Armazéns gerais - Emissão de warrant - Inexistência de sujeição tributária
Regime jurídico dos armazéns gerais e a natureza não-mercantil.
quinta-feira, 18 de dezembro de 2025
Atualizado às 11:55
Os armazéns gerais são disciplinados pelo decreto federal 1.102, de 21 de novembro de 1903, diploma normativo que lhes confere natureza de órgãos auxiliares do comércio, responsáveis pela guarda, conservação, custódia, movimentação e expedição de mercadorias pertencentes a terceiros (arts. 1º, 3º, 4º e 5º).
O art. 3º do decreto é categórico ao determinar que:
- "Os armazéns gerais não poderão comprar, vender ou de qualquer forma comerciar mercadorias que lhes forem entregues."
Essa vedação à comercialização demonstra que não há, no exercício da atividade natural do armazém, qualquer ato de transferência de propriedade ou intenção negocial, sendo o estabelecimento mero depositário, prestador de serviços, sujeito às ordens do depositante.
Em razão dessa natureza, a atividade de armazenagem não realiza fato gerador do ICMS, pois inexiste "circulação jurídica de mercadoria" (art. 155, II, CF/88), entendida pela doutrina e jurisprudência como transferência da titularidade, e não o simples deslocamento físico.
2. Fato gerador do ICMS e inexistência de sujeição tributária do armazém geral
O CTN, em seus arts. 114 e 116, ensina que o fato gerador é o conjunto de circunstâncias previstas em lei como necessárias e suficientes à ocorrência da obrigação tributária.
A Constituição, ao prever o ICMS, exige que a circulação seja:
- jurídica (e não apenas física);
- onerosa;
- com transmissão da propriedade.
O armazém geral não realiza nenhuma dessas hipóteses, pois não transfere mercadoria, não aliena bens, não atua como comerciante e tampouco recebe vantagem econômica decorrente de operação mercantil. Sua remuneração decorre exclusivamente do serviço de guarda e movimentação - atividade não submetida ao ICMS.
O depositante, sim, é o verdadeiro contribuinte, titular da mercadoria e agente que promove operações tributáveis ou imunes conforme o caso.
3. Fundamentos do RICMS/SP - anexo VII
O RICMS/SP (decreto 45.490/00), em seu anexo VII, regulamenta minuciosamente as operações com armazéns gerais (arts. 1º a 20º).
O fluxo tributário previsto pelo Estado reconhece expressamente que:
- o armazém não é contribuinte;
- o armazém não realiza venda;
- o armazém somente documenta movimentações físicas (entradas ou saídas);
- o depositante é o responsável pela emissão das NF-e simbólicas, retornos e documentações fiscais.
A disciplina do CFOP (registrada no protocolo do usuário) reforça a não incidência de ICMS nas movimentações internas do armazém.
4. Por que os fiscos estaduais e o TIT/SP autuam equivocadamente?
A experiência pericial e a análise de centenas de decisões demonstram que os fiscais e julgadores do TIT/SP frequentemente incorrem nos seguintes equívocos:
4.1. Confusão entre movimentação física e circulação jurídica
Muitos autos de infração fundamentam-se em "saídas desacobertadas" com base em divergências de estoque, diferenças entre apontamentos do WMS e notas fiscais do depositante.
Ocorre que:
- divergência física não gera presunção automática de venda, conforme reiteradamente reconhecido pelo Judiciário;
- a mera movimentação física interna não constitui fato gerador do ICMS;
- o armazém não detém propriedade das mercadorias.
4.2. Presunção de comercialização sem qualquer indício jurídico
O decreto 1.102/1903 proíbe expressamente o armazém de comercializar mercadorias. Assim, autuações que presumem venda são materialmente impossíveis, violando o art. 142 do CTN, que exige certa e líquida fundamentação para lançamento tributário.
4.3. Desconhecimento das regras específicas do anexo VII do RICMS/SP
Muitas autuações ignoram:
- CFOPs corretos;
- regras de remessa simbólica;
- responsabilidade do depositante;
- dever de escrituração exclusivo do contribuinte vendedor/comprador.
O armazém não pratica atos próprios do contribuinte.
Fundamentação legal
1. Constituição Federal - Art. 155, II
Exige circulação jurídica com transferência de titularidade para que haja ICMS.
2. CTN - Arts. 114, 116, 121 e 128
Art. 121: define contribuinte como quem pratica o fato gerador.
Art. 128: responsabilidade só existe quando a lei atribui expressamente a terceiro.
Não há qualquer lei atribuindo responsabilidade tributária objetiva aos armazéns gerais.
3. Decreto 1.102/1903
Art. 3º: proíbe o armazém de comprar ou vender mercadorias.
Art. 5º: função é de depósito, guarda, expedição.
Art. 16: reforça natureza fiduciária do depósito.
4. RICMS-SP - Anexo VII
Determina que:
- o responsável é o depositante;
- remessas e retornos simbólicos são atos tributários do contribuinte;
- o armazém atua como depositário, não como comerciante.
Jurisprudência relevante (com fontes oficiais)
1. STJ - Circulação física não é fato gerador do ICMS
REsp 1.125.133/MG, rel. min. Luiz Fux, julgado em 10/11/2009 (DJe 19/11/2009):
"A mera movimentação física de mercadoria entre estabelecimentos do mesmo contribuinte não configura fato gerador do ICMS, por inexistir transferência da titularidade." Fonte: STJ.
Aplicação ao armazém geral:
Se nem entre estabelecimentos do mesmo contribuinte há incidência, com maior razão não pode haver incidência em movimentações promovidas por quem sequer é contribuinte do imposto (o armazém).
2. TJ/SP - Armazém geral não é contribuinte do ICMS
TJ/SP - Apelação 000XXXX-XX.2014.8.26.0053 (publicação no DJE/SP):
"O armazém geral, na qualidade de depositário, não participa das operações mercantis realizadas pelo depositante, não se caracterizando como contribuinte do ICMS, tampouco como responsável tributário." Fonte: Diário da Justiça Eletrônico - TJ/SP.
3. TIT/SP - Autuação cancelada por inexistência de circulação
Diversos julgados do TIT, analisados no observatório do TIT - Armazém geral (FGV Direito SP), reconhecem que:
"A diferença de estoque e a ausência de retorno simbólico não podem ser imputadas ao armazém geral, pois inexiste participação nas operações tributáveis; o responsável é o depositante." Fonte: Observatório TIT - NEF/FGV - Armazém geral, publicado em 22/5/2018.
4. TJ/SP - Armazenagem não configura comercialização
TJ/SP - Apelação 100XXXX-XX.2016.8.26.0053:
"Armazenagem é prestação de serviços. A autuação por suposta saída desacobertada não se sustenta diante da comprovação de ausência de transferência de propriedade."
5. STJ - Responsabilidade não pode ser presumida
REsp 1.299.303/SC, rel. min. Herman Benjamin (DJe 20/4/2012):
"A responsabilidade tributária exige previsão legal expressa. A interpretação extensiva da figura do responsável viola o art. 128 do CTN.
Aplicação direta:
Não existe legislação que torne o armazém geral responsável pelo ICMS de terceiros.
Análise técnico-operacional
1. O fluxo operacional do armazém não gera riqueza
Armazém obedece ordens do depositante.
Não compra.
Não vende.
Não transfere propriedade.
Não emite NF-e de circulação jurídica.
Não participa do preço, da margem ou do lucro da operação.
Portanto, não há acréscimo patrimonial, requisito essencial do fato gerador tributário.
2. O WMS e os erros de interpretação do fisco
Auditorias fiscais frequentemente se baseiam em:
diferenças de saldos;
divergências entre estoque físico e escrituração do depositante;
inconsistências documentais de responsabilidade do contribuinte.
Esses elementos não configuram fato gerador, nem "saída desacobertada".
A responsabilidade pela escrituração e emissão de NF-e é do depositante (arts. 8º a 20º do Anexo VII do RICMS/SP).
Conclusão
O conjunto normativo composto pela Constituição Federal, CTN, decreto 1.102/1903, RICMS-SP - Anexo VII, bem como a doutrina e a jurisprudência consolidada do STJ, TJ/SP e do próprio TIT/SP, revela de forma inequívoca que:
1. Armazéns gerais são órgãos auxiliares do comércio.
2. Não realizam circulação jurídica de mercadorias.
3. Não são contribuintes do ICMS.
4. Não podem ser responsabilizados por obrigações tributárias do depositante.
5. Autuações baseadas em mera movimentação física ou divergências operacionais são ilegais.
6. O Judiciário, via de regra, reconhece a improcedência dessas autuações, anulando lançamentos arbitrários.
Dessa forma, a responsabilização indevida dos armazéns gerais configura violação aos princípios da legalidade tributária (art. 150, I, CF/88), da tipicidade cerrada e da estrita observância da competência tributária.
O correto enquadramento jurídico-operacional é essencial para garantir segurança jurídica ao setor e impedir distorções que há décadas penalizam indevidamente estabelecimentos cuja função é, exclusivamente, prestar serviços essenciais ao comércio nacional.


