Danilo da Silva Oliveira Melo

Advogado com mais de 13 anos de experiência em Direito Empresarial, Consumidor, Contratos e Proteção de Dados (LGPD). É fundador do DM Legal Firm, escritório especializado na Creator Economy.

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