Tem alguém assistindo? O que o relatório anual da Netflix mostra sobre comportamento da audiência para a comunicação jurídica
O relatório "Still Watching 2025" inspira escritórios a aprimorar comunicação jurídica com séries de conteúdo, segmentação, formatos diversos e métricas profundas, sempre dentro da ética.
terça-feira, 2 de dezembro de 2025
Atualizado em 1 de dezembro de 2025 16:17
O recém-lançado relatório "Still Watching 2025" da Netflix Brasil oferece insights valiosos sobre comportamento de audiência que podem transformar a forma como escritórios de advocacia se comunicam com seus públicos. Os dados revelam padrões de consumo de conteúdo que, quando adaptados à comunicação jurídica, abrem oportunidades interessantes para assessoria de imprensa e marketing jurídico.
Vale a pena explorar como esses aprendizados podem ser traduzidos para o contexto da advocacia, sempre respeitando os limites éticos da profissão.
A oportunidade da narrativa seriada
Um dos principais aprendizados do relatório é que conteúdos seriados demonstram maior capacidade de retenção de audiência. Espectadores retornam consistentemente para acompanhar desenvolvimentos narrativos, criando um relacionamento mais profundo com a fonte de conteúdo.
Para a comunicação jurídica, isso sugere uma oportunidade interessante: em vez de artigos isolados sobre temas complexos, considere desenvolver séries temáticas. Uma "Reforma Tributária em 6 Episódios", por exemplo, permite explorar o tema em profundidade progressiva, com cada artigo construindo sobre o anterior.
Esse formato cria expectativa nos leitores e posiciona o escritório como referência continuada, não apenas consulta pontual. Além disso, facilita a abordagem de temas complexos de forma mais didática e menos cansativa.
Personalização: diferentes audiências, diferentes necessidades
Outro insight valioso do relatório é o investimento em personalização. Os dados mostram que diferentes perfis de usuários respondem melhor a conteúdos específicos para suas preferências e contextos.
Na comunicação jurídica, isso se traduz em uma oportunidade clara: segmentar conteúdos para diferentes públicos. CEOs, diretores financeiros e gerentes de compliance, por exemplo, têm necessidades informacionais distintas sobre o mesmo tema.
Um artigo sobre LGPD pode ser desenvolvido em três versões: uma executiva e breve para alta gestão, focada em impactos estratégicos; uma intermediária para gestores operacionais, com implicações práticas; e uma técnica para advogados internos, com análise jurisprudencial detalhada.
Essa abordagem não aumenta necessariamente o trabalho - apenas o direciona de forma mais inteligente, aumentando a relevância para cada leitor.
O valor do conteúdo regional
O relatório da Netflix também destaca o forte engajamento gerado por produções locais e regionais, indicando que audiências valorizam conteúdo culturalmente próximo e contextualmente relevante.
Para escritórios de advocacia, especialmente aqueles com atuação regional, isso representa uma oportunidade de diferenciação. Enquanto legislação federal é universalmente relevante, análises de jurisprudência local, decisões de tribunais estaduais e regulamentações municipais podem ter impacto muito mais direto no dia a dia dos clientes.
Comentar uma decisão importante do TJ/SP para empresas paulistas, ou analisar uma legislação municipal específica, pode gerar mais engajamento e percepção de valor do que reproduzir análises genéricas de temas nacionais. É uma forma de estabelecer autoridade no ecossistema empresarial e jurídico de cada região.
Diversificação de formatos
Os dados da Netflix mostram que diferentes formatos de conteúdo atendem a diferentes momentos e preferências de consumo. Há espaço para produções longas, conteúdos rápidos, formatos visuais e narrativas interativas.
Na comunicação jurídica, isso sugere explorar além do artigo escrito tradicional. Um mesmo tema relevante pode ser apresentado em múltiplos formatos: um artigo aprofundado para o site institucional, um vídeo explicativo de 3 minutos para LinkedIn, um infográfico visual para redes sociais, um episódio de podcast para consumo durante deslocamentos.
Essa diversificação não é repetição, mas sim alcançar pessoas em diferentes contextos. Alguns profissionais preferem ler durante o café da manhã, outros assistem vídeos no trajeto para o trabalho, outros salvam infográficos como referência rápida. Atender essas diferentes preferências amplia o alcance e a utilidade do conteúdo produzido.
Repensando as métricas de sucesso
Um dos aprendizados mais importantes do relatório é sobre métricas de engajamento. Os dados da Netflix mostram que engajamento profundo - como conclusão de séries e tempo real de visualização - é mais valioso que métricas superficiais de alcance
Para a comunicação jurídica, isso sugere repensar indicadores de sucesso. Em vez de focar apenas em visualizações, vale monitorar: quantas pessoas leem o artigo até o final? Quantas retornam para consumir novos conteúdos? Qual o tempo médio de permanência no site? Quantas consultas qualificadas são originadas de cada tipo de conteúdo?
Essas métricas mais profundas ajudam a entender o que realmente ressoa com a audiência e permite ajustar a estratégia de comunicação com base em dados concretos, não apenas impressões.
Qualidade como investimento estratégico
O relatório evidencia o investimento consistente da Netflix em produção de alta qualidade, entendendo que conteúdo premium gera maior percepção de valor e fidelização de audiência.
Para escritórios de advocacia, isso se traduz em encarar a comunicação como investimento estratégico, não como custo dispensável. Significa dedicar tempo adequado à produção de conteúdo, investir em design editorial profissional, garantir revisão rigorosa tanto técnica quanto comunicacional.
A escolha entre produzir muitos conteúdos medianos ou menos conteúdos excepcionais tende a favorecer a segunda opção. Um artigo verdadeiramente aprofundado, bem produzido e estrategicamente distribuído por mês pode gerar mais resultados que quatro publicações apressadas por semana.
Isso não significa necessariamente orçamentos milionários, mas sim alocar recursos - tempo, talento e investimento - de forma estratégica na comunicação.
Respeitando os limites éticos
É fundamental destacar que todas essas estratégias precisam ser implementadas dentro dos limites estabelecidos pelo Código de Ética da OAB e pelo provimento 205/21. A comunicação jurídica deve sempre informar e educar, mantendo a sobriedade e o decoro necessários à profissão.
A boa notícia é que há muito espaço para inovação e criatividade dentro desses limites. Produzir conteúdo serializado, segmentado, em múltiplos formatos e baseado em dados não viola nenhum princípio ético - apenas torna a comunicação mais eficaz e estratégica.
Oportunidades abertas
O relatório da Netflix oferece um espelho interessante para a comunicação jurídica. Os padrões de comportamento de audiência que os dados revelam são universais - aplicam-se a conteúdo de entretenimento, mas também a conteúdo especializado e profissional.
Escritórios que conseguirem adaptar esses aprendizados - serialização de conteúdo, segmentação inteligente, diversificação de formatos, métricas profundas e investimento em qualidade - têm a oportunidade de construir relacionamentos mais sólidos com seus públicos, diferenciar-se em um mercado competitivo e criar autoridade técnica duradoura.
O desafio não está em saber o que fazer, mas em ter a disposição para repensar práticas estabelecidas. Os dados estão disponíveis, os aprendizados são claros, e as ferramentas existem. O que falta, em muitos casos, é encarar a comunicação jurídica com a mesma seriedade estratégica que a Netflix encara a comunicação com sua audiência.
A transformação não exige abandonar o rigor técnico ou a dignidade profissional - exige comunicar conhecimento jurídico de forma mais inteligente, acessível e eficaz. Os dados mostram o caminho. Cabe a cada escritório decidir quando começar a trilhá-lo.
Sergio Lucchesi
Jornalista e social media da M2 Comunicação Jurídica


