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Aproxima-se a escolha da chapa reitoral que regerá a USP de 2026 a 2030

Relato sobre obras paralisadas na USP, destacando desperdício de recursos e a necessidade de uma gestão eficiente e continuidade administrativa.

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Atualizado às 10:41

Na qualidade de antigo-aluno e professor da Universidade de São Paulo, por meio século, além de diretor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (2006/2010) e de reitor (2010/2014), trago reflexões sobre problemas administrativos que marcam a gestão pública, com exemplos concretos da USP, para fomentar debate consciente neste momento decisivo, em que se aproxima a escolha da chapa reitoral para 2026/2030.

A corrupção em universidades públicas não é comum no Brasil. Entretanto, abundam desperdícios, devido ao abandono de obras iniciadas em gestões anteriores, mesmo as em estágio final de construção, que geram custos exorbitantes e contrariam os princípios constitucionais de moralidade e eficiência administrativa. Exponho, a seguir, três casos emblemáticos ocorridos na USP, cujas consequências ultrapassam os limites financeiros, afetando a comunidade acadêmica e os pagadores de impostos paulistas.

A Praça dos Museus

Projetada durante a gestão Melfi, em 2001, pelo renomado arquiteto e ganhador do Prêmio Pritzker, Paulo Mendes da Rocha, a Praça dos Museus foi idealizada para integrar espaços acadêmicos e culturais, abrigando acervos do MAE - Museu de Arqueologia e Etnologia e do Museu de Zoologia. Em minha gestão, dei início à construção da primeira fase. Cerca de 70% foi edificado por empresas que haviam assinado Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público Federal. A USP, contudo, descumpriu a contrapartida de erigir o restante, tendo paralisado o projeto, há 11 anos, expondo o acervo do MAE aos mesmos riscos que destruíram, em 2010, o maior acervo mundial de cobras e parte da coleção de escorpiões e aranhas do Instituto Butantã.

Centro de convenções

O grande número de eventos, existentes em inícios deste século, fez com que, em 2002, durante a reitoria Melfi, fosse contratado o professor Paulo Bruna da FAU, que elaborou projeto de um centro de convenções para o Campus Butantã.

Na minha gestão, retomei o projeto da obra, com 36.500 metros quadrados, que se compunha de quatro auditórios, áreas de exposições, salas de conferências, salas de apoio e estacionamentos. Em razão de a USP, desde 1971, possuir cursos superiores de música (Departamento de Música - ECA/USP), encomendou-se a construção de um órgão de tubos, a ser instalado no maior dos auditórios do centro de convenções; local esse, preparado arquitetônica e acusticamente para recebê-lo.

Em 25 de janeiro de 2014, término de minha gestão, a obra do centro estava 80% pronta. Entretanto, foi descontinuada pela gestão que me sucedeu; permanecendo inacabada até hoje! O órgão, por seu turno, foi cedido em comodato a uma igreja evangélica, em demonstração de descaso com a cultura e com o patrimônio público!

Moradia estudantil no centro de São Paulo

Parceria, datada de 2011, entre USP, prefeitura e COHAB previa a requalificação de dois prédios, situados na rua Benjamim Constant 170 e na rua José Bonifácio 137, para moradia estudantil, para estudantes de baixa renda, da Faculdade de Direito ou das faculdades do quadrilátero da Saúde da Avenida Doutor Arnaldo. Após desapropriados os imóveis e desenvolvidos os projetos, a USP abandonou, unilateralmente, a iniciativa em 2016, contribuindo diretamente para a degradação urbana local, que culminou na ocupação dos prédios. A retirada evidenciou a falta de compromisso institucional.

Gestão e justificativas

As paralisações das obras mencionadas, apesar de as verbas já se encontrarem destinadas, ocorreram na gestão 2014-2018. Na época, alegou-se "crise financeira" devido à arrecadação do ICMS ter diminuído, em finais de 2013 e parte de 2014. Contudo, nunca se mencionou a reserva de caixa de quase R$ 4 bilhões, existente no final de minha gestão, cuja finalidade, entre outras, era fazer face à contingências. Essa justificativa não vinga, pois: (i) diminuições de ICMS são cíclicas e passageiras; e (ii) passada a crise, a gestão em questão não retomou as obras acima; embora tenha encetado empreendimentos próprios de alta monta.

Reflexões para o futuro

Esses casos não são isolados e refletem uma problemática existente na administração pública brasileira, como um todo: a falta de compromisso com a continuidade de projetos essenciais para a comunidade. A autonomia universitária não deve ser pretexto para desperdício de recursos ou desrespeito ao patrimônio público. É fundamental que os eleitores, legisladores e toda a comunidade reflitam sobre o impacto de decisões castradoras, como as expostas, intervindo quando necessário;  se necessário acionando o Ministério Público ou ingressando com ações populares.

Compartilho essas experiências para que as chapas reitorais de 2026 a 2030 e a comunidade uspiana possam evitar a repetição dos erros do passado e garantir que os próximos anos sejam marcados por eficiência, continuidade administrativa e respeito ao dinheiro público.

João Grandino Rodas

João Grandino Rodas

Desembargador federal aposentado do TRF da 3ª região. Mestre em Direito pela Harvard University. Presidente do CEDES - Centro de Estudos de Direito Econômico e Social. Sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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