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Rol da ANS e os planos de saúde: Os 5 critérios fixados pelo STF

Rol da ANS: O STF na ADI 7265 definiu os 5 critérios para a cobertura de tratamentos fora do Rol. Entenda o que muda na saúde suplementar e como resguardar o direito à saúde.

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Atualizado às 14:13

A proteção à saúde como direito fundamental e a prevalência da prescrição médica sobre as justificativas contratuais e econômicas das operadoras, à luz da ADI 7265.

Todo ser humano merece receber o cuidado que necessita para garantir sua integridade física e moral. Que cenário catastrófico seria se, diante de um enorme incêndio, os bombeiros recusassem-se a atender o pedido de socorro, ou se a polícia se recusasse a socorrer uma criança engasgada por "não ter essa função" em suas prerrogativas?

Infelizmente, no campo da saúde suplementar, essa recusa é uma realidade frequente. A negativa de cobertura por parte das operadoras de planos de saúde, muitas vezes sob a justificativa de que o tratamento não consta no rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, configura uma prática abusiva que mitiga o direito fundamental à saúde.

Negativas injustificadas, solicitações encerradas e requerimentos indeferidos são a realidade de milhares de brasileiros que dependem dos planos de saúde para terem acesso a tratamentos, medicamentos e procedimentos médicos dos quais, muitas vezes, depende a sua vida.

No Brasil, a negativa de cobertura por parte dos planos de saúde lidera as razões de judicialização contra as operadoras. Dados estatísticos demonstram a gravidade do problema, com milhares de novos casos anuais versando sobre a necessidade de tratamento médico e o fornecimento de medicamentos1.

As principais justificativas dadas pelas operadoras é a ausência do tratamento ou medicamento pleiteado no rol da ANS. Em outras palavras, é como se a operadora estivesse restrita somente ao que estabelecido pela ANS na lista oficial de fornecimento obrigatório. Mas esse posicionamento, além de desumano, é inconstitucional, ilegal e contrário ao entendimento dos tribunais nacionais sobre essa matéria.

Constitucionalmente, a proteção à saúde é um direito garantido a todos, que não pode ser mitigado, conforme estabelece o art. 196 da Constituição Federal2. Portanto, as empresas prestadoras dos serviços de benefício e seguro saúde não podem eximir-se da sua responsabilidade de arcar com tudo que for necessário para garantir a saúde de seus beneficiários.

Ademais, o rol da ANS é legalmente entendido como exemplificativo, e não taxativo, por força da lei 14.454/223. Esta lei estabeleceu que o rol deve ser meramente exemplificativo, trazendo maior amplitude para os tratamentos necessários aos beneficiários dos planos, desde que haja comprovação de eficácia científica ou recomendação de órgãos técnicos. A controvérsia, apesar de antiga, tem sido decidida com tendência à mitigação do rol em favor dos pacientes, e não à negativa de atendimento por parte dos planos.

Além de violar o direito constitucional à saúde, a negativa injustificada de cobertura fere princípios basilares do Direito do Consumidor. O CDC, aplicável às relações entre beneficiário e operadora de plano de saúde, determina que os serviços devem ser prestados de forma adequada, eficiente e contínua, especialmente quando envolvem riscos à vida e à integridade física do paciente4. Assim, recusar um procedimento indispensável, sob justificativas meramente administrativas, contratuais ou econômicas, constitui prática abusiva e passível de responsabilização.

Em inúmeros casos, o paciente recebe a negativa justamente no momento em que mais precisa, após o diagnóstico de uma doença grave ou crônica e diante da urgência de início imediato do tratamento. Situações como negação de quimioterapia, imunoterapia, cirurgias essenciais, internações em UTI, terapias multiprofissionais para crianças com TEA - Transtorno do Espectro Autista, e fornecimento de medicamentos de alto custo revelam um cenário preocupante. Muitas vidas são colocadas em risco enquanto familiares buscam socorro no Poder Judiciário para garantir o atendimento.

Outro ponto crítico é o impacto emocional e psicológico que essas negativas geram. O beneficiário, já fragilizado por uma condição de saúde, enfrenta ainda a insegurança, a ansiedade e o desgaste emocional decorrentes da incerteza sobre sua própria sobrevivência. Os danos emocionais são incalculáveis, podendo ser objeto de indenização por danos morais, desde que devidamente comprovados.

Os tribunais reiteradamente reconhecem que o rol da ANS não pode ser utilizado como justificativa para limitar o acesso à saúde quando houver indicação médica fundamentada pelo profissional que acompanha o paciente. Deve prevalecer a prescrição médica, pois cabe ao profissional de saúde, e não à operadora, definir o tratamento adequado. O STF no julgamento da ADI 72655, estabeleceu cinco critérios técnicos para a cobertura de tratamentos não previstos no Rol da ANS, reforçando o caráter exemplificativo condicionado da lista:

Critério

Descrição

1. Prescrição Médica

O tratamento deve ser prescrito por médico ou odontólogo assistente.

2. Não existir negativa pela ANS

O tratamento não pode ter sido expressamente negado pela ANS nem estar pendente de análise para inclusão no rol.

3. Ausência de Alternativa

Não deve haver alternativa terapêutica adequada no rol da ANS.

4. Comprovação Científica

O tratamento deve ter comprovação científica de eficácia e segurança.

5. Registro na ANVISA

O tratamento deve ser registrado na Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Dessa forma, a jurisprudência atual estabelece critérios objetivos para a extrapolação do rol da ANS, garantindo a obrigatoriedade de cobertura de tratamento ou medicamento prescrito, desde que atendidas essas condições.

Em suma, a legislação brasileira e o entendimento consolidado dos tribunais convergem no sentido de que o direito à saúde, de natureza constitucional, não pode ser limitado por um rol administrativo. É pacífico o entendimento de que a prescrição médica devidamente fundamentada deve prevalecer sobre a restrição imposta pela operadora.

Por isso, é fundamental que o paciente conheça seus direitos. Em caso de negativa, é recomendável solicitar a justificativa formal por escrito, exigir o número de protocolo e buscar orientação jurídica imediata com um advogado especialista em saúde suplementar, para garantir o tratamento necessário. A vida é um direito fundamental, garantida pela Constituição, e não pode ser desprezada a custo do lucro das operadoras de plano de saúde. Busque seus direitos!

_______

Referências

1 Judicialização da saúde no Brasil: Perfil das Demandas, Causas e Propostas de Solução (CNJ).

2 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

3 Lei nº 14.454, de 21 de setembro de 2022. Altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, para estabelecer critérios de cobertura de exames e tratamentos de saúde não previstos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar.

4 Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências (Código de Defesa do Consumidor).

5 Supremo Tribunal Federal (STF). Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7265. Julgamento de 18 de abril de 2024. Estabelece os cinco critérios técnicos para a cobertura de tratamentos não previstos no Rol da ANS.

Manuela Serejo

VIP Manuela Serejo

Advogada especializada em Direito da Saúde, pós-graduada em Saúde Suplementar. Foco em casos de reajustes abusivos, negativas de cobertura e cancelamentos indevidos por planos de saúde.

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