As contradições e prejuízos gerados pela aplicação inadequada da LAP
A lei de alienação parental, inicialmente criada para proteger crianças, distorceu responsabilidades, puniu mães e expôs crianças à violência, gerando um movimento por sua revogação.
quarta-feira, 17 de dezembro de 2025
Atualizado às 13:39
Em 2010 foi promulgada a lei 12.318, que disciplina a alienação parental, idealizada para proteger o direito fundamental da criança e do adolescente à convivência familiar saudável e assegurar que não sejam utilizados, por um dos genitores, como instrumento de agressividade direcionada ao outro genitor, nem sofram qualquer tipo de interferência em sua formação psicológica com o propósito de afastar e gerar prejuízo na manutenção de vínculos com o outro genitor, evitando, assim, que eventuais conflitos adultos resultem em abuso moral contra os filhos menores.
Apesar das boas intenções, a experiência de 15 anos demonstrou profundas controvérsias. E isso porque, na prática, a aplicação judicial da LAP foi substancialmente distorcida, sendo especialmente utilizada como instrumento e estratégia de defesa por agressores ou abusadores sexuais. Nesses cenários, mães que ousaram cobrar responsabilidade dos genitores ou denunciaram condutas sérias de violência intrafamiliar passaram a ser tratadas como manipuladoras e alienadoras, transformadas em vilãs e culpadas pelos filhos não terem um pai presente, revertendo o quadro jurídico.
Diante disso, uma das críticas mais contundentes é de que a lei, embora criada para coibir manipulações psicológicas, tornou-se, em muitos casos, uma forma de "violência processual", na qual o agressor, após ser acusado de abandono afetivo ou material, negligência, violência psicológica, física ou sexual contra a criança ou adolescente, acusa a mãe de alienação parental, invertendo a lógica da responsabilização. Em grande parte dos processos, além de responsabilizada pela alienação, a genitora ainda carrega a pecha de fazê-lo movida por ressentimento, vingança, controle ou instabilidade emocional.
Segundo a procuradora da República Acácia Soares Peixoto Suassuna, 70% das acusações de alienação parental recaem sobre mães, gerando o estigma de instabilidade emocional feminina e refletindo estereótipos de gênero estruturalmente enraizados, marcados pela cultura sexista e discriminatória.
Dessa forma, natural que nos processos de Direito de Família em que aplicação da LAP é suscitada haja enorme potencialização dos conflitos e da violência familiar, de modo que as questões iniciais do processo, referentes à guarda, convivência, alimentos, abandonos, negligências e violências muitas vezes acabam perdendo o protagonismo em detrimento de alegações vazias de alienação parental.
O resultado é uma combinação perversa: mulheres punidas por protegerem os filhos; crianças obrigadas a conviver com pais abusivos; e um sistema de justiça que, em vez de acolher as vítimas, reproduz estereótipos e deslegitima suas narrativas.
Decorrência disso, nasceu o imperativo de revogação integral da LAP, que não veio apenas em atendimento às demandas postas por movimentos de mulheres e mães ao redor de todo o país, mas também em atendimento às inúmeras recomendações de especialistas e de entidades representativas nacionais e internacionais de direitos humanos, como o Conselho Nacional de Direitos Humanos e a própria Organização das Nações Unidas.
Desta feita, e apesar da existência de defensores da manutenção da indigitada norma, não sem o seu aprimoramento, em novembro deste ano a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou o projeto de revogação integral da LAP, que agora segue para deliberação no Senado.
A proximidade do fim da lei não representa a negação de sua importância histórica, um verdadeiro marco de tentativa de proteção da integridade psicológica de crianças e adolescentes, mas o reconhecimento de que, tal como aplicada, ela falhou em seu propósito, tendo se tornado um instrumento nocivo e de impacto negativo no deslinde de processos de Direito de Família.
Paradoxalmente, revogá-la e construir novos mecanismos de proteção em favor da segurança e o bem-estar das crianças brasileiras parece ser a melhor medida, mormente através da criação de normas e mecanismos que visem garantir a proteção infantil por meio da paternidade responsável, cenário no qual já merece destaque a recentíssima alteração do ECA para reconhecer o abandono afetivo como ilícito civil.


