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De Vaca Muerta a Triunfo: Como uma rota gaúcha pode protagonizar o resgate do transporte dutoviário entre Brasil e Argentina?

Integração entre países em gás e GLP cria corredor energético, impulsiona indústria e investimentos no Sul.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Atualizado em 30 de outubro de 2025 09:22

O governo brasileiro começa a estruturar um novo ciclo de integração energética com a Argentina, capaz de redesenhar o mapa logístico e jurídico da região Sul. Dois movimentos recentes, embora distintos, apontam na mesma direção: o avanço do projeto do gasoduto Uruguaiana-Triunfo, que viabilizaria a importação do gás natural de Vaca Muerta (região da província de Neuquén/AR), e a expectativa de aumento das exportações argentinas de GLP (Gás Liquefeito de Petróleo) para o Brasil, impulsionadas por um novo programa social do governo federal.

O PNIIGB - Plano Nacional de Infraestrutura de Gás Natural e Biometano, elaborado pela EPE - Empresa de Pesquisa Energética e vinculado ao Ministério de Minas e Energia - criado pelo decreto 12.153/24, identifica, entre outras coisas, a rota Uruguaiana-Triunfo como a mais madura para consolidar a entrada de GLP argentino no mercado brasileiro. O projeto prevê a construção de um gasoduto de aproximadamente 593 quilômetros de extensão e 24 polegadas de diâmetro, com capacidade para transportar até 15 milhões de metros cúbicos por dia, ligando a fronteira em Uruguaiana ao polo petroquímico de Triunfo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, aproveitando a interconexão já existente entre Paso de Los Libres (AR) e Uruguaiana (BR).

A operação brasileira tende naturalmente a recair sobre a TSB - Transportadora Sulbrasileira de Gás, concessionária regulada pela ANP que já opera a malha de transporte no estado e possui experiência com o gasoduto que conecta Uruguaiana à usina termelétrica local. Do lado argentino, o gás seria trazido por meio da rede operada pela Transportadora de Gas del Norte (TGN), que interliga as reservas de Neuquén - coração da formação de Vaca Muerta - até Paso de los Libres, na fronteira com o Rio Grande do Sul.

Além de reforçar a oferta de gás para o setor industrial e termelétrico gaúcho, o projeto é visto como catalisador de novos investimentos em geração elétrica, estimados em cerca de 1,8 gigawatt, e de um possível corredor energético continental. Ao mesmo tempo, o governo brasileiro lança o programa "Gás do Povo", que amplia o subsídio para aquisição de botijões de gás por famílias de baixa renda e deve gerar um aumento de até 8% na demanda nacional por GLP. A medida tem efeitos diretos sobre o mercado regional, já que parte das distribuidoras brasileiras avalia importar GLP da Argentina, onde a produção de líquidos de gás como propano e butano derivados de Vaca Muerta vem crescendo de forma consistente.

A execução de projetos dessa escala depende, primordialmente, de marcos claros quanto a licenciamento ambiental, regime de concessão e acesso à malha de transporte, temas disciplinados pela nova lei do gás (lei 14.134/21) e pela atuação da ANP. Além de exigir a definição de modelos de financiamento e garantias, com espaço para soluções de project finance, parcerias público-privadas e mecanismos de compartilhamento de infraestrutura.

A eminente integração energética entre Brasil e Argentina abre, portanto, oportunidades para a estruturação de joint ventures de transporte e operação binacional, contratos de fornecimento de longo prazo com cláusulas de "take-or-pay", instrumentos de garantia cross-border e arranjos societários voltados à exploração conjunta de dutos e terminais. Além disso, o ambiente regulatório em consolidação cria espaço para o desenvolvimento de novas soluções contratuais e societárias que equilibrem interesses públicos e privados, assegurando previsibilidade a investidores e agentes do setor.

A consolidação da rota Uruguaiana-Triunfo e o aumento das exportações argentinas de GLP sinalizam, ainda que potencialmente, o nascimento de um corredor energético do Mercosul, com impactos diretos sobre a segurança de abastecimento, a competitividade industrial e o equilíbrio logístico do Cone Sul. Para o Brasil, representa uma alternativa ao gás liquefeito importado via portos e um reforço estratégico à matriz energética do Sul. Para a Argentina, é a chance de monetizar de forma sustentável o potencial de Vaca Muerta e ampliar sua presença como fornecedor regional. Para os advogados, uma "eletrizante" oportunidade de viabilizar essa convergência entre energia, logística e desenvolvimento econômico em nosso país.

Fabrício Pozatti

Fabrício Pozatti

Sócio da área cível do Andrade Maia Advogados, atuando na resolução de conflitos complexos. Representa empresas em disputas privadas envolvendo contratos empresariais e administrativos e em disputas com entes públicos decorrentes de contratos públicos. Representa clientes de diversos setores econômicos, como agroindústria, construção civil, petroquímico, telefonia, saúde, automotivo, saneamento, varejo, alimentos entre outros.

Nízio Maia Netto

Nízio Maia Netto

Advogado da área de Governança, Compliance e Investigações Corporativas no Andrade Maia Advogados.

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