O perfil ideal do profissional de legal ops e controladoria

Controladoria jurídica e legal ops: O perfil estratégico que transforma o setor jurídico

O mercado jurídico contemporâneo, marcado por uma crescente complexidade e pressão por eficiência, exige uma nova mentalidade dos seus operadores. A tradicional figura do advogado, focada exclusivamente na doutrina e na prática processual, abre espaço para perfis profissionais híbridos, capazes de aliar o conhecimento técnico-jurídico a uma visão de negócios apurada e a uma gestão orientada por dados. Nesse cenário, emergem com força duas áreas fundamentais: a controladoria jurídica e o legal operations (legal ops). Embora distintas, essas disciplinas são complementares e representam a vanguarda da gestão jurídica moderna, transformando departamentos e escritórios de meros centros de custo em verdadeiros parceiros estratégicos para o negócio. Este artigo explora o perfil ideal para os profissionais que atuam nessas áreas, a imperativa necessidade de sua valorização e a importância crítica de um processo seletivo bem estruturado para encontrar os talentos certos, capazes de impulsionar essa transformação.

Desvendando os conceitos: Controladoria jurídica vs. legal operations

Para compreender o perfil ideal desses profissionais, é primordial distinguir as suas áreas de atuação. Embora frequentemente confundidas, a controladoria jurídica e o legal ops possuem focos e escopos distintos, mas que se integram de forma sinérgica.

A controladoria jurídica pode ser vista como a espinha dorsal da eficiência operacional interna. Tradicionalmente ocupada por advogados, bacharéis ou estagiários de Direito, sua principal missão é garantir a qualidade e a conformidade dos serviços jurídicos. O foco está no controle rigoroso de prazos processuais, no monitoramento de publicações, na gestão de documentos, na alimentação de sistemas e na geração de relatórios internos. Em suma, a controladoria assegura que a "máquina" jurídica funcione sem sobressaltos, com precisão e segurança, mitigando riscos operacionais e garantindo a padronização dos procedimentos.

O legal operations, por sua vez, transcende a gestão puramente processual e assume um papel de parceiro estratégico do negócio. Com uma abordagem mais ampla e multidisciplinar, o legal ops se concentra em otimizar todos os aspectos do departamento jurídico que não constituem a prática legal em si. Como define o CLOC - Corporate Legal Operations Consortium, a área abrange 12 competências essenciais que incluem desde a gestão financeira e de fornecedores até a implementação de tecnologia, business intelligence, gestão do conhecimento e planejamento estratégico. O profissional de legal ops não precisa, necessariamente, ter formação em Direito; sua equipe pode ser composta por analistas de dados, especialistas em finanças, gerentes de projeto e engenheiros de tecnologia. A palavra de ordem aqui é gestão, com o objetivo de alinhar o departamento jurídico aos objetivos macro da empresa, gerando valor, eficiência e inovação.

Característica	Controladoria jurídica	Legal operations (legal ops)
Foco Principal	Eficiência e controle dos processos internos	Estratégia, otimização e alinhamento com o negócio
Escopo	Gestão de prazos, documentos, sistemas e rotinas	Gestão financeira, tecnologia, dados, fornecedores, projetos
Perfil do Profissional	Predominantemente jurídico (advogados, bacharéis)	Multidisciplinar (gestores, analistas, engenheiros, etc.)
Objetivo	Garantir a qualidade, conformidade e segurança operacional	Aumentar a eficiência, reduzir custos e agregar valor estratégico

O perfil ideal: A fusão de competências técnicas e comportamentais

O profissional desejado para atuar em Controladoria Jurídica e, especialmente, em legal ops, é um arquiteto de soluções, um agente de mudança com um conjunto de habilidades que vai muito além do conhecimento jurídico tradicional. Trata-se de um perfil híbrido que combina competências técnicas (hard skills) com habilidades comportamentais (soft skills) de alta demanda.

Hard skills essenciais

A gestão de projetos é uma das competências técnicas mais importantes. A capacidade de planejar, executar e monitorar projetos complexos, utilizando metodologias ágeis ou tradicionais, é fundamental para implementar novas tecnologias, otimizar fluxos de trabalho e gerenciar iniciativas de transformação. Igualmente crucial é a análise de dados (business intelligence). O profissional deve ser capaz de coletar, analisar e interpretar grandes volumes de dados para extrair insights valiosos, criar dashboards de performance (KPIs) e embasar a tomada de decisões estratégicas. Não se trata apenas de gerar relatórios, mas de contar uma história com os dados, identificando tendências, gargalos e oportunidades de melhoria. Adicionalmente, o conhecimento em tecnologia é indispensável. É crucial ter familiaridade com o ecossistema de tecnologias jurídicas (legaltechs e lawtechs), incluindo softwares de gestão, plataformas de automação de documentos, ferramentas de jurimetria e soluções de inteligência artificial. O profissional não precisa ser um programador, mas deve entender o potencial de cada ferramenta para solucionar problemas concretos. Por fim, a gestão financeira completa o quarteto de hard skills essenciais. Compreender e gerenciar o orçamento do departamento jurídico, negociar com fornecedores, analisar custos e demonstrar o retorno sobre o investimento (ROI) das iniciativas da área são competências vitais para o profissional de legal ops.

Soft skills indispensáveis

No campo das soft skills, a visão de negócios se destaca. Mais do que entender de leis, é preciso entender do negócio. Esse profissional deve ser capaz de alinhar as iniciativas do departamento jurídico com os objetivos estratégicos da empresa, falando a língua das outras áreas e demonstrando o valor que o jurídico agrega. A comunicação e a capacidade de influência são igualmente importantes. A habilidade de se comunicar de forma clara e persuasiva com diferentes stakeholders - desde a equipe de advogados até a alta diretoria, passando por times de TI e finanças - é crucial para obter o engajamento necessário para os projetos de inovação. A resolução de problemas complexos é outra habilidade indispensável. O dia a dia dessas áreas é repleto de desafios que exigem um pensamento crítico, criativo e sistêmico para encontrar soluções eficazes e sustentáveis. Finalmente, a adaptabilidade e a resiliência são fundamentais. O ambiente de legal ops é dinâmico e em constante evolução, e a capacidade de se adaptar a novas tecnologias, processos e demandas, mantendo a resiliência diante de obstáculos, é uma característica essencial.

A valorização como vetor de transformação

A importância de ter profissionais com esse perfil transcende a simples otimização de tarefas. A valorização da controladoria jurídica e, sobretudo, do legal ops, é um investimento direto na transformação do departamento jurídico em um verdadeiro parceiro de negócios. Quando a gestão da empresa caminha lado a lado com o departamento jurídico, este deixa de ser um mero observador de prazos e passa a atuar proativamente na estratégia corporativa.¹

Profissionais de legal ops, com sua visão sistêmica e orientada a dados, são capazes de:

• Reduzir custos e aumentar a eficiência: Ao otimizar processos, renegociar contratos com fornecedores e implementar tecnologias de automação, a área de legal ops gera uma economia significativa para a empresa, permitindo que os advogados se concentrem em atividades de maior valor agregado.
• Mitigar riscos de forma proativa: A análise de dados e a governança da informação permitem identificar riscos potenciais antes que se materializem, criando uma cultura de prevenção e conformidade muito mais robusta.
• Agregar valor em operações estratégicas: Em cenários de alta complexidade, como fusões e aquisições (M&A), a eficiência operacional e a gestão estratégica do departamento jurídico são fatores-chave para o sucesso e a valorização do negócio. Um time de legal ops bem estruturado pode ser o diferencial que garante uma due diligence mais ágil, uma integração mais suave e uma avaliação mais precisa dos ativos e passivos jurídicos.
• Fomentar uma cultura de inovação: Ao trazerem uma mentalidade de melhoria contínua e experimentação, esses profissionais ajudam a modernizar a cultura do departamento jurídico, tornando-o mais ágil, adaptável e aberto a novas soluções.

Ignorar a necessidade desses profissionais ou relegá-los a um segundo plano é um erro estratégico. Significa manter o departamento jurídico operando em um modelo reativo e ultrapassado, incapaz de acompanhar a velocidade e a complexidade do mundo dos negócios atual.

O processo seletivo: A chave para encontrar o talento certo

Dado o perfil multifacetado e estratégico desses profissionais, o processo seletivo para preencher vagas de controladoria jurídica e legal ops não pode seguir o modelo tradicional de contratação de advogados. Avaliar apenas o conhecimento jurídico ou a experiência em contencioso é insuficiente e levará à contratação de um perfil inadequado. Um processo seletivo eficaz deve ser desenhado para identificar as competências híbridas que a função exige.

Algumas práticas recomendadas incluem:

• Descrição da vaga detalhada: O anúncio da vaga deve ser extremamente claro sobre a natureza multidisciplinar do cargo, especificando a necessidade de conhecimentos em gestão, finanças, tecnologia e análise de dados, além das soft skills desejadas.
• Estudos de caso práticos: Em vez de se limitar a perguntas teóricas, o processo deve incluir a resolução de um estudo de caso. Apresente ao candidato um problema real do departamento - como a análise de custos com escritórios externos, a proposta de um novo fluxo para gestão de contratos ou um plano para implementação de uma nova tecnologia - e peça que ele desenvolva e apresente uma solução. Isso permite avaliar na prática sua capacidade de raciocínio, sua visão de negócios e suas habilidades de comunicação.
• Entrevistas com múltiplos stakeholders: O candidato deve ser entrevistado não apenas pelo gestor da área jurídica, mas também por líderes de outras áreas, como finanças, TI e operações. Essa abordagem multidisciplinar ajuda a avaliar a capacidade do candidato de transitar por diferentes setores da empresa e de construir as pontes necessárias para o sucesso de sua função.
• Foco em realizações, não apenas em responsabilidades: Durante a entrevista, investigue projetos passados nos quais o candidato teve um papel de liderança ou influência. Peça que ele quantifique os resultados alcançados: qual foi a economia gerada? Em quanto a eficiência aumentou? Como ele mediu o sucesso do projeto? Isso ajuda a diferenciar os candidatos que apenas executaram tarefas daqueles que realmente geraram impacto.

Conclusão: O futuro da gestão jurídica é agora

A ascensão da controladoria jurídica e do legal operations não é uma moda passageira, mas uma evolução estrutural e irreversível na forma como os serviços jurídicos são gerenciados e entregues. Essas áreas representam a profissionalização da gestão no universo do Direito, transformando departamentos jurídicos em motores de eficiência, inovação e valor estratégico.

A valorização desses profissionais e a criação de processos seletivos adequados para identificá-los não são mais um luxo, mas uma necessidade competitiva. As empresas e escritórios que compreenderem a importância de investir em talentos com esse perfil híbrido estarão não apenas otimizando suas operações, mas também construindo as bases para um futuro no qual o departamento jurídico é, de fato, um parceiro indispensável para o sucesso do negócio.

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1 CARVALHO, Pedro. "Legal Operations: A Chave para a Valorização Estratégica e Eficiência Empresarial". LinkedIn, 23 de mai. de 2024. Disponível em: https://pt.linkedin.com/pulse/legal-operations-chave-para-valoriza%C3%A7%C3%A3o-estrat%C3%A9gica-e-pedro-carvalho-i9d9f.

2 AURUM. "Legal ops: o que é, atividades, oportunidades e como começar". Disponível em: https://www.aurum.com.br/blog/legal-ops/.

3 ROCHA, Gustavo. "Legal Operations versus Controladoria: Entendendo as Diferenças". LinkedIn, 9 de jun. de 2024. Disponível em: https://pt.linkedin.com/pulse/legal-operations-versus-controladoria-entendendo-diferen%C3%A7as-rocha-jffkf.

4 TISO, Gleicy Michella de Souza Lima. "Competências essenciais ao 'legal ops'". Migalhas, 24 de fev. de 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/360437/competencias-essenciais-ao-legal-ops.

5 CLOC - Corporate Legal Operations Consortium. "What is legal ops". Disponível em: https://cloc.org/what-is-legal-ops/.