A insuficiência técnica dos assessores de investimentos e a urgência de reformas estruturais na proteção do investidor brasileiro
Riscos crescem à medida que agentes priorizam metas comerciais, prejudicando clientes e exigindo maior responsabilidade e regulação no setor.
sexta-feira, 21 de novembro de 2025
Atualizado em 19 de novembro de 2025 15:02
A expansão do mercado de capitais brasileiro, impulsionada pela democratização do acesso a produtos financeiros e pela ascensão das plataformas digitais, trouxe um fenômeno que exige reflexão séria: a transformação de grande parte dos chamados "assessores de investimentos" em verdadeiros vendedores de prateleira.
O que deveria ser uma função técnica, sujeita a rigorosos deveres fiduciários, tem sido reduzido, em muitos casos, a uma atividade essencialmente comercial, orientada por metas agressivas, comissionamentos opacos e estruturas de incentivo que pouco dialogam com o melhor interesse do investidor.
O resultado é conhecido: orientações inadequadas, produtos incompatíveis com o perfil do cliente, prejuízos evitáveis e um sistema regulatório que ainda não absorveu a centralidade da responsabilidade civil desses agentes.
A recente liquidação extrajudicial do Banco Master é apenas o caso mais visível de um problema sistêmico.
Embora a regulação brasileira determine que o assessor atue de forma diligente e em conformidade com o perfil de risco do investidor (suitability), o cotidiano do mercado mostra que:
- muitos assessores não dominam o funcionamento dos produtos que distribuem;
- a recomendação financeira costuma ser guiada por metas internas da corretora;
- há forte dependência de comissões variáveis e soft dollar;
- o investidor não tem clareza sobre como esses incentivos influenciam a orientação recebida.
Essa combinação déficit técnico + incentivos desalinhados gera um ambiente no qual o investidor acredita estar recebendo aconselhamento especializado, mas na prática está diante de uma atividade predominantemente comercial, sem o devido rigor fiduciário.
É nesse cenário que produtos complexos especialmente estruturados têm sido massivamente empurrados a perfis conservadores, contrariando abertamente diretrizes regulatórias.
A liquidação do Banco Master representa o ponto de tensão entre a fragilidade do sistema e a insuficiência das proteções existentes.
Mesmo com o FGC cobrindo até R$ 250 mil por CPF, milhares de investidores:
- desconheciam os riscos reais dos produtos adquiridos;
- foram levados a acreditar que tudo possuía "capital protegido";
- não foram informados sobre a natureza jurídica da instituição emissora;
- receberam orientações padronizadas, desconectadas do seu perfil de risco.
Esse episódio revela um problema central: o mercado financeiro não pode operar como varejo, com vendas em massa, metas diárias e scripts de recomendação.
Renda fixa não é mercadoria. Produto estruturado não é produto de prateleira, e o investidor não pode ser tratado como consumidor de loja.
A insuficiência técnica e a assimetria informacional não podem continuar recaindo exclusivamente sobre o patrimônio do investidor, especialmente quando decorrem de falhas previsíveis e controláveis pelas corretoras.
Sendo assim, é necessária uma agenda legislativa que:
(i) Amplie a responsabilidade civil dos distribuidores e assessores
Responsabilização objetiva em casos de inadequação, má orientação ou violação de deveres informacionais.
(ii) Reforce os padrões de diligência e governança das corretoras
Modelos de supervisão contínua, controle de incentivo e transparência das remunerações.
(iii) Exija formação técnica aprofundada e avaliação periódica dos agentes
O assessor não pode distribuir produtos complexos sem compreendê-los integralmente.
(iv) Regule de forma mais rígida conflitos de interesse
Incluindo disclosure obrigatório e mecanismos de mitigação efetiva.
(v) Aprimore o arcabouço de suitability e testes de capacidade financeira
Não basta coletar dados, é preciso interpretar corretamente o risco absorvido pelo cliente.
Trata-se de proteger o investidor, mas também de fortalecer o próprio mercado, que depende de credibilidade e de previsibilidade para se desenvolver.
Assim, a narrativa de que o investidor assume integralmente os riscos do mercado não se sustenta em um ambiente no qual:
- a informação é assimétrica;
- os incentivos são distorcidos;
- o orientador não possui domínio técnico;
- o consumidor financeiro não compreende plenamente o produto adquirido.
Responsabilizar exclusivamente o investidor é ignorar o papel estrutural que intermediários exercem na cadeia de distribuição, e perpetuar um modelo que estimula a má alocação e a erosão patrimonial.
O Brasil vive um momento decisivo.
Se deseja amadurecer seu mercado financeiro, atrair capital, reduzir assimetrias e fortalecer a confiança, precisa abandonar a lógica da venda e adotar a lógica da responsabilidade.
A proteção do investidor não é obstáculo ao mercado, é alicerce para sua evolução.
A liquidação do Banco Master foi um alerta, e ignorá-lo seria comprometer o futuro do sistema financeiro brasileiro.
Felipe Carapeba Elias
Advogado.


