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O modelo atual do STF: Ser ou não ser, eis a questão

A aposentadoria de Barroso reacende debates sobre nomeação, mandato e papel do STF, destacando experiência jurídica e judicialização da política.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Atualizado em 28 de outubro de 2025 11:53

Sempre quando se abre uma vaga a ser preenchida no STF a sociedade, a imprensa e a classe política debatem sobre o melhor modelo. Com a aposentadoria do ministro Barroso esse debate voltou à tona, com o senador Carlos Portinho dizendo que vai apresentar uma PEC para tratar do tema1.

A partir do processo do mensalão iniciou-se um grande interesse da população brasileira nas decisões do STF e no Direito, campo do saber muito técnico e que até então se resumia a debates entre esses profissionais. Hoje já se observa, com certa frequência, precipuamente após os desdobramentos do que se denominou "operação Lava Jato", a discussão em bares e outros lugares de encontro, sobre o cabimento dos embargos infringentes, do Habeas Corpus, a prescrição da pretensão punitiva, ato de ofício, corrupção ativa e passiva entre outros institutos do direito processual e material.

Essa "fiscalização popular" não possui qualquer relação com "fazer justiça". Até porque, se for o caso de julgar conforme as "vozes da rua", bastaria contratar um bom instituto de pesquisa e esquecer qual papel cabe ao Supremo. Embora as leis sejam estáticas e a sociedade seja dinâmica, exigindo do julgador a adequação aos fins sociais a que a norma se dirige, sob pena de fechar os olhos à evolução social, muitas vezes o Ordenamento Jurídico é expresso e não comporta outras interpretações. Assim, não podemos descurar, conforme professava Platão, que "o juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis".

Dentro desse contexto surgem questionamentos em relação ao papel, atuação, forma de nomeação e composição do STF

Uma crítica muito comum ao Supremo refere-se à judicialização da política, em contraposição ao papel mais conservador da Suprema Corte Americana, que interpreta a "Separação entre os Poderes" de forma mais restrita. Todavia, mesmo que contraditoriamente, quem judicializa essas matérias são os próprios políticos, então não há como o respectivo órgão se omitir no enfrentamento.

Esse fenômeno é relatado por Luiz Werneck Vianna, em seu livro "Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil"2, como resultado do acionamento do Poder Judiciário para resolução das demandas sociais e das decisões políticas emanadas pelo Executivo e Legislativo. Nos dias de hoje grande parte das decisões políticas do Poder Executivo e Legislativo estão sendo confrontadas ou questionadas através de ações judiciais, tendo, assim, o STF, guardião da Constituição, ganhado holofotes mais reluzentes, em face de ser o último órgão jurisdicional a decidir.

Discute-se ainda as últimas nomeações sob o crivo do "notável saber jurídico", já que o  art. 101 da CF/88 exige "notável saber jurídico e reputação ilibada, bem como ser maior de trinta e cinco anos" para ser nomeado ministro do STF. Como bem se sabe 'notável saber jurídico' é um termo jurídico indeterminado e nem necessita haver correlação com qualquer titulação. Há, inclusive, quem proponha indicadores a respeito, menosprezando a experiência de funções estatais, como advogado-geral da União, ministro da Justiça ou outra.

Na minha visão é justamente o contrário, se o Estado é o maior regulador das relações sociais, além da característica analítica da nossa Constituição, e se essas relações são judicializadas, justamente o Estado estará no centro dos debates da Corte Suprema. Logo, essa experiência da atividade Estatal muito enriquece o debate. Portanto, não basta ser acadêmico, é necessário ter experiência jurídica atrelada a realidade jurídica, e essa experiência só se adquire exercendo atividades jurídicas, entre elas a advocacia, defensoria, judicatura, funções estatais ou outras vinculadas a decisões que impactem o Poder Judiciário.

Por fim, se fala também em mandato para o Supremo, o que ao meu ver contribuiria para instabilidade das decisões, bem como abriria caminho para uma porta giratória entre advocacia e exercício da jurisdição, desde entrada até a saída do cargo. Além do que a vitaliciedade dá liberdade ao indicado para exercer soberanamente sua jurisdição, inclusive na perspectiva contramajoritária.

Enfim, qualquer modelo abriria um leque de debates advindos da Teoria dos Jogos, não existindo modelo ideal, mas o atual, ao meu sentir, ainda está longe dessa imperfeição toda propagada.

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1 FURTADO, Polianna. Oposição quer ampliar poder do Senado na escolha de Ministro do STF. Revista Oeste. 23/10/2025. Disponível em: https://revistaoeste.com/politica/oposicao-quer-ampliar-poder-do-senado-na-escolha-de-ministros-do-stf/.

2 WERNECK VIANNA, Luiz; CARVALHO, Maria Alice Rezende; MELO, Manuel Palácios Cunha & BURGOS, Marcelo Baummam. A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

Allan Titonelli Nunes

Allan Titonelli Nunes

Procurador da Fazenda Nacional, Coordenador de Formação e Educação Continuada da Escola Superior da AGU, ex-Desembargador Eleitoral Substituto e Ouvidor do TRE/RJ, Mestre em Administração Pública pela FGV, Especialista em Direito Tributário, Ex-Presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz. Membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (ABRADEP).

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