O que querem os motoristas de aplicativo, segundo o Datafolha
O debate sobre regulação dos apps expõe visões opostas, mas motoristas destacam autonomia e rejeitam vínculo celetista.
terça-feira, 16 de dezembro de 2025
Atualizado em 15 de dezembro de 2025 14:37
A intensificação do debate sobre a regulação do trabalho por aplicativos tem trazido à tona uma variedade de argumentos, muitas vezes diametralmente opostos. Opositores ao modelo afirmam que ele ameaça direitos dos trabalhadores, traz insegurança ao mercado de trabalho e coloca motoristas e entregadores em posição de desvantagem. Já aqueles que percebem os benefícios da modalidade e a essencialidade do serviço nos dias de hoje ressaltam a autonomia oferecida pelas plataformas, a possibilidade de incremento de renda e a oportunidade de trabalho sem subordinação. Mas, afinal, o que pensam os próprios trabalhadores, aqueles que são afetados diariamente pelas teses em debate?
Um levantamento feito pelo Instituto de Pesquisas Datafolha, a pedido da Uber1, divulgado em outubro, ajuda a entender de forma mais clara a opinião dos motoristas. A pesquisa aponta que 84% dos trabalhadores concordam que os aplicativos conectam passageiros e motoristas, oferecendo acesso fácil à geração de renda, apenas ligando o aplicativo. Um percentual ainda maior, de 90%, consente que pode escolher os dias e horários em que vai trabalhar de forma independente.
Oito em cada dez motoristas acreditam que os aplicativos ajudam a encontrar demanda por viagens quando querem obter renda dirigindo. E 78% deles concordam que possuem autonomia para realizar as viagens que desejam e rejeitar aquelas que não os interessam. O estudo ouviu 1,8 mil motoristas que atuam nas cinco regiões do país e evidencia um quadro fático muito claro: os motoristas reconhecem a própria autonomia e veem as plataformas como parceiros, não como empregadores em uma relação clássica de trabalho.
A visão dos trabalhadores se alinha a uma série de argumentos técnicos, jurídicos e sociais que demonstram a liberdade oferecida pelo modelo. A natureza de intermediação das plataformas já foi reconhecida em análises no STF. No julgamento do Tema 967, que garantiu a legalidade do transporte por aplicativos no país, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, apontou que "[o] modelo de negócio controvertido neste processo, típico da chamada economia de compartilhamento, envolve três partes: (i) o proprietário/possuidor de um veículo privado; (ii) a pessoa interessada em ser transportada; e (iii) uma plataforma digital que aproxima o motorista e o passageiro".
O entendimento é claro de que existe uma relação tripartite entre motoristas, usuários e plataformas, e que os aplicativos possuem a função específica de alinhar a demanda por corridas à oferta de trabalhadores dispostos a realizá-las. A relação estabelecida entre as partes é distante da relação tradicional de emprego e, na realidade, é caracterizada como um contrato de intermediação digital de negócios, de natureza tipicamente cível-comercial.
Em parecer apresentado ao STF no âmbito do julgamento do Tema 1.291, que discute a existência de vínculo empregatício no trabalho por aplicativos, o professor Gustavo Tepedino é claro ao afirmar que a relação entre trabalhadores e plataformas constitui "contrato atípico de prestação de serviço de tecnologia, no âmbito do qual a Uber disponibiliza plataforma digital, que constitui ferramenta essencial de intermediação para a prestação dos serviços de transporte pelos motoristas aos usuários passageiros, em duas relações jurídicas distintas e autônomas entre si, com disciplina jurídica própria".
A situação dos motoristas por aplicativos se assemelha à de outras categorias que já tiveram regulação analisada pelo Supremo, como corretores de imóveis, consultores de beleza que utilizam a estrutura de salão-parceiro, e transportadores autônomos de carga. Em todos esses casos, o STF reconheceu a autonomia dos profissionais e afastou a possibilidade de vínculo de emprego, devido à inexistência das características necessárias para a constituição de relação de trabalho.
Para além dos argumentos jurídicos e precedentes firmes já consolidados pelo STF, existe uma série de impactos sociais desastrosos diante da possível determinação de relação de emprego entre trabalhadores e plataformas. Uma análise realizada pela Ecoa Consultoria Econômica2 e divulgada no fim de 2024 aponta de forma quantitativa e bem fundamentada os danos que seriam causados a todo o ecossistema, incluindo plataformas, trabalhadores, consumidores e a sociedade em geral.
De acordo com o levantamento, o reconhecimento de vínculo empregatício entre motoristas e aplicativos levaria a uma redução de 52% no número de postos ocupacionais oferecidos (de 1,7 milhão para 816 mil). Além disso, provocaria um aumento de até 33% no valor das corridas para os usuários, o que causaria uma redução de 30% na demanda pelo serviço. Com a queda na procura, os motoristas poderiam perder entre 20% e 30% de sua massa de renda. A arrecadação tributária também sofreria forte impacto. A análise projeta redução de até R$ 2,7 bilhões na arrecadação de tributos, e impacto negativo de até R$ 45,9 bilhões no PIB - Produto Interno Bruto brasileiro.
A pesquisa Datafolha aponta que, além de reconhecerem as plataformas como ferramentas de intermediação, os trabalhadores também rejeitam de forma veemente o modelo celetista. De acordo com o levantamento, 6 em cada 10 motoristas não gostariam de ser enquadrados na CLT para dirigir por aplicativos. Dois em cada três motoristas afirmam que o modelo não se adequa às suas necessidades. Ainda segundo o estudo, 66% dos motoristas descartam a possibilidade de migrar para o regime celetista com os ganhos atuais.
Os números dizem muito e permitem uma visão clara do que deve guiar o debate sobre a regulação do trabalho por aplicativos: a realidade de quem vive essa rotina, alinhada às condições para desenvolvimento pleno e ampliação do setor. É preciso desapegar de modelos antigos que não comportam mais as necessidades e anseios dessa nova categoria de trabalhadores. Caso contrário, é grande o risco de se criar normas capazes de desamparar justamente aqueles que se pretende proteger.
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1 "Futuro do Trabalho: estudo realizado com motoristas de aplicativos de mobilidade", Instituto de Pesquisas Datafolha, 2025. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1-NaDK6o3p-nAroBuj6C9iZ7VdWvmGomf/view
2 "Impactos econômicos do reconhecimento de vínculo empregatício para plataformas de mobilidade e de entrega", Ecoa Consultoria Econômica, 2024. Disponível em: https://amobitec.org/wp-content/uploads/2024/12/20241208_Amobitec_Apresentacao_Executiva_vfinal.pdf
Rafael Alfredi de Matos
Mestre em Processo Civil pela USP, especialista em direito e processo do trabalho e sócio do Silva Matos Advogados.


