Quando o direito à saúde precisa bater às portas da Justiça
Entre o remédio e a Justiça, o que está em jogo é o tempo - e, muitas vezes, a própria vida.
segunda-feira, 17 de novembro de 2025
Atualizado às 09:38
Nos últimos meses, acompanhei de perto a angústia de uma paciente que aguardava, com fé e urgência, o acesso a um medicamento essencial para o tratamento de um câncer agressivo. O remédio, embora comprovadamente eficaz, tinha um custo altíssimo - muito além do que qualquer pessoa de renda comum poderia suportar.
Apesar de a CF/88 garantir, de forma clara, o direito à saúde como direito fundamental, a realidade de quem depende do sistema público é, muitas vezes, dolorosa. O tratamento não chega a tempo, o processo administrativo se arrasta, e o que deveria ser um direito passa a depender de uma liminar judicial.
É nesse momento que o advogado deixa de ser apenas um técnico do Direito e passa a ser um verdadeiro instrumento de dignidade humana.
O direito à saúde é dever do Estado
A CF/88 foi generosa ao estabelecer, em seu art. 196, que "a saúde é direito de todos e dever do Estado".
Isso significa que a União, os Estados e os municípios têm responsabilidade solidária no fornecimento de medicamentos, internações, cirurgias e tratamentos indispensáveis à preservação da vida.
Essa solidariedade foi reafirmada pelo STF (Tema 793), deixando claro que não importa qual ente público seja acionado - o cidadão pode buscar seu direito contra qualquer um deles, porque a obrigação é compartilhada.
Mesmo assim, o que vemos na prática é uma resistência velada: exigências burocráticas, negativas baseadas em listas limitadas e argumentos orçamentários que não cabem diante do valor da vida humana.
Quando o remédio depende de uma decisão judicial
Nos casos de medicamentos de alto custo, o Judiciário tem se tornado o último refúgio para pacientes que lutam contra o tempo.
O advogado precisa agir com rapidez e técnica, reunindo prescrição médica detalhada, comprovação da ineficácia dos fármacos fornecidos pelo SUS e prova da incapacidade financeira do paciente para custear o tratamento.
Esses elementos, somados à urgência, fundamentam o pedido de tutela liminar - que, se deferida, pode literalmente salvar uma vida.
No caso que mencionei, conseguimos a concessão da liminar em tempo hábil. O medicamento foi fornecido, e a paciente pôde iniciar o tratamento com esperança renovada. Mas é impossível não se questionar: por que o direito à saúde ainda precisa de uma ordem judicial para ser efetivado?
Entre o direito e a sensibilidade
Mais do que uma questão jurídica, esse tipo de ação revela o quanto o Direito pode - e deve - se humanizar.
Por trás de cada processo há um rosto, uma história, uma família que se apoia na Justiça como último amparo.
O trabalho do advogado, nesses casos, é transformar o papel e a petição em pontes de acesso à vida, dando voz àqueles que, muitas vezes, já estão esgotados pela dor e pela espera.
Garantir o direito à saúde é garantir dignidade.
É lembrar que o Estado existe para servir o cidadão - e não o contrário.
Enquanto houver pacientes que precisam recorrer à Justiça para receber um medicamento vital, a advocacia continuará sendo o elo entre a promessa constitucional e a realidade possível.


