Haverá tributação na distribuição de dividendos no Simples Nacional?
Falta de clareza na lei 15.270/25 gera dúvida quanto à revogação da isenção prevista no art. 14 da LC 123/06, criando insegurança jurídica.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2025
Atualizado às 09:10
Desde 1996, a distribuição de lucros e dividendos para pessoas físicas é isenta do Imposto sobre a Renda, por força do disposto no art. 10 da lei 9.249/1995.
No entanto, a lei 15.270/25, publicada em 27 de novembro de 2025, mudou radicalmente esse cenário. Para compensar a perda de arrecadação com o aumento da faixa de isenção do IRPF, a norma instituiu a chamada "tributação de altas rendas", que se dará mediante a retenção na fonte do imposto sobre lucros e dividendos pagos por uma mesma pessoa jurídica, no mesmo mês, em montante superior a R$50.000,00, e a tributação mínima no ajuste anual, incidente sobre rendimentos recebidos no ano-calendário cuja soma seja superior a R$ 600.000,00.
O fato é que, diante da falta de clareza da novel legislação, surgiram incertezas envolvendo a tributação de pessoas físicas sócias de microempresas e empresas de pequeno porte optantes do Simples Nacional: afinal, elas estarão sujeitas à retenção na fonte e à tributação mínima do IRPF na forma da lei 15.270/25?
A proximidade do início dos efeitos da norma, aliada à ausência de regulamentação esclarecendo a forma como se dará sua aplicação em relação aos regimes existentes, vem afligindo empresários de todo o Brasil.
O tema é relevante porque, segundo informações divulgadas no Portal do Simples Nacional1, há atualmente 8.048.120 pessoas jurídicas enquadradas no Simples Nacional (não incluídos, nesses números, os microempreendedores individuais) - o que representa quase 30% das empresas ativas no país.
O objetivo do presente artigo é demonstrar que existem fortes argumentos capazes de afastar a aplicação da lei 15.270/25 aos lucros distribuídos por pessoas jurídicas que fazem jus ao tratamento tributário favorecido previsto no Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, mas que, ainda assim, não se pode negar o risco de autuação fiscal, exigindo precaução por parte dos contribuintes.
Argumentos contrários à tributação
Como é sabido, o art. 3º da lei 15.270/25 alterou o art. 10 da lei 9.249/1995, restringindo a isenção que recaía sobre lucros e dividendos pagos ou creditados a pessoas físicas, sujeitando-os à retenção na fonte e à tributação mínima do IRPF sempre que atingidos os montantes considerados altas rendas. Ocorre que o art. 10 da lei 9.249/1995 se refere, expressamente, a pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado. Nada é dito sobre o Simples Nacional.
Partindo dessa premissa, poder-se-ia considerar que o legislador sequer teve a intenção de alcançar os lucros e dividendos pagos a pessoas físicas por microempresas e empresas de pequeno porte optantes do Simples Nacional.
Por outro lado, o art. 14 da LC 123/06 continua considerando isentos do imposto de renda, não só na fonte, como também na declaração de ajuste do beneficiário, os valores efetivamente pagos ou distribuídos ao titular ou sócio da pessoa jurídica tributada pelo regime do Simples Nacional, salvo se corresponderem a pró-labore, aluguéis ou serviços prestados.
É verdade que o STF admite a revogação de dispositivo de lei complementar por lei ordinária quando esta trate de matéria de sua competência - do que se tem exemplo o acórdão proferido no julgamento do RE 377.457, leading case no qual foi apreciado o Tema 71 da repercussão geral2.
Naquela ocasião, o Plenário da Corte entendeu que o art. 56 da lei 9.430/1996 poderia validamente revogar a isenção concedida às sociedades civis de profissão regulamentada, prevista no art. 6º, inciso II, da LC 70/1991, por se tratar de norma apenas formalmente complementar, porém, materialmente ordinária.
Não há dúvidas de que a lei 15.270/25 trata de matéria passível de veiculação por meio de lei ordinária. Contudo, quanto à isenção do art. 14 da LC 123/06, a impossibilidade de sua revogação decorre das disposições do art. 146, inciso III, alínea "d", da Constituição Federal, que exige a edição de lei complementar para dispor sobre o tratamento diferenciado e favorecido para microempresas e empresas de pequeno porte.
Esse foi o fundamento utilizado pelo STF, no julgamento do RE 1.287.019 (Tema 1.093 da repercussão geral)3, para julgar inconstitucional a cláusula nona do Convênio ICMS 93/15, que estendeu aos optantes do Simples Nacional a exigência do DIFAL nas operações interestaduais que destinassem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS.
Insegurança jurídica
O precedente citado é um forte argumento para obstar a tributação dos lucros e dividendos pagos a pessoas físicas por empresas optantes do Simples Nacional, mas, conhecendo a sanha arrecadatória do fisco federal, não seria demais supor que a Receita Federal do Brasil pode considerar que a isenção prevista no art. 14 da LC 123/06 não beneficia as microempresas e empresas de pequeno porte, mas, sim, seus sócios, que não estão albergados pela proteção constitucional. Prevalecendo esse entendimento, a isenção poderia ser revogada por lei ordinária.
Nesse contexto, não se pode deixar de mencionar que a Cosit - Coordenação-Geral de Tributação da Secretaria da Receita Federal do Brasil, em 26 de novembro de 2025 - mesmo dia da sanção da lei 15.270/15 -, editou a solução de consulta 2444, confirmando a isenção do IRPF na distribuição de lucros por microempresas e empresas de pequeno porte optantes do Simples Nacional.
Embora a referida solução de consulta venha sendo vista por muitos como verdadeiro alento para os contribuintes do regime simplificado, ao analisar seu inteiro teor, verifica-se que, nela, não há qualquer menção à lei 15.270/25.
E nem poderia, já que a consulta foi formalizada antes mesmo da publicação da lei e, ademais, o questionamento então formulado pelo contribuinte limitava-se à possibilidade de isenção do IRPF na distribuição de lucros, dentro do próprio ano-calendário de apuração, realizada com base em balanços ou balancetes específicos, nos termos do art. 238 da IN RFB 1.700/17.
Possíveis soluções para mitigação do risco fiscal
Portanto, permanece a dúvida acerca da tributação dos lucros e dividendos distribuídos a pessoas físicas sócias de empresas optantes do Simples Nacional a partir de 1º de janeiro de 2026, gerando risco de novo contencioso tributário em massa. Para saná-la, será necessário apresentar nova consulta formal à Cosit, desta feita, indagando-se a respeito da higidez da isenção prevista no art. 14 da LC 123/06 após o advento da lei 15.270/25.
Se, nesse meio tempo, os contribuintes vierem a ser autuados, há relevante precedente do STF que os socorre, aumentando as chances de afastar eventual cobrança indevida por parte da Receita Federal do Brasil. O ideal, no entanto, é que os contribuintes se adiantem a qualquer ação fiscal, impetrando mandado de segurança preventivo para resguardar seu direito à isenção.
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1 Estatística SINAC, referente ao mês de novembro de 2025. Disponível em: https://www8.receita.fazenda.gov.br/simplesnacional/aplicacoes/atbhe/estatisticassinac.app/EstatisticasOptantesPorDataMunicipio.aspx?tipoConsulta=1
2 STF, Tribunal Pleno, RE 377457, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento em 17/09/2008, publicação em 19/12/2008, Repercussão Geral - Mérito (Tema 71). Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur1366/false
3 STF, Tribunal Pleno, RE 1287019, Relator Ministro Marco Aurélio, Redator do acórdão Ministro Dias Toffoli, julgamento em 24/02/2021, publicação em 25/05/2021, Repercussão Geral - Mérito (Tema 1093). Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur446939/false
4 Solução de Consulta Cosit nº 244, de 26 de novembro de 2025, DOU de 28/11/2025, seção 1, página 245. Disponível em: https://normasinternet2.receita.fazenda.gov.br/#/consulta/externa/148004


