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Compliance digital nas empresas: A nova fronteira da responsabilidade corporativa

Responsabilidade corporativa ganha novo capítulo com expansão do compliance digital.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Atualizado às 14:24

A transformação digital expandiu fronteiras, acelerou processos e tornou as empresas cada vez mais dependentes do fluxo contínuo de informações. Nesse cenário, a adoção de políticas estruturadas de compliance digital deixou de ser apenas uma recomendação técnica e passou a se tornar elemento central da responsabilidade corporativa. A legislação brasileira, especialmente após a vigência da LGPD1, consolidou a compreensão de que o risco digital é também risco jurídico - e sua negligência pode gerar impactos profundos nas esferas civil, administrativa e reputacional.

A economia digital opera hoje sob grande volume de dados sensíveis: informações pessoais, contratos, comunicações estratégicas e segredos comerciais. A circulação constante desses dados, muitas vezes sem a devida gestão ou sem controles mínimos, cria um ambiente de vulnerabilidade que pode resultar em incidentes de grande repercussão. Vazamentos, ataques de ransomware e interrupções operacionais colocam em evidência a necessidade de governança digital e de conformidade com normas internas e externas, reforçando o alerta já indicado pelo Marco Civil da Internet2.

O risco digital como elemento de responsabilidade jurídica

Se antes os incidentes cibernéticos eram compreendidos apenas como falhas técnicas, hoje são analisados sob a ótica jurídica e da governança corporativa. A atuação da ANPD - Autoridade Nacional de Proteção de Dados3 tem reforçado a importância de políticas adequadas de prevenção, resposta e mitigação, que devem fazer parte da cultura organizacional.

A ausência de políticas efetivas pode culminar não apenas em penalidades administrativas, mas também em indenizações, afastamento de clientes e perda de confiança do mercado.

Essa percepção acompanha tendências internacionais, como as diretrizes de segurança recomendadas pela NIST - National Institute of Standards and Technology4 5 e pelas normas ISO/IEC 270016, que estruturam abordagens amplas de gestão de riscos e controles de segurança da informação. Esses padrões, embora não obrigatórios, servem como parâmetro de diligência e boas práticas para empresas que buscam fortalecer sua postura de compliance digital.

A importância de compreender o compliance digital para além da tecnologia

O compliance digital não se limita a mecanismos de proteção de sistemas ou softwares de segurança. Trata-se de uma abordagem transversal que envolve todos os setores da empresa: Recursos humanos, marketing, jurídico, financeiro, atendimento e diretoria.

Cada área, ao lidar com dados e processos digitais, participa de forma direta do gerenciamento de riscos. Uma falha de conduta, por menor que seja, pode desencadear um incidente de proporções sistêmicas.

Assim, o compliance digital assume o papel de pilar estratégico de governança. Não basta proteger dados: é preciso estabelecer políticas claras, treinar equipes, revisar contratos, estruturar protocolos de resposta a incidentes e documentar todo o ciclo de conformidade.

O modelo europeu de governança digital também reforça esses pilares, conforme orientações da Agência da União Europeia para Cibersegurança (ENISA)7, adotando abordagem preventiva e multidisciplinar.

Os riscos da ausência de governança e de cultura digital

Empresas que negligenciam o compliance digital se expõem a efeitos imediatos e de longo prazo. A fiscalização da ANPD, o aumento de demandas judiciais envolvendo violações de dados e a sensibilidade crescente do consumidor tornam indispensável a adoção de procedimentos internos e controles técnicos.

No ambiente corporativo atual, onde a reputação se estabelece, em grande parte, no ambiente digital, incidentes dessa natureza podem comprometer seriamente a credibilidade e a continuidade das atividades.

A realidade dos incidentes recentes e o alerta levantado por casos concretos analisados por especialistas em cibersegurança - como discutido em estudos publicados por Migalhas - reforçam a importância de consolidar políticas internas bem estruturadas.

Nesse sentido, ferramentas de verificação de vazamentos de credenciais, como Have I Been Pwned8, podem auxiliar empresas a identificar vulnerabilidades, ainda que funcionem apenas como complemento às políticas de segurança e monitoramento interno.

Conclusão

O contexto digital que molda as relações econômicas atuais exige das empresas uma postura ativa, estratégica e permanentemente atualizada. O compliance digital não é apenas um mecanismo de proteção contra ataques cibernéticos, mas um elemento essencial de governança corporativa, capaz de preservar a integridade operacional, a reputação institucional e a confiança dos stakeholders.

Mais do que cumprir normas legais, a implementação de programas estruturados de conformidade digital representa a internalização de uma cultura organizacional orientada à prevenção, à transparência e à segurança. Em um ambiente em que incidentes de cibersegurança podem desencadear efeitos sistêmicos, cabe às empresas reconhecer que a proteção de dados e a governança de riscos não são custos, mas investimentos estratégicos.

A adoção de políticas robustas, aliada à capacitação contínua de equipes e à atualização permanente de processos, coloca a organização em posição de protagonismo e responsabilidade diante dos desafios da era da informação. O futuro das empresas - e sua capacidade de competir, inovar e crescer - passa, inevitavelmente, pela maturidade em compliance digital.

_________

1 Lei nº 13.709/2018 - Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

2 Lei nº 12.965/2014 - Marco Civil da Internet.

3 Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Guias e orientações disponíveis em gov.br/anpd.

4 NIST - Cybersecurity Framework (CSF).

5 NIST Special Publication 800-53 (Rev. 5).

6 ISO/IEC 27001 - Sistemas de Gestão de Segurança da Informação (ISMS).

7 ENISA - European Union Agency for Cybersecurity.

8 Have I Been Pwned - Base internacional de verificação de vazamento de credenciais.

Yêda Maria Ferreira Barbosa

VIP Yêda Maria Ferreira Barbosa

Advogada Especialista na Solução de Crimes Virtuais, com atuação em todo o território nacional. Presidente da Comissão de Direito Cibernético e mestranda pela Universidade de Valência, na Espanha.

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