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Criação do Partido Missão: Políticos podem migrar para a nova sigla sem perder seus mandatos?

A criação de uma nova legenda reacende a discussão sobre as hipóteses de justa causa que afastam a infidelidade partidária.

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Atualizado em 14 de novembro de 2025 13:15

O TSE aprovou o registro e homologou o estatuto do Partido Missão, que passa a integrar oficialmente o sistema partidário brasileiro com o número 14. Com isso, o Brasil conta agora com 30 partidos com estatuto registrado no TSE.

A criação de uma legenda demanda um longo percurso jurídico e político. Para existir de fato, o partido deve adquirir personalidade jurídica, comprovar caráter nacional e reunir o apoiamento mínimo de eleitores não filiados equivalente a 0,5% dos votos válidos dados na última eleição para a Câmara dos Deputados, distribuídos por pelo menos um terço dos estados. Além disso, é necessário que haja 101 fundadores com domicílio eleitoral em um terço das unidades da federação, responsáveis pela elaboração do programa e do estatuto.

A aprovação da nova legenda naturalmente reacendeu um debate recorrente: parlamentares podem migrar para o partido recém-criado sem perder seus mandatos?

A resposta é não, salvo em hipóteses restritas previstas em lei.

O tema foi definitivamente enfrentado pelo STF em setembro deste ano, na ADIn 5.398, ajuizada pela rede sustentabilidade. O partido questionava o art. 22-A da lei 9.096/1995, incluído pela lei 13.165/15 (minirreforma eleitoral), que regula a perda de mandato por infidelidade partidária e retirou a criação de novo partido do rol de justas causas para desfiliação.

Em que pese a suspensão do julgamento após pedido de vista do ministro André Mendonça, o Supremo já formou maioria para considerar constitucional a exclusão da criação de nova legenda como justificativa para migração sem perda de mandato.

O então ministro relator, Luís Roberto Barroso, ressaltou que o sistema político brasileiro sofria com "acentuada fragmentação partidária", que comprometia a governabilidade e a coerência programática das legendas. Assim, preservar a fidelidade partidária passou a ser visto como elemento essencial à legitimidade do sistema proporcional e à soberania popular, pois o voto é dado também ao partido, não apenas à pessoa eleita.

Até 2015, a resolução TSE 22.610/07 previa a "criação de novo partido" como hipótese de justa causa para desfiliação, e partidos recém-criados dispunham de 30 dias após o registro no TSE para receber parlamentares sem risco de cassação. Esse regime foi encerrado com a edição da lei 13.165/15, que restringiu as causas de desfiliação legítima a apenas três situações específicas.

Ou seja, a migração para um partido novo não constitui mais justa causa. O parlamentar que o fizer fora da "janela" incorre em infidelidade partidária e pode perder o mandato (art. 22-A, caput, da lei 9.096/95).

O Supremo reconheceu, todavia, que partidos criados antes da vigência da lei 13.165/15 - como a própria Rede, o Partido Novo e o PMB - tinham direito adquirido de receber parlamentares durante o prazo de 30 dias previsto pela resolução anterior. Esse entendimento decorreu da proteção à segurança jurídica e às expectativas legítimas das legendas que já haviam sido registradas.

No cenário atual, portanto, a criação do Partido Missão, ainda que plenamente válida e regular, não autoriza a migração imediata de detentores de mandato eletivo. Parlamentares somente poderão deixar suas siglas sem risco de cassação se houver mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; grave discriminação política pessoal; ou a troca de partido ocorrer durante o período de 30 dias que antecede o prazo de filiação exigido para concorrer à eleição ("janela partidária").

Essas hipóteses buscam equilibrar dois valores constitucionais em tensão: a liberdade de associação e criação de partidos e a estabilidade da representação política. A migração livre, logo após a fundação de uma nova legenda, tenderia a ampliar a fragmentação e enfraquecer os partidos, transformando-os em meros instrumentos de conveniência eleitoral.

Assim, ao menos sob a legislação e a jurisprudência atuais, os mandatos pertencem ao partido, e não ao parlamentar, e a criação de uma nova sigla, como é o caso do Partido Missão, não reabre uma "janela especial" de desfiliação. A fidelidade partidária continua a ser a regra, e a exceção, como o próprio Supremo advertiu, deve permanecer estritamente delimitada pela lei.

Marina Morais

Marina Morais

Sócia do APMS Advogados. Mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de Goiás. Especialista em Direito Eleitoral. Autora do livro "Introdução ao Direito Eleitoral" (Lumen Juris, 2024). Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP.

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