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Meio Ambiente e economia: O equilíbrio constitucional que molda o desenvolvimento sustentável

Carta de 1988 consolidou o pacto entre progresso econômico e preservação ambiental, transformando sustentabilidade em princípio estruturante da ordem econômica.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Atualizado em 31 de outubro de 2025 12:34

A Constituição Federal de 1988 consolidou um pacto histórico entre duas forças essenciais ao progresso do país: o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental. Mais do que um marco jurídico, a Carta Magna estabeleceu uma diretriz civilizatória, a de que crescimento e sustentabilidade devem caminhar lado a lado, e não em direções opostas.

Ao reconhecer o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, inscrito no art. 225, a Constituição o define como "bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida", atribuindo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Como observa o jurista José Salvador Pereira Araújo, em estudo publicado pela Revista Direito Ambiental e Sociedade, esse reconhecimento coloca o meio ambiente no conjunto dos direitos fundamentais de terceira dimensão, ao lado dos princípios da fraternidade e da solidariedade.

Essa concepção também se reflete na ordem econômica. O art. 170 da Constituição, em seu inciso VI, estabelece a defesa do meio ambiente como um dos princípios norteadores da atividade econômica nacional. A EC 42/03 reforçou essa diretriz ao prever tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços, um avanço que incorporou definitivamente o conceito de sustentabilidade à lógica econômica.

Desenvolvimento e proteção ambiental: Uma leitura integrada

Ao interpretar o ordenamento jurídico, é indispensável enxergar os arts. 170 e 225 como partes de um mesmo binômio: desenvolvimento e meio ambiente. Essa leitura integrada afasta a antiga percepção de que a proteção ambiental seria obstáculo ao progresso. Ao contrário, ambos os valores são complementares e indissociáveis no desenho constitucional.

O professor Édis Milaré, referência no direito ambiental brasileiro, defende que a política ambiental não deve ser um entrave ao desenvolvimento, mas sim um de seus instrumentos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais. A afirmação sintetiza a essência da economia verde: o desenvolvimento sustentável não é uma limitação, mas um imperativo de eficiência e de legitimidade.

Na prática, isso significa que não há mais espaço para modelos de exploração desenfreada de recursos naturais em nome do crescimento econômico, da mesma forma que seria irrealista, especialmente em países em desenvolvimento, impor restrições absolutas às atividades produtivas. O equilíbrio constitucional exige ponderação, planejamento e políticas públicas que incorporem o princípio da sustentabilidade de forma transversal.

A experiência brasileira e o caminho do equilíbrio

Exemplos concretos desse esforço já aparecem em setores como o de concessões florestais. A exploração de produtos madeireiros e não madeireiros em florestas públicas nacionais é hoje uma das áreas mais reguladas da economia.

Estudo publicado na revista Estudos Avançados (Pegoraro et al., 2025) mostra que esse modelo busca compatibilizar uso econômico e preservação ambiental, combatendo a exploração ilegal e impondo regras para reduzir impactos e promover a recuperação dos ecossistemas.

A mesma lógica deve orientar outras cadeias produtivas intensivas em recursos naturais, como mineração, agronegócio e energia. O desafio está em consolidar uma agenda de transição sustentável que permita o desenvolvimento com responsabilidade socioambiental, integrando inovação, eficiência e respeito aos limites ecológicos do país.

Política pública e segurança jurídica

Nesse cenário, o papel do Estado é fundamental. Políticas públicas coerentes com a Constituição precisam oferecer segurança jurídica e previsibilidade para os agentes econômicos que investem em práticas sustentáveis. Ao mesmo tempo, é indispensável fortalecer os mecanismos de fiscalização e transparência, evitando distorções que beneficiem quem desrespeita o meio ambiente em detrimento de quem cumpre a lei.

O equilíbrio constitucional entre economia e meio ambiente não é apenas um ideal normativo - é uma condição de sobrevivência institucional e econômica. Em um mundo que cobra metas climáticas, responsabilidade corporativa e transparência ambiental, o Brasil tem diante de si uma oportunidade singular: consolidar um modelo de desenvolvimento que traduza, na prática, o mandamento constitucional de 1988.

Trata-se, enfim, de compreender que sustentabilidade não é custo, mas investimento, e que o verdadeiro crescimento só se legitima quando garante às próximas gerações um ambiente saudável, produtivo e equilibrado.

Victor Pegoraro

Victor Pegoraro

Coordenador adjunto e professor do curso de Direito da Universidade Santo Amaro (Unisa), com sólida experiência na gestão acadêmica e na formação de profissionais para o mercado jurídico. Além da atuação no ensino superior, integra a Diretoria da OAB Guarulhos como Secretário-Geral Adjunto. Ele também acumula experiência em consultoria jurídica estratégica, com foco em gestão de riscos e desenvolvimento corporativo.

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