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Litígios florestais: Alternativas à paralisação da colheita

O artigo aborda os prejuízos da suspensão de atividades florestais em litígios. Defende a colheita com depósito judicial para preservar o valor do ativo frente à morosidade processual.

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Atualizado às 09:22

De acordo com o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a indústria florestal brasileira movimentou R$ 44,3 bilhões em 2024, com avanço de 16,7% quando comparado com o ano de 2023, sendo que a silvicultura responde por 81,1% do valor total. O combustível do setor é extraído de 9,9 milhões de hectares oriundos de projetos de reflorestamentos de eucaliptos e pinus1.

Em razão da grande extensão das fazendas onde são efetuados os plantios, não é comum que haja cercas ou divisórias físicas nos limites dessas propriedades.

Por se tratar de áreas rurais, geralmente localizadas em pequenos municípios, onde a regularização fundiária ainda é um problema, disputas sobre a propriedade e posse das fazendas são recorrentes no cotidiano das empresas.

Nesse âmbito, é muito comum que não haja título de propriedade das terras, baseando-se a ocupação exclusivamente em cadeias possessórias, ou, ainda, em transcrições e até matrículas imobiliárias que carecem de georreferenciamento e, portanto, descrevem a área somente a partir de acidentes geográficos, o que dificulta a correta identificação do imóvel.

Vale ressaltar que, a partir da lei 10.267/01, é obrigatório o georreferenciamento de imóveis rurais no Brasil, cabendo ao INCRA "nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais" ou, ainda, "em qualquer situação de transferência de imóveis rurais" e, nas situações que decorram de "atos judiciais que versem sobre imóveis rurais", certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhum outro imóvel cadastrado no SIGEF - Sistema de Gestão Fundiária, bem como que o memorial atende às exigências técnicas.

A implementação vem se dando, por força do decreto 4.449/02, de forma escalonada, tendo iniciado com a exigência de certificação de propriedades com área igual ou superior a 5.000 hectares, a partir de 2003, até que, com o passar dos marcos temporais, chegou-se às propriedades com área superior ou igual a 25 hectares.

Em 2025, deveria ocorrer a aplicação a todos os imóveis rurais, mas houve prorrogação da medida por imposição do decreto 12.689/25 por mais quatro anos.

Contudo, considerando que somente é exigida a regularização do título quando realizada alguma das alterações mencionadas, existe um longo caminho a ser percorrido para que haja o completo registro cartorial dos limites dos imóveis rurais brasileiros.

Tal cenário de incerteza contribui para o imenso número de demandas, desde discussões sobre sobreposição de áreas - já que há várias regiões com mais "andares" do que terras disponíveis - até a simples invasão para corte clandestino das árvores, cujos autores se aproveitam justamente da falta de divisões físicas nos imóveis.

Nesse contexto, ganha especial relevância a comprovação do exercício da posse.

Conforme art. 555 do CDC, é lícito aos autores de ações possessórias cumular ao pedido possessório condenação em perdas e danos, além de indenização pelos frutos, cabendo também requerer imposição de medida necessária e adequada para evitar nova turbação ou esbulho.

O réu, igualmente, alegando que foi ofendido em sua posse, pode pleitear a proteção possessória e indenização pelos prejuízos da turbação ou esbulho cometido pelo autor, nos termos do art. 556, CPC.

Dessa forma, sobretudo em ações de reintegração ou manutenção de posse, a instrução probatória é fundamental para a resolução da controvérsia, o que implica a necessidade de realização de perícia para averiguar a quem pertence a posse e quais os danos efetivamente suportados pelo possuidor.

Para não contaminar a prova e evitar o risco ao resultado útil do processo, mesmo sem forte probabilidade de direito, o Poder Judiciário invoca o art. 77, inciso VI, do CPC, que prevê o dever das partes em "não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso", para determinar a suspensão das atividades desenvolvidas na área litigiosa.

Em uma análise superficial, tal orientação seria natural ante a pendência de solução do litígio, sendo incapaz de gerar prejuízo a qualquer uma das partes.

Ocorre que a morosidade do processo judicial é uma constante, ao passo que o cultivo das árvores segue cronograma de manejo, no qual são previstos desbastes para potencializar os resultados da produção, bem como planos de cortes a depender da idade das árvores. Isso faz com que seja necessário adquirir matéria-prima no mercado, suscetível às variações de preço.

Logo, se no início a medida suspensiva não gerava perdas à indústria, com o passar do tempo sem a resolução definitiva, a impossibilidade de efetuar as intervenções necessárias para o cultivo das árvores torna-se um problema, com potencial para criar enorme passivo.

Nesses casos, cabe ao juiz da causa a sensibilidade de autorizar o corte, possibilitando à parte contrária a fiscalização do ato, e a venda da madeira, com a obrigação de depósito judicial dos valores alcançados, com o objetivo de evitar a depreciação dos ativos.

Havendo alegação de prejuízo por qualquer uma das partes, não é justificável que a falta de celeridade processual contribua para majorar os danos suportados pela parte inocente.

Veja-se que tal medida em nada afetará o direito das partes, mas atua de maneira efetiva para minorar os possíveis prejuízos decorrentes do litígio.

Infelizmente, a prática demonstra que a maioria dos conflitos envolvendo imóveis de projetos de reflorestamentos recai sobre áreas com árvores adultas plantadas, sendo uma popular estratégia para incentivar as empresas a solucionarem a questão via acordo extrajudicial.

Trata-se de verdadeira chantagem contra o empreendedor, visto que um ciclo de produção demanda anos de esforço e investimento, os quais podem ser significativamente afetados pela impossibilidade de atuar em seu mister.

Assim, verifica-se que o risco de uma medida suspensiva infundada sobre parte de um projeto de reflorestamento ser indevidamente prolongada no tempo é tão somente mais um exemplo do tão comentado "Custo Brasil", cabendo aos operadores do Direito particular atenção e sensibilidade para lidar com a questão.

Direitos devem ser resguardados sem afetar desnecessariamente os investimentos feitos pela indústria florestal, pois, a despeito de qualquer discussão jurídica, é a natureza que determina a evolução das árvores plantadas e medidas suspensivas são inócuas em face dela.

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1 SIQUEIRA, Breno; PETERS, Jana; BENEDICTO, Marcelo. Valor de produção da silvicultura e da extração vegetal cresce 16,7% e soma R$ 44,3 bilhões. IBGE - Agência de Notícias, 2025. Disponível em . Acesso em 04/12/25.

Otavio Augusto Barroso Miotto

VIP Otavio Augusto Barroso Miotto

Advogado na Advocacia Felippe e Isfer. Graduado em Direito pela UniCuritiba e em Ciências Contábeis pela FIPECAFI. Especialista em Direito Empresarial pela (IEL-PR/Fiep).

Pedro Henrique Fiori Felippe

VIP Pedro Henrique Fiori Felippe

Sócio da Advocacia Felippe e Isfer. Graduado em Direito na PUCPR. Especialista em Processo Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felippe Bacelar. Mestre em Direito dos Negócios pela FGV/SP.

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