Como empresas redesenham distribuições de lucros para eficiência tributária
Por que novas classes de ações se tornaram a principal estratégia para transformar lucros de 2025 em pagamentos futuros isentos sem violar a lei das sociedades anônimas.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2025
Atualizado às 12:54
O Brasil aprovou em 2024 uma mudança relevante. A partir de 2026, dividendos acima de R$ 50.000 por mês passam a ser tributados em 10 por cento. Para grandes investidores, fundos e famílias empresárias que recebem valores milionários em dividendos todos os meses, isso representa uma elevação expressiva da carga tributária. A lei, no entanto, criou uma regra de transição que alterou o jogo. Ela permite que distribuições baseadas nos lucros de 2025 possam ser pagas até 2028 sem incidência do novo imposto. Esse ponto abriu espaço para uma construção societária que algumas companhias já começaram a adotar.
Ao cruzar essa regra com a lei das sociedades anônimas, surge uma contradição. A LSA exige que dividendos aprovados sejam pagos no mesmo exercício. Se a empresa declara dividendos em 2025, precisa pagar em 2025. Pagar em 2026 já desloca o exercício fiscal e abre risco de questionamento pela CVM ou pela Receita Federal. A lei tributária autoriza a postergação. A lei societária exige contemporaneidade. É um conflito normativo genuíno, com potencial para judicialização caso uma empresa simplesmente declare dividendos em 2025 e pague nos anos seguintes.
Para evitar esse risco, algumas empresas deixaram de trabalhar com a figura tradicional do dividendo. Em vez disso, adotaram a bonificação de ações, mas de forma diferente do que o mercado está acostumado. A companhia cria uma nova classe de ação e entrega essa ação aos acionistas no exercício de 2025. Essa ação especial não se comporta como as ONs e PNs negociadas na bolsa. Ela foi desenhada para funcionar como um instrumento híbrido, com características específicas que sustentam o planejamento.
As características centrais são três. A primeira é a resgatabilidade, que permite à empresa recomprar a ação no futuro e efetuar o pagamento ao acionista ao longo dos anos. A segunda é a conversibilidade, que autoriza o titular a converter a ação especial em ações ordinárias caso prefira aumentar sua exposição societária em vez de receber caixa. A terceira é o atributo econômico próprio, que pode incluir ou não direito de voto e que define a forma como o resgate será remunerado.
Ao atribuir essa ação especial em 2025, a companhia fixa o fato gerador naquele exercício. O pagamento que ocorrerá entre 2026 e 2031 será interpretado como resgate de uma ação atribuída em 2025 e não como dividendo referente aos anos posteriores. Os lucros de 2025 continuam isentos pela regra de transição, e o fluxo de caixa é organizado ao longo dos anos seguintes sem violar a LSA. A estrutura preserva eficiência tributária e reduz o risco de conflito normativo.
Existe ainda a necessidade de preservar a isonomia entre ONs e PNs. As ações preferenciais tradicionais PNA e PNB sempre tiveram direito a 10 por cento adicionais nos dividendos em relação às ON. Se a empresa simplesmente atribuísse a mesma ação especial para todos, os titulares de PNs perderiam esse diferencial histórico. Para resolver isso, algumas companhias criaram mais de uma classe especial. Quem possui ON recebe apenas a ação especial principal. Quem possui PNA ou PNB recebe a ação principal e recebe também uma segunda ação especial, muitas vezes chamada de PNR. Essa PNR é resgatada de imediato para preservar o adicional de 10 por cento das preferenciais, mantendo o equilíbrio econômico entre as classes. Depois disso, todos seguem recebendo resgates da ação principal ao longo do tempo.
A lógica jurídica se sustenta porque a operação permanece dentro do campo da elisão fiscal. A legislação societária permite a criação de classes distintas de ações. A legislação permite a bonificação. A legislação permite resgate futuro. O que permanece em aberto é a análise da substância econômica. A Receita Federal e a CVM podem avaliar caso a caso se a operação cumpre uma função societária legítima ou se foi estruturada apenas como mecanismo de postergação tributária. É uma zona cinzenta que ainda depende de consolidação regulatória, mas que, se validada, tende a se tornar padrão no mercado.
Essa movimentação mostra uma nova fase do ambiente corporativo brasileiro. A combinação entre transição tributária, necessidade de eficiência e cautela jurídica levou empresas a adotar estruturas mais sofisticadas de planejamento societário. A criação dessas ações especiais se apresenta como uma alternativa para preservar caixa, evitar litígios e alinhar governança e tributação em um cenário que ficou mais complexo e exigente.


