O tabu das empresas familiares: Sucessão
O texto analisa a relevância das empresas familiares e evidencia a fragilidade da sucessão, marcada por centralização de poder, resistência emocional e baixos índices de continuidade geracional.
quinta-feira, 18 de dezembro de 2025
Atualizado às 14:40
De acordo com dados do IBGE coletados em 2024, as empresas familiares representam cerca de 65% do PIB brasileiro e são responsáveis por aproximadamente 75% da força de trabalho do país (IBGE/24), consolidando-se como o principal motor econômico e social do Brasil.
Contudo, a transição geracional nesse tipo de organização revela-se um ponto de grande preocupação. Segundo pesquisa realizada pela PwC e divulgada em artigo da Fenacon (2023), apenas 36% das empresas familiares conseguem chegar à segunda geração. Esse índice torna-se ainda mais crítico nas etapas seguintes: cerca de 19% sobrevivem até a terceira geração, e apenas 7% chegam à quarta, evidenciando a fragilidade da continuidade empresarial ao longo do tempo.
As empresas familiares possuem características muito particulares. Em geral, são fundadas pelos patriarcas e têm como marca principal uma gestão centralizada, concentrando o poder de decisão nas mãos do fundador ou de alguns poucos membros da família. Esses líderes costumam participar ativamente não apenas das decisões estratégicas, mas também das atividades operacionais do dia-a-dia.
Na maioria dos casos, os fundadores sentem a necessidade de manter o controle total sobre o negócio, adotando uma postura quase onisciente e onipotente em relação à empresa. Diante desse cenário, fica o questionamento: com uma estrutura tão dependente da figura do fundador, quais são, de fato, as chances de essa empresa sobreviver e prosperar nas próximas gerações?
A palavra "sucessão", por si só, tende a provocar reações emocionais intensas. Muitas vezes, desperta aversão, resistência e até conflitos quando mencionada aos fundadores de empresas familiares. Isso porque, em geral, é associada a algo negativo, ao ato de ser deixado de lado ou à perda do controle e do patrimônio conquistado ao longo da vida.
A sucessão, portanto, ainda é encarada como algo a ser evitado, um processo que simbolizaria abandono ou substituição. Contudo, ela deve ser vista sob outra perspectiva: não como uma simples passagem de bastão, mas como uma redefinição de papéis e responsabilidades dentro da estrutura familiar e empresarial.
Esse é, sem dúvida, um momento delicado para qualquer empresa familiar. No entanto, o mundo mudou, e adaptar-se à nova realidade é indispensável. Os líderes de 50 ou 60 anos atrás viviam uma realidade social, moral e tecnológica completamente diferente da atual.
O gap entre as gerações está se ampliando. As pessoas têm filhos mais tarde do que seus pais, o que significa que os períodos de transição se tornaram mais longos, colocando ainda mais pressão e instabilidade em um processo de sucessão que já é, por natureza, cercado de tensões e desafios emocionais. Diante desse novo contexto social e tecnológico, é necessário repensar o modo como tratamos a sucessão nas empresas familiares.
A sucessão precisa ser revisitada, redesenhada e, se necessário, reconceituada. Deve ser compreendida de forma ampla e sistêmica, como um processo contínuo, estruturado em etapas interdependentes.
Muito se fala em sucessão, mas ainda há confusão conceitual sobre o seu verdadeiro significado. Alguns a associam apenas à transferência de patrimônio; outros, ao ensino e à preparação dos herdeiros para a gestão do negócio. No entanto, a sucessão é muito mais abrangente do que essas visões isoladas.
Conforme ensina John A. Davis, os principais componentes da governança familiar são representados por família, negócio e patrimônio, elementos que se relacionam, mas não se confundem. Sob essa ótica, a sucessão deve ser entendida como um processo que transita por todas essas esferas, e não como um evento isolado vinculado apenas ao patrimônio ou à empresa.
Observe: o titular do patrimônio sempre será um membro da família, mas nem todos os membros da família possuem patrimônio, e nem todos os integrantes do negócio pertencem à família. A sucessão consiste, justamente, em alinhar as expectativas entre esses diferentes grupos: família, empresa e patrimônio, garantindo harmonia e continuidade entre eles.
Assim, é possível afirmar com segurança que o patrimônio deve ser protegido e normatizado, enquanto a família e o negócio precisam ser profissionalizados. E é nesse equilíbrio entre preservação e profissionalização que reside o processo da sucessão. E esse equilíbrio só é possível quando a empresa adota uma estrutura profissional e permanente de gestão.
Mas afinal, o que significa profissionalizar o negócio ou a empresa familiar? Antes de responder a essa pergunta, é preciso compreender que a sucessão não é um evento pontual, algo que acontece uma única vez. Pelo contrário - trata-se de um processo dinâmico e contínuo, que permeia toda a trajetória do negócio familiar.
A profissionalização começa justamente quando a família entende que a gestão e a sucessão não se esgotam em um momento de transição, mas exigem planejamento, governança e capacitação constante. É um movimento que deve acompanhar a evolução da empresa, do mercado e das próprias gerações.
Profissionalizar significa reconhecer que a família também precisa desenvolver uma visão de educação empresarial. Cada membro deve compreender claramente o seu papel dentro do negócio e da empresa, e essa compreensão precisa ser transmitida e consolidada nas futuras gerações.
É fundamental compreender que os membros da família podem, e devem, ser preparados de formas distintas, conforme cada perfil, seja para atuarem como administradores do negócio, seja como investidores.
A legislação brasileira é clara ao estabelecer que a hereditariedade recai apenas sobre a propriedade, e não sobre a administração. Ou seja, o fato de um herdeiro possuir participação societária não o torna automaticamente apto a gerir a empresa.
Quanto mais cedo os gestores de empresas familiares internalizarem essa distinção, mais ágil, estruturado e menos traumático será o processo de sucessão. Quando os sucessores são preparados para atuar como gestores, é essencial compreender que a próxima geração deve acessar a empresa familiar com base na meritocracia.
A família precisa estabelecer um acordo sólido, definindo de forma clara quais são os requisitos necessários para integrar o negócio. Por exemplo: o familiar deve possuir ensino superior completo? Deve ter experiência profissional prévia fora da empresa?
Esses critérios devem ser objetivos e transparentes, e a simples satisfação das condições não deve implicar, automaticamente, a criação de um cargo para a entrada desse familiar. A regra deve ser clara: só há ingresso quando existir uma vaga real e compatível com o perfil profissional, e não apenas pela condição de herdeiro.
Por outro lado, quando os sucessores não possuem conhecimento sobre a operação e não demonstram interesse em administrar o negócio, é preciso reconhecer que estamos diante de investidores, e que a gestão deverá ser conduzida por um profissional de mercado.
Contudo, é justamente nesse cenário que surge um grande desafio: quando os familiares da nova geração deixam de ser gestores e passam a ser apenas proprietários, torna-se ainda mais essencial profissionalizar o relacionamento entre a família e o negócio.
É importante compreender que esse processo envolve reciprocidade.
A família tem o direito, e o dever, de exigir transparência, relatórios e demonstrações de resultados, acompanhando a evolução do negócio ao longo da gestão. Por outro lado, também precisa ser clara e coerente quanto às suas expectativas e objetivos estratégicos, permitindo que o gestor atue com segurança e alinhamento.
Por muito tempo, prevaleceu a ideia de que, por se tratar de "roça", "agro" e "simplicidade", os familiares não se viam como empresários, o que retardou a compreensão sobre a importância da profissionalização e da gestão empresarial nesse setor.
Entretanto, o cenário atual exige adaptação. A rigidez que por anos marcou a cultura das empresas familiares pode, hoje, se tornar um fator de risco à sua sobrevivência. Para evitar a estagnação e a perda de competitividade, é indispensável atrair e reter talentos, valorizar mão de obra qualificada e acompanhar as transformações tecnológicas que moldam o novo mercado.
Em síntese, profissionalizar é preservar, e no contexto do agronegócio, adaptar-se é o único caminho para garantir continuidade e perenidade do legado familiar. É fundamental reconhecer que não há mais espaço para crescer dentro de um cenário limitado e resistente à mudança.


