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OCDE: Falta de engajamento da liderança compromete integridade

Relatório da OCDE 2025 revela a fragilidade na alta administração do setor público brasileiro. Avanço regulatório é insuficiente: sem engajamento das lideranças, integridade fica no papel.

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Atualizado às 15:06

Líderes sem conhecimento, falta de convicção e a ausência de mecanismos eficientes de prestação de contas sobre controles internos, gestão de riscos e integridade são alguns dos pontos críticos revelados no relatório da OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, intitulado "Revisão da Integridade da OCDE sobre o Brasil 2025 - Consolidando o Progresso na Integridade Pública", divulgado na última sexta-feira (7/11).

O documento reconhece os avanços conquistados no Brasil, como o quadro regulatório bem definido e alinhado aos padrões internacionais e posicionado acima da média dos países da OCDE na estrutura regulatória para controles internos e auditoria interna. Porém, a efetividade dessas medidas tem como obstáculo a incompreensão ou até mesmo falta de convicção dos líderes sobre seus papéis e responsabilidades no tocante à cultura de integridade.

A constatação da OCDE, com base inclusive em entrevistas com partes interessadas (stakeholders) do governo federal, é de que "a eficácia geral do sistema de controle público é frequentemente prejudicada pela governança fraca, pela compreensão inadequada das funções e responsabilidades e pela falta de prestação de contas nos níveis mais altos" (OCDE, p. 148, 2025).

Tone at the Top (o exemplo vem de cima), primeiro pilar em programas de compliance e integridade, tem então uma fragilidade que afeta o desempenho dos resultados esperados, como prevenção, detecção e resposta a desvios de conduta em geral, como fraude e corrupção.

Além disso,  a falta de compromisso com resultados, a ausência de objetivos claros e de cultura de desempenho prejudicam a compreensão da administração sobre o valor de gerenciar as ameaças à organização.

"O líder não é aquele que sabe o caminho, mas aquele que mostra o caminho", afirma John C. Maxwell. No contexto brasileiro, porém, surge uma questão incômoda: como apontar direção se os gestores públicos não compreendem suas responsabilidades nesse processo? A OCDE expõe precisamente essa lacuna: a fragilidade do tone at the top prejudica a implementação da gestão de riscos e controles internos.

Compete à alta administração estabelecer diretrizes, orientações e controles para o bom funcionamento das medidas que contribuem para alcançar os objetivos da organização. No setor público, isso se traduz em mecanismos para mitigar o risco de ineficiência na prestação do serviço público, evitar desvios e malversação de recursos e garantir que as políticas públicas nas áreas de saúde, educação, segurança e meio ambiente, por exemplo, cheguem ao cidadão com qualidade e agilidade.

A OCDE identificou, ainda, uma resistência psicológica dos gestores em discutir questões de integridade. Muitos hesitam em usar termos como "fraude" ou "nepotismo", demonstrando não apenas incompreensão, mas uma recusa em enfrentar esses temas frontalmente. Essa rejeição compromete a criação de uma linguagem comum para a gestão de riscos de integridade.

O relatório ressalta também que muitos gestores, embora tenham regulamentos bem definidos, não compreendem o seu papel no conhecido Modelo das Três Linhas, do Instituto dos Auditores Internos. A primeira estabelece e opera os controles para mitigar os riscos, a segunda tem papel de assessoramento e supervisão da primeira linha e a terceira é a auditoria interna, que no caso do governo federal compete à Secretaria Federal de Controle Interno da CGU - Controladoria-Geral da União, que avalia de forma independente se a primeira e segunda linhas funcionam.

Compreender essa estrutura é essencial. Conforme aponta a OCDE, a liderança entende, incorretamente, que é papel da CGU a gestão de riscos, controles internos e integridade, eximindo-se assim de ser o principal responsável pela cultura de integridade no âmbito do seu órgão ou entidade.

O desinteresse dos gestores em assumir suas responsabilidades pela gestão de riscos e controles manifesta-se nos alarmantes índices de adoção (36/100) e de implementação (26/100) de recomendações de auditoria no Brasil, que estão significativamente inferiores à média da OCDE (93/100 e 78/100, respectivamente).

Esse contexto é relevante porque, em 2023, a OCDE emitiu o Relatório "Fortalecendo a Liderança em Integridade na Administração Pública Federal do Brasil - Aplicando Insights Comportamentais para Integridade Pública", no qual recomenda ao Brasil um programa de mentoria para líderes do governo federal, com foco em integridade:

"Juntamente com um programa de mentoria, o acesso a oportunidades de aprendizagem por experiência personalizadas, como networking e apoio de pares, enriquece as abordagens de aprendizagem teórica, como oficinas e módulos online. De fato, a experiência prática dos altos agentes públicos na sua prática cotidiana é uma valiosa fonte de informação. Portanto, uma rede de liderança em integridade complementaria os insights conceituais fornecidos aos líderes selecionados, oferecendo-lhes informações mais operacionais e concretas adquiridas na prática e a possibilidade de trocar diretamente com os seus pares" (OCDE, 2023).

Um ponto em comum na construção de sistemas de integridade efetivos é o comprometimento da alta gestão, que deve ser constante e demonstrado por meio de decisões e atos que não se desviam dos valores institucionais. Um programa de mentoria promove reflexões sobre questões éticas e de transparência, além de instigar boas práticas de governança e compliance, com método, casos reais e indicadores de sucesso. O líder é acompanhado por um mentor, que o conduz na construção de habilidades importantes de liderança, estratégia e controle.

Importante observar que já existem iniciativas nesse sentido no país, mas ainda muito incipientes e sem a profundidade e alcance necessários. Uma observação crítica é que os órgãos de controle têm realizado eventos e treinamentos voltados predominantemente para servidores de áreas como ouvidoria, auditoria, controles internos, controladoria, corregedoria, transparência e compliance, havendo baixa adesão dos gestores, especialmente aqueles que ocupam os níveis mais elevados de hierarquia.

Os líderes não carecem apenas de conhecimento - muitos conhecem bem os regulamentos, como revela a pesquisa estudada. O real obstáculo é a falta de convicção nos benefícios da gestão de riscos e controles internos. Gestores que não se sentem persuadidos da necessidade tratarão essas práticas como mera formalidade, sem a autenticidade necessária à construção da cultura de integridade.

Na revisão conduzida pela OCDE, a principal recomendação para vencer esse desafio é promover um maior senso de responsabilidade e desenvolver orientações para conscientizar os funcionários públicos e gestores de alto escalão sobre os conceitos, funções e responsabilidades do controle interno.

A sugestão é importante, mas é fundamental entender que ações práticas, como mostrar os resultados da gestão de riscos e controles internos na linguagem dos gestores (em linha com os insights comportamentais) e revelar a transversalidade do tema no âmbito da organização, são o caminho para mudança de mentalidade que resultará no indispensável engajamento das lideranças na construção da cultura de integridade, essencial para o fortalecimento da confiança no setor público.

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Referências

OECD (2023), Fortalecendo a Liderança em Integridade na Administração Pública Federal do Brasil: Aplicando Insights Comportamentais para Integridade Pública, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/55376da4-pt.

OECD (2025), Revisão de Integridade da OCDE sobre o Brasil 2025: Consolidando o Progresso na Integridade Pública, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/126ad788-pt.

THE INSTITUTE OF INTERNAL AUDITORS (THE IIA). The IIA's Position Paper: The Three Lines Model: an Update of the Three Lines of Defense. Lake Mary, FL: The IIA, 2020.

Rodrigo Morais de Amorim

VIP Rodrigo Morais de Amorim

Advogado e Auditor Interno na Controladoria Geral do Estado de Mato Grosso, com experiência em Governança, Riscos e Compliance. É Certified Internal Auditor (CIA) pelo The IIA e instrutor na Enap.

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