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Lei 15.097/25 e o marco regulatório da energia offshore

A lei 15.097/25 regula energia offshore, exigindo contratos privados claros e seguros, alinhando riscos, obrigações e inovação tecnológica.

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Atualizado em 8 de dezembro de 2025 15:33

A lei 15.097/25 inaugura um regime para aproveitar o potencial energético em águas sob domínio da União, fixando instrumentos como outorga (autorizações e concessões), definição de prismas e obrigações de descomissionamento. O efeito jurídico mais decisivo, porém, se dá nos contratos privados: riscos, garantias e responsabilidades precisam conversar com o novo arcabouço legal para assegurar viabilidade e segurança jurídica.

O novo marco legal em linhas gerais

A lei 15.097/25 estabelece, em seu primeiro artigo, que a referida legislação "dispõe sobre o aproveitamento de bens da União para a geração de energia elétrica a partir de empreendimento offshore". Além disso, ela altera diplomas importantes - como as leis 9.427/1996 e 9.478/1997 -, adequando o regime jurídico existente às especificidades do setor de energia marítima.

Trata-se, portanto, de uma norma que não apenas cria um marco regulatório próprio, mas também se harmoniza com a estrutura anterior, promovendo coerência entre o sistema elétrico tradicional e a nova fronteira de exploração em águas sob domínio da União.

A promulgação dessa lei insere o Brasil no mapa de países que enxergam o mar como nova arena de produção de energia renovável. Com a consolidação de um regramento transparente e previsível, o país torna-se mais atraente para investidores estrangeiros, que buscam segurança jurídica e estabilidade regulatória como condição para aportar capital em projetos de longo prazo. 

A redução do risco regulatório, nesse contexto, tende a refletir-se em contratos mais duradouros, custo de capital mais baixo e maior competitividade no mercado global de energia limpa. Assim, o Brasil dá um passo importante para alinhar seu ambiente jurídico às exigências de um setor que se movimenta cada vez mais em escala transnacional.

Essa inserção internacional, contudo, vem acompanhada de um conjunto de inovações jurídicas que representam o verdadeiro núcleo de modernização trazido pela lei 15.097/25. Entre as principais novidades estão a delimitação dos chamados "prismas", a exigência da DIP - Declaração de Interferência Prévia e a combinação de regimes de outorga - autorização e concessão - como instrumentos para o exercício do direito de exploração. 

Tais inovações não se restringem ao âmbito público: elas transbordam para os contratos privados, que precisarão refletir as novas obrigações e incertezas introduzidas pelo marco legal. É nesse ponto de contato entre o público e o privado que se colocará o verdadeiro teste da lei, exigindo do mercado uma adaptação contratual sofisticada para absorver riscos e garantir segurança jurídica às partes envolvidas.

A título de exemplo e em coerência com essa lógica de integração entre regulação e contratualidade, a lei estabelece, como requisito para a habilitação do empreendedor que deseja investir e atuar com energia offshore, uma análise de viabilidade técnica e econômica, bem como a apresentação de estudo preliminar de impacto socioambiental (art. 5º, § 1º, inciso II). 

Tais exigências elevam o patamar das garantias contratuais e impõem que os instrumentos privados espelhem com precisão os requisitos legais, evitando desalinhamentos que possam gerar contingências futuras. 

Além disso, concomitantemente, a mencionada lei estimula a inovação tecnológica nacional e fomenta programas de conteúdo local (art. 4º, IV e V), abrindo novas oportunidades para fornecedores brasileiros de turbinas, sistemas flutuantes, cabeamento marítimo e serviços de manutenção. Dessa forma, o marco regulatório não apenas estrutura juridicamente o setor, mas também estimula o desenvolvimento da cadeia produtiva, reforçando a competitividade e o protagonismo da indústria nacional no contexto da transição energética.

De todo modo, a despeito de grande parte do debate estar no campo regulatório - envolvendo quem licitará, qual modelo de outorga será adotado e como se dará a fiscalização -no âmbito civil também surgem inúmeros outros riscos concretos. 

Em caráter ilustrativo, a lei determina que os editais tragam minutas de termo de outorga e condições gerais mínimas (art. 6º). Assim, se os contratos privados divergem substancialmente desses termos, pode haver um aumento significativo das chances de conflito interpretativo, de execução e, em última instância, de judicialização.

Outro ponto relevante é a previsão de participações governamentais, cuja arrecadação será distribuída entre União, Estados e municípios, além de projetos sustentáveis em comunidades afetadas (arts. 13 e 14). Essa repartição reforça a necessidade de que os contratos contemplem a carga fiscal do empreendimento, ajustando incentivos locais e prevenindo desequilíbrios econômicos na cadeia de investimento.

A lei também impõe garantias de descomissionamento (art. 15), obrigando o empreendedor a prever recursos destinados à desmontagem das estruturas ao fim da vida útil do projeto. Tal obrigação deve ser considerada desde a fase contratual, com cláusulas que estabeleçam fundos ou seguros suficientes, evitando que o ônus seja transferido ao Poder Público. 

Já no campo da responsabilidade civil, a lei impõe atenção redobrada às esferas contratual e extracontratual. No primeiro caso, atrasos ou descumprimentos podem gerar perdas e danos; no segundo, danos ambientais ao meio marinho ou à costa ensejam reparação integral, independentemente de culpa. Diante disso, torna-se essencial a contratação de seguros robustos e a definição clara da cadeia de responsabilidades entre contratante, fornecedores e operadores.

Além disso, o ambiente marítimo traz riscos únicos: janelas climáticas restritas, logísticas complexas, exigências de compatibilidade com rotas marítimas e blocos de óleo e gás. O contrato civil, portanto, deve prever mecanismos de reequilíbrio econômico e de prazo (prorrogações, compensações) quando condicionantes supervenientes afetarem a execução. Cláusulas que resguardem eventuais mudanças normativas e de revisão contratual (arts. 478 a 480 do CC), por exemplo, ganham importância reforçada diante de possíveis regulações futuras complementares que alterem o ambiente normativo.

Em linhas gerais, a nova lei é uma porta aberta, mas só será útil se o contrato privado souber fazer a ponte. O Direito Civil entra como instrumento de precisão: distribuir riscos com clareza, garantir que obrigações públicas sejam refletidas no contrato, delimitar responsabilidades e criar mecanismos de reequilíbrio quando o imprevisto marítimo ou regulatório bater à porta.

Matheus Ramos

Matheus Ramos

Advogado no Serur Advogados.

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